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by
Stefan Zweig
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March 6 - August 29, 2024
no âmbito político que elas correm o risco de falsear a História, ao levar a crer que – naquela época e sempre – os verdadeiros líderes de fato determinam o destino do mundo. Sem dúvida, por sua própria existência, uma natureza heroica domina a vida intelectual durante décadas e séculos, mas apenas a intelectual. Na vida real, verdadeira, na esfera de poder da política – e isto deve ser frisado como alerta contra toda credulidade neste âmbito –, raramente são as figuras superiores, as pessoas das ideias puras, que determinam os acontecimentos, e sim uma categoria muito inferior, porém mais
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algo que é típico em Joseph Fouché, desde o primeiro, o mais baixo degrau de sua carreira, manifesta-se um traço característico de sua natureza: sua aversão a comprometer-se total e irrevogavelmente com alguém ou alguma coisa.
se Joseph Fouché não se compromete a ser fiel a Deus por uma vida inteira, muito menos a um homem.
Se este homem durante toda a vida controlou cada nervo de seu rosto mesmo na erupção das paixões, se jamais alguém descobriu um sinal de ira, de raiva, de agitação em seu rosto imutável, cimentado pelo silêncio, se pronunciava com a mesma voz monocórdia tanto uma banalidade como algo terrível, se com
o mesmo passo silencioso atravessava os cômodos do imperador ou o tumulto de uma manifestação popular, foi porque aprendeu esta incomparável disciplina do autocontrole nos anos de refeitório, dominou seu temperamento com os exercícios de Inácio de Loyola e forjou sua oratória nas discussões da centenária arte do sacerdócio antes de pisar o palco do mundo.
não, estes anos de Fouché na penumbra dos seminários não foram perdidos, ele aprendeu infinitamente enquanto ensinava.
Sempre é precisamente o homem de fé pura, o homem religioso, extático, o transformador e reformador do mundo, que em sua nobre intenção enceta os massacres e males que ele próprio detesta.
A cidade de Lyon será destruída. Todas as casas das pessoas prósperas serão postas abaixo, só poderão sobrar as casas dos pobres, as habitações dos patriotas assassinados ou proscritos, os edifícios industriais e aqueles que servem a fins beneficentes e educativos.
ele sabe que um único gesto vigoroso de terror atemoriza mais do que o próprio terror.
Todos eles, mais tarde descritos como feras sanguinárias, como assassinos apaixonados, inebriados com o cheiro dos cadáveres, todos eles, incluindo Lênin e os líderes da Revolução Russa, no fundo abominam as execuções. Só querem manter seus adversários políticos em xeque com a ameaça da execução,
só para entusiasmar o povo e avalizar o próprio radicalismo, cometeram a tolice de criar um jargão sanguinário e de povoar ininterruptamente seus delírios com traidores e a guilhotina.
quando o povo, inebriado, bêbado, enlouquecido com essas palavras selvagens e provocadoras, passou a exigir as “medidas enérgicas” que lhes haviam sido anunciadas como necessárias, os líderes não têm coragem de resistir: usam a guilhotina para não desmentir sua retórica sobre ela.
Forçosamente, seus atos precisam comprovar suas palavras enraivecidas, e inicia-se uma competição do terror porque ninguém ousa ficar...
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Milhares de pessoas são sacrificadas – não por prazer, nem por paixão e menos ainda por decisão, mas pela falta de firmeza dos políticos, dos homens de partido, que não encontram coragem para enfrentar a população; em última análise, por covardia.
a política não é, como se quer fazer crer de qualquer maneira, a liderança da opinião pública, mas uma submissão servil dos líderes diante da mesma instância que acabaram de criar e influenciar.
O mesmo ocorre com os crimes políticos: nenhum vício, nenhuma brutalidade no mundo faz correr tanto sangue quanto a covardia humana.
