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January 8 - January 21, 2025
consenso entre os estudiosos é que a narrativa do Êxodo não é histórica.
Os autores J e E interpretaram a saga de Israel de maneiras muito diferentes, e os futuros editores não fizeram qualquer tentativa de eliminar as incoerências e contradições.
Allegoria era um termo usado por retóricos para descrever um discurso que significava algo diferente de seu significado superficial.
Na verdade, um texto que não pudesse ser radicalmente reinterpretado para atender às necessidades do dia estava morto; as palavras registradas da Escritura tinham de ser revitalizadas por constante exegese.
A essência da Torá era a recusa disciplinada de infligir dor a outro ser humano.
Não podia haver nenhuma interpretação definitiva da Escritura.
Como os soberanos iranianos eram mais liberais que os imperadores cristãos, os judeus da Babilônia tinham liberdade para conduzir seus próprios negócios sob um exiliarca oficialmente designado.
Ao estudar a Bíblia por meio do Bavli, o estudante aprendia que ninguém tinha a última palavra, que a verdade estava mudando constantemente e que, embora a tradição fosse numinosa e valorosa, não devia constranger seus próprios poderes de julgamento.
O estudante devia acrescentar sua própria gemara à página sagrada, porque sem ela a linha da tradição chegaria ao fim. “Que é Torá?”, perguntava o Bavli, “Ela é: a interpretação da Torá.”62
Ao mostrar que as coisas terrenas eram vãs e vazias, o Eclesiastes revelava a futilidade de depositarmos toda nossa esperança no mundo material; exemplificava, portanto, o sentido moral da Escritura: porque nos mostrava como nos comportar, usando argumentos que não demandavam nenhum entendimento sobrenatural.
A linguagem era inerentemente falha: poucas vezes transmitimos nossos pensamentos de modo adequado para outros, e isso torna problemáticas nossas relações com as pessoas. Assim, nossa luta com a Escritura deveria nos lembrar da impossibilidade de se expressar o mistério divino na fala humana.
Agostinho havia chegado à mesma conclusão que Hillel e os rabinos. A caridade era o princípio central da Torá, e tudo mais era comentário. O que quer que Moisés tivesse escrito, seu principal objetivo era pregar o duplo mandamento: o amor a Deus e o amor ao próximo. Essa havia sido também a mensagem central de Jesus.65 Assim, se insultamos os outros em nome da Bíblia, “fazemos de Deus um mentiroso”.
Portanto, “devemos meditar sobre o que lemos, até que seja encontrada uma interpretação que tenda a estabelecer o reinado da caridade”, insistia Agostinho.
Para Agostinho, a “regra da fé” não era uma doutrina, mas o espírito do amor. O que quer que o autor tivesse pretendido originalmente, uma passagem bíblica que não fosse conducente ao amor devia ser interpretada figurativamente, porque a caridade era o princípio e o fim da Bíblia.
No Guia dos perplexos, ele afirmou que, como a verdade era una, a Escritura devia estar em harmonia com a razão.
Os humanistas haviam começado a ler tanto Paulo quanto Homero na língua original e considerado a experiência arrebatadora.
Nos Estados Unidos, os fundamentalistas protestantes haviam desenvolvido um sionismo cristão que era paradoxalmente anti-semita.
A exegese nunca poderia permanecer imutável, pois a Bíblia representava um diálogo em curso entre Deus e a humanidade.
A Bíblia não era um roteiro predeterminado. Nossas vidas diárias deviam iluminar a Bíblia, e esta por sua vez nos ajudaria a descobrir a dimensão sagrada de nossa experiência cotidiana.
Podemos ler a Bíblia hoje como um comentário profético ao nosso próprio mundo de ortodoxias furiosas; mas ela pode nos proporcionar a distância compassiva para compreender os perigos desse dogmatismo estridente e substituí-lo por um pluralismo purificado.
A Bíblia era subversiva. Essas narrativas não deviam ser usadas apenas para sustentar a ideologia do establishment, mas deveríamos expor esperanças, reivindicações e expectativas de nosso tempo à narrativa do evangelho e examiná-las, desconstruí-las e remoldá-las à sua luz.
Se uma interpretação concentrava-se somente no que o autor bíblico dizia, e ignorava o modo como gerações de judeus e cristãos a haviam compreendido, ela distorcia a significação da Bíblia.
Desde o início, os autores bíblicos se contradisseram uns aos outros, e suas visões conflitantes foram todas incluídas pelos editores no texto final.
Hans Frei estava certo: a Bíblia foi um documento subversivo, desconfiado da ortodoxia desde o tempo de Amós e Oséias.
A ênfase fundamentalista na letra reflete o ethos moderno, mas é uma ruptura com a tradição, que em geral preferiu algum tipo de interpretação figurativa ou inovadora.
Mas, tendo a Escritura sido tão flagrantemente violada dessa maneira, judeus, cristãos e muçulmanos têm o dever de estabelecer uma contranarrativa que enfatize as características benignas de suas tradições exegéticas.
A compreensão e a cooperação entre as religiões são agora essenciais para nossa sobrevivência: talvez membros das três fés monoteístas devam trabalhar juntos para estabelecer uma hermenêutica comum.
Há uma forma de “fundamentalismo secular” tão fanática, tendenciosa e inexata com relação à religião quanto qualquer fundamentalismo baseado na Bíblia em relação ao secularismo.
O lingüista Donald Davidson sustenta que “interpretar a declaração e o comportamento dos outros, mesmo seu comportamento mais aberrante, exige que encontremos neles muita verdade e razão”.3 Embora suas crenças possam ser muito diferentes das nossas, “temos de supor que o estranho é muito semelhante ao que somos”, de outro modo corremos o perigo de negar sua humanidade. “A caridade nos é imposta”, conclui Davidson. “Quer gostemos dela ou não, se quisermos entender os outros, devemos considerá-los corretos na maioria dos assuntos.”4 Na arena pública, no entanto, freqüentemente
Em vez de citar a Bíblia no intuito de denegrir homossexuais, liberais ou sacerdotisas, poderíamos lembrar a regra da fé de Agostinho: um exegeta deve sempre procurar a mais caridosa interpretação de um texto.
Em vez de usar uma passagem bíblica para apoiar a ortodoxia passada, uma hermenêutica moderna poderia ter em mente o significado original de midrash: “ir à procura de”.