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by
Franz Kafka
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September 1 - October 17, 2023
Mas justamente como pai tu foste demasiado forte para mim, sobretudo porque meus irmãos morreram ainda pequenos,[10] minhas irmãs só vieram muito depois e eu tive, portanto, de suportar por inteiro e sozinho o primeiro golpe, e para isso eu era fraco demais.
Da tua poltrona, tu regias o mundo. Tua opinião era certa, qualquer outra era disparatada, extravagante, meschugge, anormal. E tua autoconfiança era tão grande que tu não precisavas de maneira alguma ser consequente e mesmo assim não deixavas de ter razão.
Bastava a gente estar feliz com alguma coisa, sentir-se realizado com ela, chegar em casa e expressá-la, para que a resposta fosse um suspiro irônico, um sacudir negativamente a cabeça,
tu precisavas causar essas decepções à criança, sempre e por uma questão de princípio, graças ao teu ser contraditório, e, mais ainda, que essa contradição se fortalecia sem cessar pela acumulação de material, de tal forma que no fim ela acabava se impondo até como costume, mesmo que às vezes tu tivesses opinião igual à minha,
quando a tua oposição podia ser meramente presumida; e ela podia sem dúvida ser presumida em quase tudo o que eu fazia.
Para mim sempre foi incompreensível tua falta total de sensibilidade em relação à dor e à vergonha que podias me infligir com palavras e veredictos; era como se tu não tivesses a menor noção da tua força.
Por favor, pai, me entenda bem, esses pormenores teriam sido totalmente insignificantes em si; eles só me oprimiam porque o homem que de maneira tão grandiosa era a medida de todas as coisas não atendia ele mesmo aos mandamentos que me impunha.
Quanto mais velho ficava, tanto maior era o material que tu podias levantar como prova da minha falta de valor; aos poucos passaste a ter, de certa maneira, razão de fato.
A gente se tornava uma criança rabugenta, desatenta, desobediente, sempre pensando em uma fuga, na maior parte das vezes em uma fuga interior.
Por todos os lados eu acabava culpado sob teus olhos.
Tu te equivocas por inteiro se acreditas que, por amor e fidelidade, eu faço tudo pelos outros e, por frieza e traição, não faço nada por ti e pela família.
Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito.