— Ainda bem que nada sabem dos mortos na praça. — É o que tu pensas. Infelizmente a criada contou tudo a eles. Me fizeram perguntas sobre a morte. Mãe, por que é que a gente morre? É Deus que manda a gente morrer? Quem morre pode acordar e voltar pra cidade? O que é que esses mortos estão fazendo no coretinho da banda? — E tu? — Ora, transformei tudo numa espécie de conto de fadas. Pasteurizei a realidade. — Realidade? — repete Quintiliano baixinho, como fazendo a pergunta a si mesmo. Valentina senta-se na poltrona menor, perto do lampião, apanha um número da revista Manchete e começa a
— Ainda bem que nada sabem dos mortos na praça. — É o que tu pensas. Infelizmente a criada contou tudo a eles. Me fizeram perguntas sobre a morte. Mãe, por que é que a gente morre? É Deus que manda a gente morrer? Quem morre pode acordar e voltar pra cidade? O que é que esses mortos estão fazendo no coretinho da banda? — E tu? — Ora, transformei tudo numa espécie de conto de fadas. Pasteurizei a realidade. — Realidade? — repete Quintiliano baixinho, como fazendo a pergunta a si mesmo. Valentina senta-se na poltrona menor, perto do lampião, apanha um número da revista Manchete e começa a folheá-lo distraidamente. — Conto de fadas... — murmura o juiz de direito. — E no entanto estamos vivendo um conto de pavor. — Pensa nos contos de horror que os jornais nos fornecem todos os dias: guerras, crimes requintados, genocídio, aberrações sexuais e crueldades de toda a sorte... — Pois eu critico os romances que andas lendo, exatamente porque repetem em câmera lenta, com requintes de pormenores sórdidos, explorando-as com fins sensacionalistas, todas essas misérias humanas sobre as quais lemos diariamente nos jornais. Entre as personagens desses livros não há lugar para o homem normal, o homem comum, o homem bom, nem para os aspectos positivos e belos da vida. — Se queres discutir de novo o assunto, Quintiliano, estou pronta. Vou te provar mais uma vez que, além de conformista, és um escapista. Olhas o mundo através da tua janelinha estreita, à qual dás nomes pomposos: Tradição, Jus...
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O fecho de Valentina no marido, o juiz Quintiliano.