A fada perdeu as asas numa aposta com o pardal azul. Se a sua sorte fosse outra, teria ganho um bule. Um bule mágico, não menos. Daqueles que faz um chá muito diferente de qualquer outro que já bebemos.Mas o pardal enganou a fada, porque a aposta era desigual, uma vez que ele nunca perderia nada. É que o bule nem era dele, e tudo o que ele tinha era apenas um cantil que, na verdade, não passava de um frasco de vidro com o fundo partido, o que tornava ainda mais habilidoso o ardil.A aposta ficou apenas entre os dois e não voltou a ser mencionada depois.A fada procurou em livros mágicos por um feitiço que desfizesses todas as apostas que resultam em destinos trágicos. Eram livros escritos com tinta invisível que guardava os segredos do impossível. A fada queria as suas asas de volta às costas e prometeu a si mesma que, se isso acontecesse, se deixaria de apostas.O pardal chamou o irmão para o ajudar a levar os livros mágicos para longe, muito acima do chão. Lá em cima, muito acima das nuvens flutuantes, a fada não poderia alcançar os livros porque, sem asas, ficar-lhe-iam sempre distantes.A fada pediu ajuda ao aranhiço tecelão, para que ele tecesse uma teia que prendesse o livro com o melhor feitiço e os pardais não conseguissem afastá-lo muito do chão. O aranhiço atendeu ao seu apelo e a fada protegeu o livro que tinha o melhor feitiço. Era uma poção que tinha de ser mexida com colher de prata e temperada com suspiro de um cogumelo.O pardal não tinha feito por mal. Enganou a fada, mas tinha uma boa razão. Para ele, não queria nada pois as asas eram para o irmão. Um pardal sem asas ao nascer perde logo a maior razão de viver. Para o irmão poder voar, o pardal viu-se forçado a apostar.A poção da fada, por uma ironia quase engraçada, era um chá do melhor que há. E o pior era que precisava do bule que deixara escapar na aposta que perdera com o pardal azul. Chamou o pardal e desafiou-o a aceitar a última aposta que ela alguma vez faria. A fada já não tinha asas para apostar e, como não tinha o que mais arriscar, apostou a sua magia. Disse que só precisaria que o pardal lhe emprestasse o bule encantado para o desafio ser validado.O pardal escutou com atenção e não encontrou nenhum senão. Não possuía o bule, e não… só tinha a ganhar e nada perdia. Mostrou o frasco de vidro com o fundo partido e disse que era o bule mágico que fazia o chá impossível de igualar apesar de parecer apenas um frasco vulgar.A aposta voltou a ser um segredo para mais ninguém conhecer, e quem ganhou e perdeu foi a única coisa que se chegou a saber.A fada esboçou um sorriso e fez aquilo que era preciso. Leu o feitiço da tinta invisível em tom seguro e audível.“O chá desfaz a decisão má. O chá que se bebe. O cogumelo suspira pelas folhas secas amolecidas na humidade para além do prado separado da floresta pela fronteira da sebe. A colher de prata mexe tudo, sem tilintar, sem enjoar no rodopiar do chá que será bebido por um paladar sortudo. O chá desfaz a decisão má. O que faz o bule ter magia é o chá que dentro dele rodopia nas voltas da colher, e o chá pode fazer-se até dentro de um frasco qualquer. O segredo está em quem o bebe de consciência leve. O bule é a vontade de quem persiste pois o bule, o bule, esse, não existe.”A fada bebeu o chá e desfez a decisão má. Recuperou as asas e manteve a magia ao vencer a última aposta que alguma vez faria. Partilhou o feitiço com o pardal para que ele pudesse fazer um chá igual, porque o chá também tinha o poder de anular o azar de pardais desprovidos de asas ao nascer.O pardal azul, para dar novas asas ao irmão, acreditou na sua determinação e fez dessa vontade o bule.
Published on May 01, 2013 15:15
Adorava ver esta história em páginas coloridas nas mãos de uma criança :)