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As coisas mais difíceis de falar são as que nós mesmos não conseguimos entender.
Eu queria estar pronta para lidar com pedidos repentinos de ajuda, temia que me acusassem de ser como eu de fato era: distraída ou ausente, absorta em mim mesma.
Aos poucos, cedi. Eduquei-me a estar presente somente se quisessem minha presença e a ter voz somente se me pedissem para falar. Era o que exigiam de mim e o que eu dava a elas. O que eu queria delas, isso nunca entendi, nem mesmo agora tenho essa resposta.
Na verdade, pensando bem, o que eu mais amava nas minhas filhas era o que me parecia estranho. Delas — eu sentia — agradavam-me mais os traços que haviam puxado ao pai, mesmo após o fim tempestuoso do casamento. Ou os traços que tinham vindo de seus antepassados, dos quais eu nada sabia. Ou os traços que pareciam, na combinação dos organismos, uma invenção caprichosa do acaso.
Portanto, era com razão que eu não entendia por que havia confessado aquele fato tão íntimo a estranhos, pessoas totalmente distantes de mim, que, por isso mesmo, jamais poderiam compreender meus motivos e que, naquele momento, certamente estavam falando mal de mim. Eu não suportava aquilo, não conseguia me perdoar, sentia-me exposta.
Todas as esperanças da juventude já me pareciam destruídas, era como se eu estivesse caindo para trás na direção da minha mãe, da minha avó, da cadeia de mulheres mudas ou zangadas da qual eu derivava. Oportunidades perdidas.
Nunca sabemos de onde vem a velocidade do mal-estar, como avança.
Que bobagem pensar que é possível falar de si mesmo aos filhos antes que eles tenham pelo menos cinquenta anos. Querer ser vista por eles como uma pessoa e não como uma função. Dizer: sou sua história, vocês começam comigo, escutem, pode ser útil.
Suspeito de que Marta cresceu ansiosa por minha causa, tentando me proteger como se ela fosse grande, e eu, pequena; foi esse esforço que a tornou tão ressentida, com um sentimento forte de inadequação.
Os filhos são assim, às vezes amam com afagos, outras vezes tentam mudá-la totalmente, reinventando você, como se achassem que cresceu mal e que é dever deles ensinar a como estar no mundo, a música que você deve ouvir, os livros que deve ler, os filmes que deve assistir, as palavras que deve ou não usar porque são velhas, ninguém as usa mais.
— Se você estava bem, por que voltou? Escolhi as palavras com bastante cuidado. — Porque percebi que eu não era capaz de criar nada meu que pudesse realmente estar à altura delas. De repente, ela abriu um sorriso de satisfação. — Então você voltou por amor às suas filhas? — Não, voltei pelo mesmo motivo que me fez ir embora: por amor a mim mesma.
uma criança nunca quer somente aquilo que pede; pelo contrário, um pedido satisfeito torna ainda mais insuportável a falta não confessada.