Em Carrasco, lugarzinho perdido no sertão cearense, Cícero passa a infância à espera. A mãe, Aneci, trabalha como empregada doméstica na capital e volta apenas uma vez por ano, sempre em dezembro, para a terra que tanto a machucou e para o filho. E são nesses poucos dias que o garoto deságua em amor.
No restante do ano, Cícero aprisiona a saudade. E cultiva o sonho de ir. Ir embora com a mãe. Ir embora encontrar a mãe.
É só ao lado de Luzimar, vizinho e amigo, que a dor aquieta. Dois pares de pernas que correm Carrasco de ponta a ponta e desembocam na beira daquele rio que tudo leva, menos a saudade. Essa fica represada, à espera do próximo ano-novo.
Até que Aneci deixa de voltar.
Enquanto a espera se prolonga após dezembros de ausência, Cícero e Luzimar se descobrem homens ao se encontrarem um no outro. Mas ser homem nestas terras ― e nestas águas ― também significa saber escolher bem suas armas…
E a correnteza desse rio ainda tem muito passado para contar.
Há livros que nos tocam de uma maneira tão peculiar que se tornam imensamente queridos. É o caso de O rio que me corta por dentro que nos conta uma história aparentemente banal, já imensas vezes repetidas quanto ao amor e à vingança, mas que são necessárias, pois cada uma delas traz em si realidades ignoradas, muitas vezes execradas por conta de preconceitos e são essas histórias que, ao nos tocar no que de mais humano temos, a consciência, a capacidade de refletir, levam-nos a pensar e repensar a vida, ela mesma, na busca de ver o mundo com olhos mais transparentes, para afastar tanto ódio e tornarmo-nos mais abertos para compreender o outro, em constantes exercícios de alteridade.
Essa é a história de Cícero cuja mãe, Aneci, largou para trás a vida no sertão cearense e foi embora para a capital procurar uma vida melhor. Lá engravida, mas resolve deixar o seu filho para os avós criarem, para poder ter melhores oportunidades. É assim que Cícero cresce, sempre aguardando a mãe vir para o natal e, enquanto isso, passa os dias em brincadeiras com o melhor amigo, Luzimar. Mas também tem curiosidade de aprender, e sua professora, a travesti Toin, percebe o potencial do menino, incentiva-o cada vez mais.
O tempo passa, a adolesência chega, Aneci não volta mais e nem dá notícias. No entanto, Cícero e Luzimar, num certo dia, se estranham. Não porque criam inimizade um com o outro. Mas descobrem que guardam sentimentos um pelo outro que são maiores ainda do que a amizade.
Há muita história ainda por contar nesse pequeno livro, que é imenso naquilo que nos traz em sentimentos. E o que eu mais admiro na escrita de Raul Damasceno é fazer isso que tantos artistas e criadores nodertinos fazem, que é falar tanto com poucas palavras. Fez-me pensar em Romeu e Julieta e Hamlet de Shakespeare, assim como também em Abril despedaçado o livro de Ismail Kadaré e o filme que nele se baseia, de Walter Salles. Mas também me fez pensar no belo filme de Karim Aïnouz, O céu de Suely.
É também preciso destacar o processo de auto-descoberta dos dois meninos, que em um meio onde todos os preconceitos são possíveis, descobrem a capacidade de amar, mas também precisam descobrir a capacidade de viver o amor!
Zumira, a avó, ah! que senhora arretada 😊 Se fica um pouco à sombra durante parte do livro, a parte final a traz em apoteose! Cada frase é precisa!
Cícero e Luzimar e Zumira vivem aqui dentro do coração ❤️
E, por fim, a escrita de Raul Damasceno, não apenas o narrar da história, mas a sua procura por seu estilo próprio, é outro ponto a se destacar nesse momento em que a literatura brasileira procura se desentranhar de eixos. Parabéns!
vou fazer essa resenha de um jeito diferente. vou contar uma lembrança da minha infância.
quando eu era mais nova, gostava de assistir todos os desenhos que passavam na tv: dora, a aventureira, a turma do bairro, digimon, barney. acho que isso moldou minha cabeça fantasiosa muito antes de eu perceber. existia uma coisa única em tomar meu danoninho e ligar a tv toda manhã. as crianças dos anos 2000 vão entender. eu acreditava em tudo. acreditava também, todos os dias, que minha mãe sempre voltava. passava o dia inteiro vendo desenho pra encontrá-la no final da noite.
tive sorte. minha mãe sempre voltou. sempre vinha me buscar, onde quer que eu estivesse. e até hoje é um pouco assim. existe algo para além da vida em saber que minha mãe me buscaria até o fim do mundo se pudesse, mesmo eu tendo 27 anos.
e a história desse livro me pega justamente por isso. nasce da esperança de cícero de que sua mãe sempre volte. existe algo entre as mães nordestinas… uma obstinação de dar o melhor pro filho enquanto não voltam pra casa. pra ele, é como se a força da vida fosse o carinho e a reciprocidade da mãe, que se tornou ausente por causa do trabalho. e por isso cícero se agarra tanto ao amigo de infância, luzimar. nem preciso dizer que dois meninos que sonham juntos, convivem demais, acabam se gostando tanto.
essa história se passa no interior. numa realidade que não é fácil. ser lgbt já não é fácil, e nesse contexto é assustador, perigoso, uma vivência difícil e dolorida. senti todas as dores o tempo inteiro.
esse livro não é sobre a sorte que falei lá em cima. é sobre uma esperança que nós, crianças encantadas com a força das nossas mães, sentimos e que talvez ninguém entenda. pra cícero era tão óbvio que sua mãe ia voltar. e como a ausência dela machucava. mas, ainda assim, parecia ter um propósito. entender esse processo é difícil. perceber que cícero nunca esteve sozinho, mas esteve bem de outras formas. ele precisava de luzimar porque ele era o rio que levava cícero pra melhor das nascentes, mesmo quando ele achava que esse amor maluco desaguaria num mar violento. amo como esses dois se descobrem na dor e na confusão. ser lgbt é assim, na maioria das vezes, muito confuso.
esse é, com certeza, um dos meus nacionais favoritos. e, além disso, um dos meus livros favoritos também. sinto tantas coisas com ele. mas, acima de tudo, sinto um achado potente. encontrei esse livro em 2023, sem imaginar que ele reencontraria o mundo em 2025. que bom que reencontrou. que bom que outras pessoas também puderam ver nessa história o que eu e tantos outros vimos lá atrás.
Não é preciso dizer muito, quando se tem uma review bonita e completa como a do querido Márcio aqui, https://www.goodreads.com/review/show... mas, em pequeno complemento a ela, o livro de Raul Damasceno conta a história da liberdade de cada um de ser aquilo que se é, de praticar aquilo que se deseja e de viver não de acordo com o balanço do rio, e sim, da oportunidade da escolha. É, também, um livrinho sobre as muitas dores que nos atravessa ou àqueles a quem gostamos.
Ambientada no sertão brasileiro, a vida dos poucos personagens da obra é como este: com muito espaço para a dor e pouco espaço para o direito, para a humanidade e para o perdão. Em um misto de conflito daqueles que tiveram que partir Fortaleza à dentro e entre aqueles que ficaram, o escritor narra em especial a vida de Cícero e Zumira, que ficam e de Aneci e Toin, que partem; as últimas vítimas do preconceito, do machismo e da violência tão à espreita em terra que a lei é a morte à diversidade, já os primeiros ficam à espera de uma promessa, na confiança e no amor por quem devotam.
