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Ele se fazia perguntas, que ficavam sem respostas. De que servia matar? Por que existiam homens maus no mundo? Ele não era capaz de arranhar um colega, de jogar pedras nos cachorros; não fazia malvadeza nem com os bichos nem com as pessoas. Doía-lhe ver os outros sofrerem. Tinha horror ao sangue.
Phelipe Nascimento liked this
Ele se fazia perguntas, que ficavam sem respostas. De que servia matar? Por que existiam homens maus no mundo? Ele não era capaz de arranhar um colega, de jogar pedras nos cachorros; não fazia malvadeza nem com os bichos nem com as pessoas. Doía-lhe ver os outros sofrerem. Tinha horror ao sangue.
Eugênio olhava sombrio para o cachorro. Sentiu ímpetos de dar-lhe um pontapé, de matá-lo, mas arrependeu-se logo desse pensamento. Devia estar doente por pensar aquelas coisas... Veio-lhe uma ternura morna e o olhar que em seguida lançou para o animal foi de piedade.
Mas quando fosse um médico que se quisesse dedicar aos pobres seria obrigado a botar o dedo naquelas feridas, respirar longamente o ar viciado daquelas casas, sentir na cara o hálito pestilencial daquela gente. Eugênio já não via mais beleza na profissão do dr. Seixas.
Sentia um esquisito e amargo prazer em se diminuir.
Sentia-se culpado. O que acabara de fazer era desumano, ignóbil, chegava a ser criminoso. Por que se envergonhava do pai?
Havia uma parte de seu ser — a maior, a mais forte e palpável — que se julgava vítima duma grande injustiça e que desejava ansiadamente subir, melhorar de condição social, fosse como fosse. A outra parte — tão imprecisa e débil que em certos momentos desaparecia, como se nunca houvesse existido — exercia sobre a primeira uma crítica que não era destituída de malícia, inclinava-se a aceitar a realidade com coragem e até com humor.
Por que será — perguntou ele a Olívia —, por que será que às vezes de repente a gente tem a impressão de que acabou de nascer... ou de que o mundo ainda está fresquinho, recém-saído das mãos de quem o fez?
São clareiras que se abrem de repente para a gente poder vislumbrar Deus.
era impossível que não houvesse um sentido em tudo aquilo, era demasiado cruel que a vida não tivesse uma finalidade, um propósito.
Suas mãos ainda estavam trêmulas e o ritmo de seu coração — com que pungência insuportável ele sempre sentia o coração! — ainda não se havia normalizado.
teve a intuição de que Olívia enxergava através de suas palavras, descobrindo a grande mentira.
Eugênio sentiu que aqueles olhos lhe estavam enxergando a alma. Chegou quase a odiá-los.
Olívia sorriu para ele um sorriso bom e disse: — Está tudo certo. Não precisas ficar aflito. Eu compreendo, sim, como compreendo! Essas palavras desarmaram Eugênio. De novo ele sentiu vontade de ficar, de esquecer, de desabafar.
Eugênio se perguntava a si mesmo por que era que de repente se fazia assim tão solícito, tão atencioso, como um irmão mais velho. Concluiu que era porque tinha pena da moça: pena de todos os que sofriam. Por um breve instante se sentiu reconciliado consigo mesmo. Entretanto seu eu puro e implacável lhe cochichou que se ele se mostrava assim fraternal para com a secretária e para com os outros empregados da fábrica era para com essa atitude comprar a cumplicidade, a boa vontade e a simpatia deles. Porque todos ou quase todos sabiam da sua situação de inferioridade naquela firma. Não passava dum
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O argumento mais fraco que tenho contra o ateísmo é que ele é absolutamente inútil e estéril; não constrói nada, não explica nada, não leva a coisa nenhuma.
quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.
Mas que terá ela visto em mim? — perguntava-se ele. Que terei eu feito para merecer esse amor, essa dedicação, essa fidelidade que continua até mesmo na morte?
Tinha tido apenas a ilusão de viver, mas na verdade andara morto por entre os homens.
morte não o assustava. A sua sede de sucesso parecia extinta. Já não sonhava mais com glórias e principiava a não ter medo da vida. Sentia um desejo de ternura, de bondade, de gestos mansos.
Pensemos apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não seremos consultados quando tivermos de partir. Isto dá bem a medida da nossa importância material na terra, mas deve ser um elemento de consolo e não de desespero.
Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente. São estes intervalos entre um trabalho cansativo e outro trabalho cansativo, estes momentos em que a gente pode conversar com um amigo, brincar com os filhos, ler um bom livro... O erro é pensar que o conforto permanente, o bem-estar que nunca acaba e o gozo de todas as horas são a verdadeira felicidade.