Precisamos de Novos Nomes

by NoViolet Bulawayo

estar num país completamente diferente. Um país agradável, onde vivem as pessoas que não são como nós. Mas então você não vê nada que mostre que existem pessoas reais vivendo aqui; até o ar é vazio: não tem comida deliciosa sendo preparada, nem cheiros, nem sons. Não tem nada.

que é isso?, alguém sussurra. Ninguém responde, porque agora todo mundo pode ver o que é. A mulher magra está pendurada por uma corda verde presa a um galho alto da árvore. O sol vermelho se espreme através das folhas e deixa tudo de uma cor estranha; é quase bonito, faz a pele clara da mulher

seus sapatos vermelhos. Ficamos parados ali, olhando. Vamos correr, diz Stina, e eu me preparo para correr. Vocês não conseguem ver que ela se enforcou e agora está morta? O Bastard pega uma pedra e joga; a pedra atinge a mulher na coxa. Acho que alguma coisa vai acontecer, mas nada acontece, a mulher não se move, só o seu vestido. Ele balança muito de leve na brisa, como se um bebê anjo estivesse talvez brincando com ele. Estão vendo, eu disse que ela está morta, Bastard diz, com aquela voz que

ele usa quando quer nos lembrar quem é o chefe. Deus vai te castigar por isso, Godknows diz. O Bastard joga outra pedra e acerta a mulher na perna. A mulher não se move, apenas fica pendurada ali, como uma boneca esfarrapada. Estou apavorada, é como se ela me olhasse com o canto do seu olho branco e esbugalhado. Olhando e esperando que eu faça alguma coisa. Não sei o quê. Deus não mora aqui, seu idiota, Bastard diz. Ele joga outra pedra, que dessa vez só raspa no vestido amarelo da mulher, e fico feliz por ele ter errado.

então eu não sei o que os brancos estavam tentando fazer, para começo de conversa, roubando não uma coisinha de nada mas um país inteiro.

Como é que as pessoas vão conseguir esquecer se você roubar algo assim? Ninguém sabe onde o corpo do meu avô está. Então, agora o pessoal da igreja diz que o espírito dele está dentro de mim e não vai sair até ele ser enterrado direito. O problema é que eu mesma nunca cheguei a ver ou sentir o espírito para saber se é verdade ou se as pessoas estão só mentindo, o que os adultos fazem às vezes porque são adultos.

Para passar o tempo, deixo meus olhos irem na direção do Paraíso. Quando estou na Fambeki desse jeito sinto que sou Deus, que vê tudo. O Paraíso é todo de zinco e se estende ao sol como uma pele de carneiro molhada pregada no chão para secar; os barracos são da cor barrenta das poças sujas depois das chuvas. Os barracos são horríveis, mas daqui de cima parecem muito melhores, quase bonitos até; é como se eu estivesse vendo uma pintura.

dizer. Aos poucos, as crianças desistiram e pararam de fazer perguntas e só pareciam quase vazias, como se sua infância tivesse fugido e deixado apenas os ossos de sua sombra para trás.

Penso em rezar por ela, para que o seu cansaço vá embora, mas depois lembro que cheguei à conclusão de que rezar a Deus é uma perda de tempo.

Você reza e reza e reza e nada muda; por exemplo, eu rezei por uma casa de verdade e boas roupas e uma bicicleta e outras coisas por um tempo muito, muito longo, e nada disso aconteceu, nem mesmo uma única dessas coisas, e é por isso que eu sei que toda essa reza pelo Pai é só gente brincando.

Tenho pensado nisso de verdade, toda essa coisa de rezar, e o que eu acho é que talvez as pessoas estejam fazendo do jeito errado; que, em vez de pedir pra Deus gentilmente, as pessoas deveriam exigir e questionar e ameaçar, parar de adorá-lo. Talvez desse jeito ele começasse a pensar de forma diferente e tentasse fazer as coisas direito, como realmente deveria fazer; até mesmo ...

Assassinaram meu filho! Assassinaram meu único filho! O Bornfree, meu filho! Quem vai me enterrar, agora que você se foi? O touro berra sem parar, lutando contra seus

Depois da dança, caímos em cima do Bastard, que agora é o Bornfree. Gritamos na sua cara enquanto o espancamos. Para quem você está trabalhando? Traidor! Quem está pagando você? A América e a Inglaterra? Por que você não grita pedindo ajuda à América e à Inglaterra agora? Amigo dos colonizadores! Vendendo o país para os brancos! Você acha que pode simplesmente votar em quem quiser? Vote agora, a gente quer ver, traidor!

