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Eu teria sido feliz por ter a ti como amigo, como chefe, como tio, como avô, até mesmo (embora já mais hesitante) como sogro. Mas justamente como pai tu foste demasiado forte para mim,
Seja como for, éramos tão diferentes e nessa diferença tão perigosos um para o outro, que se alguém por acaso quisesse calcular por antecipação como eu, o filho que se desenvolvia devagar, e tu, o homem feito, se comportariam um em relação ao outro, poderia supor que tu simplesmente me esmagarias sob os pés, a ponto de não sobrar nada de mim.
Eu magro, fraco, franzino, tu forte, grande, possante. Já na cabine eu me sentia miserável e na realidade não apenas diante de ti, mas diante do mundo inteiro, pois para mim tu eras a medida de todas as coisas.
Tu assumias para mim o caráter enigmático que todos os tiranos possuíam, cujo direito está fundado sobre sua pessoa e não sobre o pensamento. Pelo menos era assim que me parecia.
Isso dizia respeito tanto a pensamentos quanto a pessoas. Bastava que eu manifestasse um pouco de interesse por alguém – o que aliás não acontecia com frequência por causa do meu jeito de ser – para que tu, sem qualquer respeito pelo meu sentimento e sem consideração pelo meu veredicto, interviesses logo com insulto, calúnia e humilhação.
A impossibilidade da relação tranquila teve uma outra consequência, muito natural no fundo: eu desaprendi a falar.
Por todos os lados eu acabava culpado sob teus olhos.
O resultado visível mais imediato de toda essa educação foi que fugi de tudo aquilo que, mesmo a distância, me lembrasse de ti.
Era uma criança tão morosa, cansada, medrosa, desanimada, consciente de sua culpa, humilde ao extremo, malvada, preguiçosa, voraz e sovina, que eu mal podia olhar para ela, dirigir-lhe a palavra, de tanto que ela me fazia lembrar de mim mesmo, de tanto que se submetia, de um jeito similar ao meu, ao jugo da educação.
A sovinice é, sem dúvida, um dos sinais mais confiáveis de infelicidade profunda;
Por ora basta recordar coisas ditas anteriormente: eu perdi a autoconfiança diante de ti, que foi substituída por uma consciência de culpa ilimitada.