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320 pages, Hardcover
First published January 1, 2002
A nobreza e os pobres têm muito em comum mas não sabem.
Aos seis anos a pequena começara a trabalhar nos bandos das mennularas. Era uma das mais novas, mas nenhuma era tão boa como ela: rabalhava com concentração e afinco, pronta a ajudar as outras e a aprender. Os seus dedinhos não perdiam uma amêndoa, uma azeitona, um pistácio, como se as pontas dos dedos tivessem olhos. Descobria-os entre os torrões de terra dura, no meio das pedras, nas ravinas. Onde passavam aqueles minúsculos dedos não ficava baga ou fruto para recolher, nem no chão nem nos ramos; sem medo, trepava às árvores altas para arrancar as amêndoas mais difíceis, as que não queriam cair com as pancadas das varas.
Depois da morte do pai, com a idade de oito anos, era ela que mantinha a mãe e a irmã. Não havia trabalho que não aceitasse, fosse onde fosse e por qualquer remuneração, desde que pudesse voltar para casa à noite. Os seus dedos pareciam patas de aranha, tão magros e veloses eram a apanhar amêndoas, como se tecessem uma teia sobre a terra. Foi então que lhe puseram o apelido de «Mennulara», que lhe ficou para sempre.
Este não é um verdadeiro testamento porque vos dei tudo aquilo que vos pertencia e não tenho nada de vosso a dar-vos, mas peço-vos que façam como vos digo pela última vez e só terão a ganhar. Quero um funeral em Roccacolomba sem procissão de orfãozinhos ou de freiras e todos os Alfallipe devem estar presentes, porque o mereço. Serei sepultada no túmulo que comprei em frente do da vossa familia, como deve ser para a criada que sou da casa Alfallipe. Quero a minha fotografia e as palavras: Aqui jaz Maria Rosalia Inzerilla, dita a Mennulara, que entrou aos treze anos na casa Alfallipe e a serviu e protegeu como honesta empregada da casa até a sua morte.(...)Quero que ponham já um anúncio no Giornale di Sicilia tal como aqui escrevo, palavra por palavra(...).Não informem os meus sobrinhos. Não os quero no meu funeral. A alma a Deus e as coisas a quem pertencerem.
A minha mãe ensinava-me que somos todos iguais, eu, o senhor e a rainha, só que o senhor faz de padre, a rainha faz de rainha no seu palácio, e eu faço de criada na casa Alfallipe. Se fizermos o nosso dever, conquistamos o respeito dos outros. Deus tem o seu dever, como todos. Deve pensar em nós, ajudar os bons e punir os maus. Eu não gosto de Deus, o seu dever era não deixar faltar o pão nem os medicamentos aos meus pais, que morreram, e à minha irmā Addoloratina, que ainda está doente, e não o fez. Não foi justo comigo e as injustiças pagam-se, mais tarde ou mais cedo. Se não cumpre o seu dever, não merece as minhas orações.
Iniciou a missa, como sempre a toda a velocidade. No momento da homilia encostou-se ao púlpito e falou livremente e sem dificuldade: «É sempre dificil falar dos mortos. Às vezes tento dizer as palavras de que o falecido teria gostado, às vezes as que a família quereria ouvir... poucas vezes me aconteceu dizer aquilo que eu quero. Para Maria Rosalia Inzerillo direi o que me apetece a mim dizer, porque a conhecia desde os doze anos e gostava dela como de uma filha. Ao crescer, tornou-se uma verdadeira amiga. Conhecia bem a Mennulara, como era chamada pelos conterrâneos como insulto, a Mennù da casa Alfallipe. Trabalhou toda a vida como uma besta. Desconhecia o repouso, criatura inquieta no corpo e na alma, procurava sempre fazer mais e melhor. Tinha um feitio difícil e agreste, ria raramente mas tinha um sentido de humor próprio. Dedicou a vida aos Alfallipe e fez por eles o que considerava justo. Tinha poucos amigos, embora como agora vejo tanta gente, talvez tivesse mais do que julgava. Também tinha inimigos: não perdoava facilmente e era teimosa como nenhuma outra. Esse pecado Deus lhe perdoará porque sofreu muito desde criança, quando apanhava amêndoas no campo...»
«Sabemos pouco ou nada dela e pronto»(...) O facto é que era boa no seu trabalho e gostava de mandar, e daí nasceram os problemas de todos. Os patrões gostam de ter bons empregados, mas não gostam de ser mandados. Se lhe tivessem dado ouvidos, seriam ainda mais ricos, mas nós continuamos sempre pobres e ultrajados, mesmo depois de mortos.»