Com uma saga familiar que perpassa por diversas etapas da vida dos personagens, o passado e o presente se entrelaçam na obra em um futuro imprevisível, mas não mais dolorido, onde a violência do passado é suplantado pela liberdade do futuro, tal qual o Brasil de hoje. Desde a amizade de Cícero e Luzimar, até a descoberta do amor, desde o reconhecimento e pertencimento de Toin, até a vingança de Aneci, o escritor conta a história que já foi muito contada, das dores muito vividas e das injustiças sempre injustificadas, mas o faz de uma forma tão bonita e inocente, que não há como não ficar contente em lê-la, apesar de toda crueldade que a ronda, portanto, a mim, uma ótima leitura e descoberta.
Um misto de emoções impregna esta história. Gostei bastante dos personagens (Zumira rainha!), apesar de ficar frustrado com a falta de visão de Cícero, que não pensa antes de agir. Foi bom ler uma história com personagens LGBT que, por mais que tenha drama e violência, tem também (leve spoiler) um final relativamente otimista, embora não seja exatamente feliz. A minha maior crítica não é quanto à história ou à prosa ou aos personagens, mas sim ao texto: o meu eBook tinha vários erros de gramática e de ortografia. Mais uma leva de revisões teria beneficiado o produto final.
quem diria que, depois de praticamente desistir das minhas leituras esse ano, eu encontraria um dos melhores livros da minha vida. e foi de repente, vi alguém postar no instagram e decidi ler (já que era curtinho).
agora que terminei, preciso espalhar cícero e luzimar por aí. que história LINDA, sensível e bem escrita. quero GRITAR.
tem tanta coisa que eu queria comentar, as falas entre os dois, a relação entre as famílias, o sotaque cearense 100% ON POINT. ai… leiam.
Livro lindo que explora situações e sentimentos universais a partir de uma realidade bastante particular, a dos moradores de uma pequena cidade do Ceará. Sem nunca ter botado pé no sertão, me senti imediatamente transportada para a pequena Carrasco, com todas suas belezas e mazelas. E, acima de tudo, me senti extremamente ligada à história de Cícero, repleta de dor, esperança, paixão e desespero. Um belo exemplo do poder que a literatura tem de nos tornar mais humanos.
Descobri esse livro através do 'Livraria em casa', e não poderia estar mais grata por ser apresentada às terras de Raul Damasceno e sua prosa lírica, romântica, cheia de ação e drama familiar. Lusimar e Cícero viverão sempre no desaguar do rio em mar, dentro de cada um que mergulhar nessa história.
uma OBRA de ARTE! faz vc se sentir TÃO imerso naquele cenário, tão envolvido com aqueles personagens. vc sente toda a dor do cícero, o sofrimento, a injustiça... é lindo.
Meo, a literatura nacional tem um sentimento que só os brasileiros entendem as coisas. Juro! Muito bom! História de amor, mas de um zilhão de outras coisas. Eu deva muito pouco para o livro porque tinha lido um semelhante, mas polonês. Me ganhou muito. Foi bom mas ruim ao mesmo tempo, o fato de ter varias informações ao mesmo tempo.
comecei a ler esse porque queria um coming of age lgbt tradicional, daqueles que a gente já sabe o que vai acontecer com páginas de antecedência... para minha (boa!) surpresa, não foi o que encontrei aqui. esse livro, mesmo que tenha sim algumas batidas clássicas desse tipo de história, me supreendeu bastante a cada capítulo. curto e direto, mas ainda bastante poético. a escrita é deliciosa e a história é envolvente e longe de ser previsível. cada personagem é único, mas me surpreendi bastante com a narrativa de Toin e a inclusão de uma professora trans em um recorte do sertão cearense nos anos 90. enfim, encontrei em cícero e luzimar companhias nostálgicas que vou carregar por um tempo. "embora esmagados entre angústias, residia ali uma tranquilidade forjada de esperança".
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O rio que me corta por dentro é miscelânea de sentimentos. Há um pouco de tristeza, outro tanto de esperança, muito do medo, mais um pouco de desespero e a felicidade correndo por fora. É um livro arrebatador que fala de amor, abandono, ódio e vingança. É visceral, cinematográfico. Raul Damasceno faz uma construção incrível. Uma história com enredo que te fisga logo nas primeiras páginas. A escrita cativante potencializa a imersão no modo de viver no interior cearense.
