Em meia dúzia de meses, Paulo M. Morais ficou sem trabalho, terminou um relacionamento de doze anos e viu-se obrigado a vender a casa. Embora derrotado pelas circunstâncias, queria estar à altura dessa nova etapa de vida e concentrou-se na missão de cuidar da filha pequena e reatar os laços com a avó centenária que o criara. Sobreveio, então, um estranho cansaço, uma exaustão que a médica de família inicialmente atribuiu às pressões de um ano atípico. Podia ser. E, porém, depois de vários sustos e vinte horas nas Urgências do hospital, a verdade veio ao de cima: tinha um linfoma.
Durante o tratamento de oito ciclos de quimioterapia (em que a leitura foi a sua grande companhia), começou a escrever sobre a sua experiência. Mas este livro, embora inclua dados sobre os exames, os internamentos ou os efeitos secundários da medicação, está longe de ser um diário da doença; representa acima de tudo uma revisitação do passado, uma reflexão sobre o valor da vida e a real importância das coisas e das pessoas, o elogio do amor e da paternidade, uma busca contínua das diferentes partes erradas - e certas - que constituem um ser humano que tem de confrontar-se diariamente com o espectro da morte.
«Uma Parte Errada de Mim» não é, pois, apenas MAIS um testemunho sobre o cancro. É uma reflexão magistral sobre a condição humana, escrita com a beleza e a cadência de um romance no qual se aguarda um final feliz.
Paulo M. Morais nasceu em Lisboa em 1972. Licenciou-se em Comunicação Social e trabalhou na imprensa online e em papel, especializando-se nas áreas do cinema, da gastronomia e das viagens. Regressado de uma volta ao mundo, dedicou-se à tradução, edição e escrita de conteúdos; numa coluna semanal, associou entretenimento a literacia financeira. Gosta de cozinhar, ler e caminhar junto ao mar. Continua apaixonado por filmes: já viu mais de cinco mil.
Estreou-se no romance com Revolução Paraíso (2013), a que se seguiram O Último Poeta (2015), Seja Feita a Tua Vontade (Casa das Letras, 2017, finalista do Prémio LeYa) e Pratas Conquistador (Casa das Letras, 2019), os dois últimos integrados no Plano Nacional de Leitura (PNL). Em 2022, em coautoria com Pedro Lopes, adaptou para livro a premiada série televisiva Glória (Oficina do Livro, 2022). Na área da não-ficção, publicou Uma Parte Errada de Mim (Casa das Letras, 2016) e Voltemos à Escola (2017, obra incluída no PNL). Tem ainda um livro infantil: A Aldeia Verde e Vermelha (2020).
A Boneca Despida (Casa das Letras, 2023), escrito com o apoio de uma Bolsa de Criação Literária atribuída pela DGLAB, foi um dos romances finalistas do Prémio LeYa 2022.
Como é que agora vou conseguir falar sobre este livro? Tenho de meter as ideias no lugar! A ler!!! Em breve um post no blogue :) Obrigada Paulo por ter escrito este livro!
Tenho o hábito de começar a ler vários livros ao mesmo tempo. Não me incomoda começar um livro sem ter terminado outro(s), acho mesmo que é uma forma de fazer uma triagem. Há os que me levam a lê-los até ao fim e há os que ficam pelo caminho. Curiosamente, e por estar a gostar tanto de uma das leituras que tinha em curso, no dia em que este livro chegou até mim, decidi (achava eu) que lhe pegaria quando terminasse o outro. Mas apenas por curiosidade (ou fraqueza) decidi ler o prefácio. Enfim, mais duas páginas da introdução não fariam mal nenhum. Dei uma olhada no primeiro capítulo só para ver como começava a coisa. Quando me apercebi o primeiro capítulo estava lido. Mantive, mesmo assim a decisão de o guardar para mais tarde, até porque o primeiro capítulo me foi um pouco doloroso de ler. Ou seja, refreei-me para não passar a noite agarrada ao livro (sim, gosto de leituras dolorosas), de modo a poder dedicar-me, no dia seguinte, a coisas mundanas, como trabalhar. Mas o bichinho ficou lá. O Javier Cercas que me perdoe. Acompanhei os ciclos deste livro na altura em que aconteceram, através das redes sociais. Nunca consegui tecer comentários. Confesso que a exposição do Paulo sempre me impressionou. Não sei se lhe chame coragem ou loucura, mas fiquei sempre com uma sensação estranha de me estar a intrometer em algo muito pessoal. Não acho bem nem mal, simplesmente sentia algum desconforto por ler coisas demasiado íntimas. Mas acompanhei. E preocupei-me. Nunca entendi o que o levou a tal exposição. Este livro ajudou-me a perceber. Bom, mas para quem não sabe nada sobre o livro nem leu os posts (haverá alguém?), este é o percurso de um homem a quem foi diagnosticado um linfoma (grande e agressivo). É o relato dos oito ciclos de quimioterapia. É uma profunda reflexão de vida que vai muito para além da doença, mas que, se calhar, foi possível porque uma série de acontecimentos (incluindo este terrível diagnóstico) proporcionaram essa viagem, não de descoberta, mas talvez, de aceitação. Ficam já a saber que o livro não é nada lamechas nem propício a choradeiras. Não terá leitores pelo apelo ao sentimento, mas sim pelo racionalismo com que expõe os factos de uma vida em forma de viagem. Sim, profundas viagens ao passado. Algumas até à infância, numa busca de causas ou motivos para ser como é. Outras mais próximas, já na vida adulta, a mesma procura de respostas. Também não é um livro de auto-ajuda. Não aponta o certo nem o errado, nem pretende defender teorias. É uma descoberta e é a partilha dessa descoberta. É um relato sem medo e de uma lucidez admirável, que se lê de uma penada. Com a sua escrita limpa e fluída o Paulo levou-me rapidamente até à última página, obrigando-me, com a sua acutilância e capacidade de levantar questões, a pensar no meu próprio percurso, a questionar, como ele, o significado que as grandes mudanças (as que aparecem de surpresa e que não escolhemos) podem ter naquilo que somos ou iremos ser. Profundamente libertador por mostrar com a mesma sinceridade a tristeza e a felicidade, é um livro honesto que se dá a ler sem se preocupar que gostem dele. Exige de quem lê, mas dá em troca, dá muito, eu senti-me claramente a ganhar pelo que ficou comigo depois de o ler. Impressionou-me a capacidade de resiliência. Ficam comigo os momentos de grande ternura entre pai e filha, a chegada do amor da Isabel, a avó Nana, e a forma carinhosa com que o Paulo se refere aos amigos. E os livros claro, que não há melhor que ter um cancro para se receber pilhas de livros. Não sei se referi o humor negro… uma especialidade! É um livro de uma luz intensa. Leiam-no!
