From the Bookshelf of Sword & Sorcery: "An earthier sort of fantasy"…

Edward Plunkett parece um personagem de RPG. Voluntário na primeira guerra, caçador, professor em Atenas, campeão de tiro e de xadrez (sendo nerd a ponto de criar uma variação do jogo) e, claro, escritor. Nascido em 1872, o irlandês virou Lorde Dunsany quando assumiu o título de barão, vivendo em um castelo construído no século XII.

Este é mais um dos autores citados apenas pelo nome no Apêndice N, então não sabemos com certeza quais de seus livros foram lidos por Gygax, então escolhi seu livro m

Edward Plunkett parece um personagem de RPG. Voluntário na primeira guerra, caçador, professor em Atenas, campeão de tiro e de xadrez (sendo nerd a ponto de criar uma variação do jogo) e, claro, escritor. Nascido em 1872, o irlandês virou Lorde Dunsany quando assumiu o título de barão, vivendo em um castelo construído no século XII.

Este é mais um dos autores citados apenas pelo nome no Apêndice N, então não sabemos com certeza quais de seus livros foram lidos por Gygax, então escolhi seu livro mais famoso. Porém, para além da influência direta, diversos autores do Apêndice beberam dessa fonte, entre eles, Tolkien, Lovecraft, Howard, Moorcook e Vance. É então um autor fundamental para qualquer fã do gênero.

The King of Elfland’s Daughter (A filha do rei das Terras-élficas, numa tradução livre) foi lançado em 1924, 30 anos antes de O Hobbit, numa época em que a fantasia era encontrada basicamente nos contos de fadas. Não é um livro para quem procura cenas de ação e combates épicos, ele segue um ritmo lento, acompanhando separadamente cada personagem com as histórias se cruzando.

A trama inicial é bem simplória, no reino medieval de Erl, em algum lugar da Inglaterra, o conselho de anciões comunica ao monarca seu desejo de ser regido por um lorde mágico. Para atender a este pedido incomum, o rei manda seu filho Alveric para as Terras-élficas em busca da donzela Lirazel.

Os dois fogem para as “terras humanas”, onde têm o filho Orion, e vivem felizes por longos anos até que a saudade e a dificuldade de ser adaptar aos costumes cristãos tornam-se grandes demais para Lizarel, e, induzida por uma runa de poder se seu pai, ela volta para a terra natal. Mas como a grama sempre é mais verde do outro lado da cerca, ela descobre que também não consegue ser feliz sem seu filho e marido.

O reino élfico é vizinho à Erl, basta atravessar as fronteiras do crepúsculo chegar numa terra de assombro e encantamento, cheia de criaturas fantásticas, onde o tempo passa mais devagar. Os aldeões porém a evitam instintivamente, sequer conseguem olhar na sua direção. Então quando Alveric busca companheiros para a demanda de resgatar sua esposa, somente sonhadores, loucos e desiludidos decidem acompanhá-lo, formando um grupo incomum de aventureiros. Mas nem tudo é tão simples, o rei dos elfos consegue sentir a sua presença e pode mover essa fronteira sempre um pouco mais distante.

Enquanto isso, Orion se torna o novo regente e passa boa parte do tempo caçando, ficando inclusive obcecado por unicórnios, algo que não se espera encontrar em contos de fadas. Não demora muito para seu sangue mágico atrair todo tipo de criatura mágica para o pacato reino de Erl, cumprindo desejo do conselho de anciões, para desespero deles mesmos que não esperavam estar rodeados de trolls, goblins e outras criaturas misteriosas à espreita. Cuidado com o que deseja!

Outro personagem que tem destaque é o troll Luluru, inicialmente o mensageiro que percorre os dois reinos. Existe um capítulo inteiro dele observando e maravilhando-se com a mutabilidade do reino humano. Para quem está acostumado a viver num mundo estático, a simples passagem do tempo é um tipo de magia inacreditável. Escrito por outro autor, esse provavelmente seria uma trecho dispensável, mas aqui que vemos a riqueza da prosa do Dunsany, é incrível lembrar que nossas próprias vidas também podem ser maravilhosas, se somente prestarmos atenção.

A grande força do livro está justamente na escrita em si. Correndo o risco de mutilar a obra com minha parca tradução aqui vai um pequeno trecho de quando o rei tenta fazer sua filha se lembrar do alumbramento das Terras-élficas:

“E então da quietude vieram pequenos murmúrios de saudade, sons menores como lembranças que canção alguma poderia expressar, soando como as vozes das lágrimas se cada pequena gota de sal vivesse e tivesse voz para recitar os caminhos da mágoa. Todos esses pequenos rumores então dançaram solenemente na melodia que o mestre das Terras-élficas convocou com sua mão mágica.”

O som das lágrimas se elas de alguma forma pudessem expressar sua tristeza... realmente uma imagem incrível e o estilo do autor está repleto dessa inigualável poesia em prosa. Mais do que qualquer outro livro que li do Apêndice a jornada é muito mais importante que o destino. A história se desenrola de forma lenta e cada parágrafo deve ser degustado, até o felizes para sempre...

Apesar de ser um livro de fantasia pura com espadas mágicas, bruxas, elfos, trolls e unicórnios, sua influência nos jogos é mais sutil, essa não é uma história que poderia se transformar num módulo de RPG, por exemplo. Sabemos que a magia do D&D veio de Jack Vance e suas fórmulas mágicas que se encaixaram perfeitamente à um sistema de regras, enquanto a magia de Dunsany é misteriosa e intangível, se recusa a ser classificada, ainda assim, no livro o rei élfico possui três grandes runas de poder para a proteção de seu reino, que só podem ser usadas uma vez, talvez gerando os pergaminhos mágicos cujas letras somem após o uso.

Entre as criaturas fantásticas, o primeiro guardião das Terras-élficas são pinheiros cheios de gavinhas que tentam estrangular Alveric, e possivelmente inspirando algumas das inúmeras vegetações hostis que habitam o Monster Manual. O livro tem também Will-o’-the-wisps (fogos-fátuos) atraindo com sua luz incautos para as áreas perigosas do pântano. 

Três notas para fechar:

O livro foi lançado recentemente no Brasil pela editora Wish como “A filha do rei de Elfland”. Não tivesse acesso a essa versão então não posso dar mais detalhes.

Em 1977 foi lançado um álbum baseado na obra, com Christopher Lee como Rei das Terras-élficas e narrador. Ele alterna a leitura de trechos do livro com interpretações rock/pop das cenas mais importantes da história. Encontrei algumas músicas no youtube e adorei. É uma interpretação diferente e pessoal do livro, mas consigo imaginar que ficaria excelente se filmassem como algo parecido com “Tommy” do The Who.

Neil Gailman foi bastante influenciado por esta obra quando criou Stardust (O mistério da estrela) e inclusive escreve a introdução da versão que li, declarando todo seu amor e gratidão. Ele termina dizendo “Então confie neste livro. Confie na poesia e na estranheza e na magia de sua pena e beba-o lentamente. E, por um pequeno momento, talvez você, também, seja governado, como desejavam os homens de Erl, por um lorde mágico.”