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Mas achava também que qualquer vida era um risco e o risco maior era o de não tentar viver.
E ela, tão viciada na dor, fizera dos momentos que antecederam a alegria maior um profundo sofrimento.
Se as pernas não andam, é preciso ter asas para voar.
E era como se ela tivesse ganho uma boneca que não desejasse e cedesse o brinquedo para alguém que quisesse.
Corria sobre a corda bamba, invisível e opressora do tempo. Era preciso avançar sempre e sempre.
Cida descobriu outras pessoas também portadoras da urgência de vida que ela trazia em si.
A moça imprimia mais e mais velocidade a sua louca e solitária maratona. Corria contra ela própria, não perdendo e não ganhando nunca.
Sem perceber, permitiu uma lentidão aos seus passos e pela primeira vez viu o mar.
Todos os seus membros estavam lassos, só o coração batia estonteado. Cida levou a mão ao peito. Sentiu o coração e os seios. Lembrou-se então que era uma mulher e não uma máquina desenfreada, louca, programada para corrercorrer.
A corda bamba do tempo, varal no qual estava estendida a vida, era frágil, podendo se romper a qualquer hora.
Como uma pessoa, em plena terça-feira, às seis e cinquenta e cinco da manhã, podia estar tão tranquilamente brincando no mar?
Ela ia dar um tempo para ela.
Não sei porque o medo, pensou Bica. Se ao menos o medo me fizesse recuar, pelo contrário, avanço mais e mais na mesma proporção desse medo.
É como se o medo fosse uma coragem ao contrário.
Pimenta nos olhos dos outros não arde.
Eu sei que não morrer, nem sempre é viver.