No Brasil, a questão do preconceito racial é tão complexa que parece desafiar a própria objetividade dos números. Em uma pesquisa realizada em 1988, 97% dos entrevistados afirmaram não serem racistas, mas 98% deles declararam conhecer alguém que fosse. E nem mesmo as análises mais biológicas, que apostam num DNA fixo para a nossa pele parecem resistir à ambiguidade das relações sociais brasileiras, já que, como se diz popularmente, “preto rico no Brasil é branco, assim como branco pobre é preto”. Nesse contexto, a determinação da própria cor se torna critério tão subjetivo que em questionário recente do IBGE, pautado na autoavaliação, foram detectadas mais de uma centena de colorações diferentes de pele. Em Nem preto nem branco, muito pelo contrário, a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz revela um país marcado por um tipo de racismo muito peculiar - negado publicamente, praticado na intimidade. Para isso, volta às origens de um Brasil recém-descoberto e apresenta ao leitor os primeiros relatos dos viajantes e as principais teorias a respeito dos “bárbaros gentis”, desse povo sem “F, sem L e sem R: sem fé, sem lei, sem rei”, teorias estas fundamentais para o leitor moderno entender a complexidade de uma nação miscigenada e com tantas nuances. Passando pelos modelos deterministas raciais de finais do XIX, pelas teorias de branqueamento do início do século XX, depois pelas ideias da mestiçagem dos anos 1930, ou de estudos que datam da década de 1950, que queriam usar o “caso brasileiro” como propaganda, pois acreditava-se que o Brasil seria um exemplo de democracia racial, a autora nos mostra que, por trás do mito da convivência pacífica e da exaltação da miscigenação como fator determinante para a construção da identidade nacional, na prática, a velha máxima do “quanto mais branco melhor” nunca foi totalmente deixada de lado. Se por um lado a autora traça um panorama histórico, por outro joga luz sobre as sutilezas perversas do cotidiano. Seja na literatura, como no conto de fadas “A princesa negrina”, em que os pais desejam ver a sua filha negra transformada em garota branca, seja na boneca loira como modelo de beleza, é também nos detalhes que a ideia de uma nação destituída de preconceitos raciais cai por terra. Com um texto engenhoso e claro, este ensaio, mais do que propor análises conclusivas, convida o leitor para uma grande reflexão sobre a questão racial no país.
Nasceu em 1957, em São Paulo. É professora titular no Departamento de Antropologia da USP. Seu livro As barbas do imperador - D. Pedro II, um monarca nos trópicos ganhou o prêmio Jabuti Livro do Ano, em 1999. Além deste, publicou também: O espetáculo das raças, O sol do Brasil (prêmio Jabuti de melhor biografia, 2009), D. João carioca - história em quadrinhos sobre a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em coautoria com Spacca -, entre outros livros.
Além de fazer o dever de casa ao desmistificar o Brasil enquanto uma democracia racial, traz vários conceitos e dados para repensar a formação identidade cultural brasileira como um processo que foi inclusivo e excludente. Elegeu o samba, o futebol, o carnaval, a feijoada e a miscigenação como símbolos nacionais - inclusão cultural - mas em um âmbito privado, afastado do formalismo da lei e das instituições, permanece excludente da população negra no mercado de trabalho, educação, lazer, matando e condenando mais negros e pardos do que brancos. Traz também reflexões sobre o "preconceito de ter preconceito" e as interações entre cor e classe social, mostrando que no Brasil muitas vezes essa classificação se dá de forma fluída. Recomendo ;-)
Eu adorei o livro! A Lilia faz um resgate histórico muito profundo que nos ajuda a entender toda a complexidade do racismo à brasileira. Os dois últimos capítulos são especialmente incríveis. Vale a leitura!
O conteúdo do livro é muito bom e somando a isso o fato de ser bem curtinho, o considero um material excelente de introdução ao estudo das questões raciais no Brasil. Através de sua bibliografia, o livro oferece, também, ótimas sugestões de leituras posteriores. O grande problema, ao meu ver, é em relação à escrita, que achei muito desconjuntada. Por vezes, tive a impressão de que a autora juntou muitas informações, mas teve pouco zelo na hora de conectá-las. Ainda assim, recomendo muito a leitura, em especial dos dois últimos capítulos (Censo e contrassenso: nomes e cores ou quem é quem no Brasil e Para terminar: "a descendência da falta, ou levando a sério o mito”), que são fantásticos!