Mas antes da tragédia propriamente dita, o comediante demitido e seu assistente, o antigo seminarista, ainda apresentam uma curta peça satírica,
A missa fúnebre para Chalier, o mártir da liberdade, serve como pretexto para essa orgia de exagero ateísta.
Antes de subir a pequena escada de madeira da pequena casa da rue Saint-Honoré, a qual serve de vitrine para a virtude e a pobreza de Robespierre, Fouché também precisa passar pelo exame do senhorio que toma conta de seu deus e inquilino como se fora uma presa sagrada.
Pois esse homem, que ama com paixão a virtude − e da mesma forma adora apaixonada e viciadamente a sua própria virtude − não conhece piedade nem perdão para alguém que algum dia
tenha tido outra opinião que não a sua própria.
Fouché não percebeu – ou percebeu tarde demais – com que autodisciplina tenaz e persistente o demagogo Robespierre se tornou um estadista no exercício de suas tarefas, como de intrigante meloso se fez político de raciocínio preciso, como de falastrão se transformou em orador.
Inebriado pela própria incorruptibilidade, enfeitiçado pela sua inflexibilidade dogmática, considera toda opinião diferente da sua não apenas como diferente, mas como traição.
e essa falta de calor comunicativo, de humanidade contagiante, priva seus atos de uma força verdadeiramente criadora. A sua potência reside na rigidez, sua força provém da dureza: a ditadura tornou-se o sentido e a forma de sua vida. Assim, ele precisa marcar a Revolução com o seu Eu, caso contrário desagregar-se-á.
nunca a humanidade ou uma parte dela, um grupo individual, suportou a ditadura de um único homem sem o odiar.
Prudentes, os burgueses republicanos e o próprio Robespierre afastaram as ideias socialistas e às vezes até bolcheviques de Marat sobre a repartição igualitária da fortuna;
eles
preferiram falar muito, muito de liberdade, muito de fraternidade, mas pouco da igualdade em se trata...
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Porque só conhece a vida quem já mergulhou nas profundezas. Só um revés confere ao homem sua força impetuosa integral.
Por isso, nada de melhor pode acontecer a uma carreira do que a sua interrupção temporária, pois quem sempre vê o mundo do alto de uma nuvem, do alto da torre de
marfim e do poder, só conhece o sorriso dos submissos e a sua perigosa solicitude: quem tem o poder sempre nas mãos esquece o seu verdadeiro valor.
Nada enfraquece mais o artista, o general, o estadista do que o sucesso permanente conforme sua vontade e desejo; só no fracasso o artista conhece a sua verdadeira relação com a obra, só na derrota o general reconhece seus erros e só na desgraça o estadista adquire verdadeira clarividência política. Uma riqueza constante amolece o caráter, aplausos constantes entorpecem, só a interrupção confere nova tensão e elasticidade criadora...
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Homens sem caráter, porém confiáveis dentro dessa falta de caráter.
Assim, da noite para o dia, o comunista radical de 1793, que queria assar o “pão da igualdade”, torna-se
íntimo dos novos banqueiros republicanos e lhes arranja, contra uma boa comissão, todos os seus desejos e negócios.
Porque informação é tudo: na guerra como na paz, na política como no mundo das finanças.
Em pouco tempo, o barulho dos patriotas privilegiados é substituído pelo silêncio dos que estão em meio a uma boa refeição; Fouché atirou um osso para cada um ou os espantou para um canto da sala com algumas chicotadas.
Não o sabem, e talvez nem Fouché o saiba, porque ele só tem um único prazer na Terra: o gosto pela ambiguidade, o atrativo que queima e o perigo excitante da duplicidade.
o Senado, movido a promessas e lubrificado a dinheiro, cumpre todos os seus desejos,
A história universal, que não é de forma alguma um código de moral, não conhece nenhum exemplo mais completo de ingratidão absoluta do que a conduta de Napoleão e Fouché contra Barras no 18 Brumário.

