From the Bookshelf of Sword & Sorcery: "An earthier sort of fantasy"…

A. Merritt foi um repórter e depois editor de um jornal dominical nas décadas de 1910 a 1940 que nas horas vagas escrevia romances e contos fantásticos para revistas pulp. Ele foi bastante bem sucedido na época e influenciou H.P. Lovecraft, de quebra era um dos autores favoritos do Gygax. Existem três livros dele no apêndice N assim como a indicação et al de que toda sua obra é recomendada, além disso, o parágrafo final do apêndice descreve o autor com uma das “influências imediatas ao AD&D q

A. Merritt foi um repórter e depois editor de um jornal dominical nas décadas de 1910 a 1940 que nas horas vagas escrevia romances e contos fantásticos para revistas pulp. Ele foi bastante bem sucedido na época e influenciou H.P. Lovecraft, de quebra era um dos autores favoritos do Gygax. Existem três livros dele no apêndice N assim como a indicação et al de que toda sua obra é recomendada, além disso, o parágrafo final do apêndice descreve o autor com uma das “influências imediatas ao AD&D que ajudaram a moldar a forma do jogo”, junto com Camp & Pratt, R. E. Howard, Fritz Leiber, Jack Vance e H. P. Lovecraft. 

  The Moon Pool  (“O lago lunar” numa tradução livre) reúne vários elementos que me atraem. É um relato “real” de um sobrevivente de uma expedição fatídica (com direito a notas de rodapé da Associação Internacional de Ciência), explora os temas mundo perdido e terra oca e apresenta um cenário complexo com diferentes povos e peculiaridades. De certa forma lembra um pouco os livros de Julio Verne, com exploradores desbravando os limites do mundo conhecido, só que com elementos fantásticos junto às tecnologias estranhas.

  O botânico renomado  Walter T. Goodwin é o narrador da história em sua busca os membros de uma expedição às ruínas de uma antiga civilização no pacífico sul que incluía seu amigo e colega cientista David Throckmartin. Ele é um homem de ciência, extremamente pragmático, tenta a todo momento encontrar explicações lógicas para o sobrenatural. Ele descobre que o desaparecimento está relacionado a uma estranha criatura amorfa feita de luz, incrivelmente bela e ao mesmo tempo assustadora e a um portal que leva a um mundo subterrâneo.

  Depois de conseguir os equipamentos necessários para abrir o portal, ele freta um navio para uma ilha na polinésia e vai no caminho angariando outros integrantes para seu grupo de aventureiros. Uma nota interessante é que o capitão do navio é um português tagarela chamado Da Costa que faz um bom café forte e comanda uma tripulação heterogênea. Por um breve momento fiquei animado com a possibilidade de ver um navegador herdeiro dos Lusíadas como membro do grupo. Infelizmente ele fica em seu navio, mas pelo menos temos provavelmente a origem do uso corriqueiro do nome “Da Costa” para se referir a qualquer personagem português ou brasileiro tanto usado na literatura, cinema e quadrinhos.

  O primeiro membro novo membro de fato da expedição é Olaf Huldricksson, um norueguês gigante como os antigos vikings que é encontrado sozinho em seu barco onde se amarrou ao leme para conseguir ficar vários dias acordado quando perseguia o “demônio brilhante” (sparkling devil) que levou sua esposa e filha. Como se sente abandonado por Cristo, ele se volta para Odin e Thor, e, na verdade, em algum momento do livro consegue um grande martelo de guerra em homenagem ao seu novo patrono. Ele é certamente o guerreiro do grupo.

  Logo depois descobrem os destroços de um pequeno hidroplano numa rocha no meio do oceano com seu aviador calmamente fumando um cigarro entre as altas ondas. Esse é Larry O'Keefe, parte americano, parte irlandês e membro da Royal Flying Corps da marinha britânica. Ele é extremamente supersticioso, mas somente com relação a leprechaus, banshees e outras criaturas do folclore irlandês, desdenhando de todo o resto. Um galanteador e canalha, consegue virar o interesse romântico das duas belas mulheres da história.

  Por fim, encontram o cientista (e espião) russo Marakinoff, também interessado no portal para o mundo subterrâneo, e seus segredos que podem ajudar seu país no “experimento para libertar o mundo” das nações capitalistas. O livro foi escrito por um americano em 1919, então ele é representado de forma bem negativa e estereotipada, mas ainda sim é um bom personagem.

   Eles atravessam o portal que só pode ser aberto com a luz da lua (alguém lembra de algum mapa famoso que também só pode ser lido nessa circunstância? Cof, Tolkien, cof) e descobrem um complexo mundo subterrâneo, com civilizações perdidas, super ciência, estranhas vegetações, mares submersos, tudo iluminado por uma tênue luz emanada de algumas rochas e plantas. O mundo é habitado por anões vermelhos, batráquios humanoides e  duas belas mulheres angelicais/infernais, cada um representando uma das religiões predominantes. Yolara, sacerdotisa do Ser Brilhante (The Shinning One), também conhecido como o Morador (The Dweller)   e Lakla, aia dos Seres Silenciosos (The Handmaid of The Silent Ones).

  Alguns elementos interessantes: a Lua fazia parte da terra e em algum momento foi arrancada para o espaço, e o mundo subterrâneo é justamente nesse vazio deixado pela sua saida. Existe a todo momento uma dualidade em que a criatura brilhante, o Morador, que causa todos os problemas é ao mesmo tempo bela e terrível, inferno e paraíso. Ela foi uma criação de uma raça ancestral avançada, que dominava a tecnologia da luz, para servir como uma espécie de vigia no mundo superior, mas ganhou consciência e não aceitava mais essa submissão. Os últimos seres dessa raça ancestral são praticamente estátuas de mármore vivas, veneradas como deuses, que não conseguem destruir a própria criação rebelde pois de alguma forma ainda a amam. Aliais, o poder do amor acaba desempenhando um papel importante no desfecho da trama, que como várias aventuras, começa como uma simples exploração mas acaba com uma demanda para salvar o mundo (no caso os dois mundos) da destruição.

  Indo para os jogos, é fácil ver que esse livro influenciou bastante o conceito do Underdark, toda essa ideia de existir um segundo cenário de aventuras, cheio de raças e civilizações deve ter vindo daqui. Os homens-sapos gigantes se parecem bastante com os Kuo-toa, um povo-peixe criado justamente na série de módulos que apresenta toda essa mitologia subterrânea do D&D (drows, duegars e svirfneblin). Compare-os com a imagem da capa do livro, ambos habitam o subterrâneo, são enormes e possuem dedos cobertos de membranas. Os anões vermelhos do livro também podem ser encarados como uma variante maligna dos anões tradicionais. Além disso, temos também vegetações perigosas, dragões parecidos com vermes purpuras, mantos de invisibilidade, não posso deixar de notar que a sacerdotisa de um deus maligno como vilã é quase um estereótipo pronto.

Tenho porém de fazer um adendo importante. Diversos livros do Apêndice N têm problemas representação feminina e racial, esse porém vai um passo além, tratando os nativos como inferiores e enaltecendo o homem branco. Não me venham justificar que ele era um homem de seu tempo, já li vários autores anteriores a ele como Julio Verne e Arthur Conan Doyle e não tive esse gosto amargo na leitura, vou dizer que foi difícil passar dos primeiros capítulos antes deles entrarem no mundo perdido. Não estou falando para cancelar o autor ou algo do gênero (até porque esse é um autor que já está na obscuridade, e nunca saiu em português) mas se você não tiver interesse claro pela origem do D&D, certamente existem opções melhores para gastar seu bolso.