Não tem como sair indiferente dessa leitura e da tragédia de viver um amor. Recomendadíssimo.
"O coração se alargando até nele caber cada pedra da estrada e todos os destinos aos quais ela podia levar. Até caber todas as revoadas da manhã, os calangos verdes, todas as memórias do cajueiro. Até caber aquele rio que nunca encontraria o mar. Até caber o sertão inteiro."
Nessa noite, mesmo de olhos fechados, Cícero viu constelações.”
Em uma cidade do sertão cearense, o livro conta a história de Cícero. Um menino que cresce sem a mãe e criado pela avó.
Esse livro é daqueles bem simples, de leitura fácil e que conseguiu me transportar pra dentro da história e praquela realidade. De alguma forma, apesar de muito distante, eu conseguia sentir um pouco as dúvidas, as dores e as angústias de Cícero.
Mas não é um livro necessariamente triste, porque tem muito carinho e amor. O relacionamento entre as personagens tem muitas camadas, culpa, dor, carinho, amor e descoberta.
Adoro esses livros sobre descoberta da sexualidade e que com drama, mas com um foco mais no amor meio sem preconceitos.
E ainda tem um pouco de ação e tensão e suspense que dá uma pitadinha extra pra história.
Eu adorei a avó de Cícero, Zulmira. É uma personagem muito boa que poderia ter mais dela, inclusive.
O autor Raul Damasceno escreve muito bem. Principalmente no ponto de conseguir representar o modo de falar e as palavras. Eu quase conseguia ouvir os diálogos.
O rio que me corta por dentro é um romance breve e intenso, que acompanha a infância de Cícero, um menino do sertão cearense marcado pela ausência da mãe, Aneci, que trabalha como doméstica na capital e só retorna em datas festivas. Essa ausência funda um vazio e uma saudade permanentes. Ao lado dele, no entanto, está Luzimar, o amigo de infância com quem partilha sonhos, cumplicidade e, pouco a pouco, uma descoberta amorosa. Raul Damasceno trata com delicadeza temas densos como ausência, saudade, amor e pertencimento, ao mesmo tempo em que aborda exclusão social, preconceito e a solidão de quem vive à margem dos afetos normativos. Com linguagem poética e concisa, o autor transforma a dor em literatura e faz do rio, que tudo leva, menos a saudade, a metáfora de uma vida atravessada por perdas, mas também pela força do afeto.
Tem uma beleza muito massa em cortar essa história em capítulos mais curtos e entrecortados, ainda que sacrifique uma profundidade maior dos personagens. Muito do texto se aproxima mais de um roteiro cinematográfico por conta disso, construindo imagens lindas, e outras que são quase um soco no estômago. Não fui muito fã quando saia tanto do ponto de vista dos protagonistas, mas a história consegue sustentar muito bem tudo isso.
Com escrita simples e poética, Raul conseguiu escrever sobre os sentimentos mais caros ao ser humano: amor, ódio, lealdade, tristeza. Na história, não há heróis, mas pessoas comuns que nos traz empatia para entendermos suas escolhas questionáveis. E toda a história se passando no sertão do Ceará, me trazendo lembranças de infância na casa dos meus avós. Um livro que começa com leveza, aumenta de volume e termina com ondas de serenidade, como o rio que desagua no mar.
o que foi esse livro???!!? eu achei ele casualmente quando tava passando tempo atoa no estágio e baixei ele e engoli devorei ele em horas. que lindo :’) o raul escreve TÃO bem, q livro bem escrito com uma história tão transcendente pra contar! eu amei amei amei
Dos livros mais lindos que já li Bem a escrita que eu gosto O Rio me foi cortando também A história é toda bem amarrada, o lado humano de cada personagem Lindo lindo lindo Me fez gostar de ler no papel Para além dos melhores do ano, esse tá na lista de melhores da vida