Sem soar forçada, nem nada, Schwarcz transforma na leitura de suas cento e poucas páginas em algo esclarecedor e promove reflexões sobre raça e a própria identidade brasileira. Maravilhoso!
Logo na primeira frase esse livro me deixou louco. Não porque ele é ruim ou algo do tipo, mas por mostrar um lado do racismo que eu não tinha conhecimento. Você por acaso sabia que no Brasil escreveram contos infantis em que o final feliz eram pessoas negras virando/tornando-se brancas? Eu não sabia e fiquei realmente chocado com isso.
Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário vai falar sobre o mito da democracia racial e sobre como a miscigenação traz essa falsa sensação de que está tudo bem por aqui. Sensação essa que foi criada pelo governo para mostrar que a escravidão no Brasil fora diferente de outros países que receberam escravos. Chegaram a denominar a liberdade como um presente. É fácil?
Eu, como negro, não deveria ficar surpreendido com isso. É difícil perceber, discutir o racismo no Brasil por inúmeras razões. Principalmente porque ao longo dos anos ele foi tratado como inexistente. O que a gente sabe que não é bem a verdade. O livro de Lilia Schwarcz que é composto de inúmeros textos bate principalmente na questão da miscigenação brasileira. Alguns pensadores acreditavam que o Brasil se tornaria um país de população branca com o passar dos anos. Ainda bem que isso não aconteceu.
A leitura pra mim foi de aprendizado e revolta. São textos pequenos e de fácil/média compreensão. Pra quem gosta de História e que saber mais sobre a história da população negra a leitura é essencial. Não é profunda, mas é um grande começo. Super recomendo.
O livro faz uma discussão sobre a formação do racismo no Brasil. Desde a colonização, foi criado o conceito do outro, no caso os nativos, que foram apresentados como selvagens e não civilizados. O Brasil foi visto inclusive como uma nação na sua infância, que quando estivesse na sua maturidade alcançaria o desenvolvimento europeu. O novo mundo sabe significava novo na acepção da palavra jovem. Em seguida, a escravidão estabelece outra hierarquia entre os homens, daqueles que são inferiores, de uma classe que jamais seria autônoma, devendo ser explorado para sempre. A busca do branqueamento, por meio da migração e da miscigenação, passa a ser um ideal político, marca para o desenvolvimento, explicitando a tese da inferioridade da cultura africana. Esse racismo nunca se manifestou de forma pública, nas leis, como em outros países como na África do Sul. O preconceito do Brasil sempre foi exercido no âmbito privado e sempre foi do outro. Há uma dificuldade de nos vermos racistas, sendo reprovável. A miscegenação faz com que o sentido de raça seja diluído, com a cor sendo o determinante para o racismo. A incorporação do negro se deu pela cultura, quando foram assimilados diversos elementos daqueles que foram com escravizados. Mas os negros continuam sendo os que apresentam os piores índices sociais.
2,5. É, no geral, um bom texto. Tem alguns trechos muito interessantes e gostosos de ler. Mas incomoda umas partes desconjuntadas, onde parece que textos diferentes foram colados sem o esforço de conexão e algumas afirmações fortes que não se sustentam (p.e: suposta especificidade da expressão "homem de cor" no Brasil, quando temos "colored").
O livros trata da complexidade que é falar sobre cor e raça no Brasil. É uma ótima obra pra quem deseja se aprofundar no pensamento antirracista e entender as complexidades 100% brasileiras nesse quesito.
Um ótimo livro para entender a construção do conceito de raça no Brasil. A autora traz muitas pesquisas/dados nos argumentos que expõe, trazendo um conteúdo bem completo. Não dou 5 por ter me sentido perdida em certos capítulos, mas os últimos capítulos do livro são fantásticos!