Você quer Mudança, hoje vamos te mostrar a Mudança! Aqui estão a sua democracia, os seus direitos humanos, engole, pode engolir!

Que tal o gosto da mudança, agora? Vamos, levanta. Você precisa se levantar e ir votar! Como vai ver a mudança acontecer se só fica aí deitado, sem fazer nada? Nós zombamos e rimos e voltamos a bater.

É silenciosa, mas está ali. Ainda assim, o que é a raiva quando fica dentro de um coração, feito sangue, quando você não faz nada com ela, quando você não a usa para bater ou até mesmo gritar? Essa raiva não é nada, ela não conta. Ela é só um cachorrão terrível e desdentado. E então, finalmente, nós só paramos. Estamos cansados. Nossas vozes estão roucas. Nossos rostos estão esgotados. Nossas armas balançam ao nosso lado, todas ensanguentadas. Nossas roupas estão ensanguentadas. A bandeira do nosso país está ensanguentada.

Olhe para eles indo embora aos bandos, os Filhos da terra, olhe só para eles indo embora aos bandos. Os que não têm nada estão cruzando fronteiras. Os que têm força estão cruzando fronteiras. Os que têm ambições estão cruzando fronteiras. Os que têm esperanças estão cruzando fronteiras. Os que sofreram perdas estão cruzando fronteiras. Os que sentem dor estão cruzando fronteiras. Caminhando, correndo, emigrando, indo, desertando, andando, abandonando, fugindo, escapando — para toda parte, para países próximos e distantes, para países de que nunca se ouviu falar, para países cujos nomes não sabem pronunciar. Estão indo embora aos bandos. Quando as coisas se despedaçam, os Filhos da terra saem em debandada como pássaros fugindo de um céu ardente. Eles fogem de sua própria terra miserável para que sua fome possa ser aliviada em terras estrangeiras, suas lágrimas enxugadas em terras estranhas, as feridas do seu desespero tratadas em terras distantes, suas orações cheias de bolhas murmuradas na escuridão de terras desconhecidas. Olhe para os Filhos da terra indo embora aos bandos, deixando sua terra com feridas que sangram em seus corpos e susto em seus rostos e sangue em seus corações e fome em seus estômagos e tristeza em seus passos. Deixando suas mães e pais e filhos para trás, deixando seus cordões umbilicais debaixo do solo, deixando os ossos de seus antepassados na terra, deixando tudo o que os torna quem e o que eles são, indo embora, pois não é mais possível ficar. Ele...

Eu não sei eu realmente não sei menina esta pode ser a última vez que te vejo não sei se ainda vou estar aqui quando você voltar mas que tipo de vida é essa quando todos nascem pra se espalhar por terras estrangeiras aos bandos que tipo de vida será que o país vai virar uma ruína?,

O Stina também disse que deixar o seu país é como morrer, e quando você retorna é como um fantasma perdido voltando pra terra, andando por aí com um olhar ausente.

surpreende. Mas eu percebo que quando o tradutor traduz ele deixa de fora coisas como retomar o lar ancestral e ensinar aos netos nossa bela cultura e ser rápida com os pés e trabalhadora e obediente ao marido.

E então os nossos próprios filhos nasceram. Seguramos com firmeza as suas certidões de nascimento americanas. Não demos aos nossos filhos os nomes dos nossos pais, os nossos próprios nomes; temíamos que se fizéssemos isso eles não fossem capazes de dizer o próprio nome, os seus amigos e os professores não soubessem como chamá-los. Demos a eles nomes que os ajustavam à América, nomes que não significavam nada para nós: Aaron, Josh, Dana, Corey,

Jack, Kathleen. Quando nossos filhos nasceram, não enterramos seus cordões umbilicais debaixo da terra para uni-los àquele chão porque não tínhamos uma terra que fosse nossa. Não seguramos sua cabeça sobre ervas defumadoras para torná-los fortes, não amarramos fetiches em torno de sua cintura para protegê-los dos maus espíritos, não fizemos cerveja e derramamos tabaco na terra para anunciar a sua chegada aos antepassados. Em vez disso, sorrimos.

nós deixarmos que se estabeleçam, então toda a nação vai cair, e seremos governados por estranhos. Seremos forçados a falar línguas de terras brancas, adorar seus deuses miseráveis. Eles vão

nos escravizar em nosso próprio solo; seremos seus cães. Mas não, ele diz, e faz uma pausa e ri. É uma grande gargalhada, como se ele fosse engolir o céu.