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Kindle Notes & Highlights
Se eu cheguei inteira, não foi por ter coragem, mas por nunca ter deixado de ter medo. Acho que nem é possível sentir a coragem. Ela está na esteira do barco, está no caminho que a gente já fez. Ela é o reconhecimento que o presente dá pro passado. Coragem foi seguir em frente, mesmo quando a razão trazia novos motivos para desistir.
Protegi meu sonho do medo dos outros porque eu já tinha medo demais, o bastante para desistir.
Será preciso aceitar que o barco nunca estará pronto. Nem eu. E que jamais terei certeza de que saberei fazer um caminho que nunca fiz. Tomo consciência de que meu projeto é protegido pela minha ingenuidade: certamente estou subestimando as dificuldades que encontrarei.
Deixo à mostra a bandeira vermelha com a cruz azul. Ela me lembra que viemos de mais longe, que nenhuma desculpa nos impediu de tentar, que nenhuma dificuldade nos impediu de chegar.
Como um pirata, a solidão invadiu o barco e ameaça não ir embora. Investigo minha nova tripulante e espero que ela não ocupe tanto espaço.
Difícil explicar o que faz alguém escolher se expor à agonia de sentir fome com um almoço no colo. Sentir frio a poucos passos de um casaco. Sentir sono ao lado da própria cama. Não sei dizer por que fiz tantas renúncias para estar aqui, onde sou mera passageira dos movimentos do planeta, onde sinto tanto medo, tanta aflição, para conseguir tão poucos momentos de contentamento.
Peço paciência aos meus pensamentos. “Depois conversamos, agora vamos terminar isso.”
Sinto que estou vivendo uma vida paralela. Aqui, o relógio não serve para definir o tempo. Cada milha tem seu próprio tamanho, sua própria personalidade. Os grandes problemas são concretos e temporários. Cada pedacinho do meu corpo é ativo, útil e poderoso. E as fronteiras só existem nos mapas.
“Liberdade é assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas”,
São 360 rumos possíveis. Posso ir daqui para qualquer lugar da Terra onde chega o mar. E se eu andar um metro para fora desse barco, morro. Minha vida está condensada numa célula flutuante. Como pode tanta liberdade e tanta renúncia caberem num espaço tão pequeno?
Estou certa de que a distância esclarece vínculos. A falta é geradora de novos caminhos. A solidão é amiga da saudade. E a dor também é mãe do crescimento. Hoje eu cruzo a fronteira entre os hemisférios. Eu vim para cá para juntar minhas metades.
Por que saí de tão longe pra voltar para o lugar de onde vim?
É preciso ir longe, pelo menos uma vez na vida, para descobrir o prazer de estar de volta. Para separar o supérfluo do essencial, saber quem são as pessoas que nos fazem falta. É preciso completar a travessia para descobrir que o sentido de toda viagem está no ponto de partida.
Poucas vezes na vida temos a chance de ver as pessoas que mais amamos reunidas por nossa causa.
Aproveitei o mau tempo saindo todos os dias para aprender a navegar em mar ruim.

