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As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.
Eu havia prestado tanta atenção em Nina só porque a considerava fisicamente mais próxima, enquanto a Rosaria, que era feia e despretensiosa, não tinha dedicado um único olhar. Quantas vezes devem tê-la chamado pelo nome e eu não percebera. Eu a mantivera fora do campo de visão, sem curiosidade, a imagem anônima de uma mulher que conduz a própria gravidez de forma grosseira. Ali estava o que eu era: superficial.
isso. Mas eu não invento nada, só escuto, o não dito fala mais do que o dito.
do que a de sábado, o fluxo extraordinário do fim de semana estava se exaurindo. Passeei um pouco na orla,
Porém, amei a todos eles, os primeiros namorados das minhas filhas, e lhes concedia um afeto exagerado. Queria recompensá-los, talvez, porque haviam reconhecido a beleza, as virtudes delas, arrancando-as, assim, da angústia de serem feias, da certeza de não terem poder de sedução.
as crianças gostam muito daqueles que ainda não nasceram e gostam pouco ou pouquíssimo dos recém-nascidos
era simples e agradável divertir as crianças. Lucilla nunca se preocupava com o que vinha depois. Arruinava a minha disciplina e então, após devastar o território que me pertencia, recuava para o seu, dedicava-se ao marido, corria para o próprio trabalho, para os próprios sucessos,
então se recuperava, concordava e aos poucos começava a falar mal das minhas filhas, a identificar defeitos e problemas. Bianca era muito egoísta, Marta era muito frágil, uma tinha pouca imaginação, a outra tinha demais, a mais velha vivia perigosamente fechada em si mesma, a mais nova era mimada e cheia de caprichos.
Coitada da mamãe. O que, no fim das contas, ela havia transmitido de tão ruim às meninas? Nada, um pouco de dialeto. Graças a ela, Bianca e Marta hoje sabem imitar bem a cadência napolitana e algumas expressões. Quando estão de bom humor, riem de mim. Exageram meu sotaque, até mesmo pelo telefone, do Canadá. Zombam de forma cruel do timbre dialetal que emerge da minha maneira de falar os idiomas, ou de certas expressões napolitanas que uso, italianizando-as.
Os homens, antes mesmo de dar um beijo, esclareciam, com uma educada convicção, que não tinham intenção alguma de deixar a esposa, ou que tinham hábitos de solteirões dos quais não queriam abrir mão, ou que excluíam a possibilidade de assumir a responsabilidade pela minha vida e das minhas filhas. Nunca me queixei — na verdade, parecia-me previsível e, por isso, razoável. Eu havia decidido que a temporada das paixões terminara, três anos haviam sido suficientes.
Eu sempre havia considerado o sexo uma realidade extrema muito viscosa, o contato menos mediado possível com outro corpo. Mas, a partir daquela experiência, tive certeza de que é um produto extremo da fantasia. Quanto maior o prazer, mais o outro é apenas um sonho, uma reação noturna do ventre, dos seios, da boca, do ânus, de cada centímetro isolado de pele a carícias e golpes de uma entidade indefinida definível de acordo com as necessidades do momento. Não sei o que pus naquele encontro, e me pareceu que eu havia amado aquele homem desde sempre — embora tivesse acabado de conhecê-lo — e
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Filhas infelizes, obrigadas a serem cultas até mesmo em seu léxico familiar, desde pequenas.
Pensei que já havia cometido o erro de tê-lo deixado entrar e que, se minha suposição tinha fundamento, de qualquer forma ele ficaria ali o tempo necessário para tornar plausível aquilo que contaria em seguida. Os homens sempre têm alguma coisa de patético, em qualquer idade. Uma arrogância frágil, uma audácia pávida. Hoje, não sei mais dizer se alguma vez me suscitaram amor ou apenas uma afetuosa compreensão pelas suas fraquezas.
Minha mulher dava para as crianças chuparem, quando pequenas, um pedaço de pano com um pouco de açúcar dentro para que ficassem quietas. — A pupatella. — Você também conhece? — Minha avó a preparou uma vez para a minha segunda filha, que vivia chorando, ninguém sabia o que ela tinha.
Então minha avó pegou um pedaço de esponja, cobriu de açúcar, pôs dentro de uma gaze — de uma caixa de doces, imagino — e amarrou uma fitinha em volta. Surgiu um ser minúsculo, um fantasma com uma roupinha branca que escondia seu corpo e os pés.
Eu as amava demais e achava que o amor por elas impedia que eu me tornasse eu mesma.
Porque percebi que eu não era capaz de criar nada meu que pudesse realmente estar à altura delas.
Resignei-me a viver pouco para mim e muito para as duas meninas. Aos poucos, consegui. — Então passa — disse Nina. — O quê? Ela fez um gesto para indicar uma vertigem, mas também uma sensação de náusea. — O desnorteamento. Lembrei-me de minha mãe e respondi: — Minha mãe usava outra palavra, chamava de despedaçamento.
Brincadeiras. Dizer às meninas tudo, desde a infância: mais tarde, elas é que vão pensar em inventar para si um mundo aceitável. Eu mesma estava brincando naquele momento, uma mãe não é nada além de uma filha que brinca, aquilo me ajudava a refletir.
Era um homem que parecia treinado para nunca perder a calma, nem mesmo quando seus gestos se tornavam violentos.
assim desde que elas eram pequenas, vivem suspeitando que eu me dedico mais a uma do que à outra. Antigamente eram brinquedos, doces, até a quantidade de beijos que eu distribuía. Depois começaram a discutir por causa de roupas, sapatos, motocicletas, automóveis — em suma, dinheiro. Agora preciso tomar cuidado para dar a uma exatamente o mesmo que dou à outra, porque cada uma delas, rancorosa, mantém uma contabilidade secreta.

