A Paixão Segundo G.H.

by Clarice Lispector

Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.

Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?

Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe. E – e se a realidade é mesmo que nada existiu?! quem sabe nada me aconteceu? Só posso compreender o que me acontece mas só acontece o que eu compreendo – que sei do resto? o resto não existiu.

Toda compreensão súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de achar é um perder-se a si próprio.

Ir para o sono se parece tanto com o modo como agora tenho de ir para a minha liberdade. Entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo, e como uma cega perdida num campo. Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar.

Nada me fazia supor ao que eu ia. Mas é que nunca fui capaz de perceber as coisas se encaminhando; todas as vezes que elas chegavam a um ápice, me parecia com surpresa um rompimento, explosão dos instantes, com data, e não a continuação de uma ininterrupção.