Um livro que nos faz reflectir sobre diversos temas!
Adorei como parece que o autor está a falar connosco devido a sua sinceridade e em parte ao seu humor, principalmente quando é humor negro porque algo que é inteiramente verdade é que "Queres livros grátis? Arranja um cancro".
Senti necessidade de adquirir este livro mal saiu, embora tenha demorado algum tempo a começar a lê-lo. Por receio, confesso. Como seguidora do autor no Facebook acompanhei "de perto" o diagnóstico da sua doença e as sucessivas sessões de quimioterapia. Isto passados meses de ter perdido a minha Mãe para uma doença que, em menos de dois meses, a "levou". Talvez agora entendam o meu receio.
Houve partes que me custaram a digerir porque julgo que correspondem a reacções típicas de quem padece de tal patologia. Seja em forma de atitudes, pensamentos,... Isso custou-me a "mastigar" porque me fez avivar uma ferida que estava aberta. E que julgo nunca fechará.
Por outro lado, esta obra, apesar de abordar o processo pelo qual o autor passou, não recorre ao sentimentalismo, à auto-comiseração, como alguns livros sobre o tema. Mostra, também, uma faceta do autor desconhecida, com um humor muito próprio quando o Mundo parece desabafar e com uma componente autobiográfica que tirou a "carga" cancro e que nos faz pensar na nossa própria vida, nalguns aspectos, sobre outra perspectiva.
" (...) Li este livro num ápice. Assim que chegou não consegui mesmo parar. O problema foi escrever uma opinião para ele depois... custou-me imenso. Tenho sempre muito mais dificuldade em falar de livros de que gosto do que falar dos que odeio. É sempre mais fácil dizer mal e apontar o dedo não é? Talvez... A verdade é que já tenho recomendado algumas vezes este livro, mas ainda não tenho conseguido falar realmente sobre ele. "
Sem nunca pensar que chegaria aos 41 anos e ia ler um livro "tema cancro". O Paulo mostra-nos imenso dele, duma maneira simples e sem qualquer pretenção a ser especial ou dramatizar. Este é um livro sério, mas não complicado.
Sem ser lamechas e de modo simples, o Paulo fala-nos de si e do seu cancro. Já o tinha feito antes através das redes sociais. Lembro-me bem da foto do móvel-livreiro quase repleto de livros, dos livros que lia( graças a ele fui ler Plataforma de Michel Houellebecq), do caminho feito pela floresta..... Fez-me relembrar o meu próprio percurso....., como também eu conheço tão bem os corredores e as salas de espera de S.F.X., os projectos centrados no presente, sim, porque o futuro pode ser o dia seguinte. É um livro que quem ler vai ficar mais rico de sentimentos. Aconselho!
«Sempre dissemos várias coisas, mas raramente com empatia, ou com espontaneidade, ou somente com simplicidade. Tivemos sempre uma relação amargurada com o que não conseguíamos ser. Tivemos sempre uma relação forçada, exigente, artificial. E, naquela cama de hospital, prestes a enfrentar um dos desafios mais duros da minha vida, decidi prescindir desse desgaste adicional. Precisaria de concentrar a totalidade das minhas forças no tratamento do cancro. E foi por isso que, por minha decisão exclusiva, contrariando todos os pedidos e intenções da parte dele, nunca me encontrei com o meu pai durante os tratamentos. Nem me encontrei depois. E, neste meu radicalismo, talvez tenha, finalmente, aprendido a viver sem a presença física de um pai e de uma mãe (p. 202)».
Esta passagem é emblemática deste livro de Paulo M. Morais, ou seja, mais do que o relato de uma doença, trata-se de uma reflexão sobre a vida. Há momentos em que, para sobreviver, temos de nos libertar de cargas supérfluas, mesmo que isso signifique quebrar com aquilo que a nossa sociedade considera sagrado. No nosso medo de magoar os outros, muitas vezes, deixamos que nos magoem para lá do suportável, o que implica uma subvalorização de nós próprios. Ninguém vai longe, nessa maneira de viver, normalmente cai numa depressão profunda. Há alturas em que temos de impor um limite, alturas em que temos de arranjar coragem para o impor.
Não se pense, porém, que Paulo M. Morais aproveita a doença para se livrar de quem o incomoda. Noutros casos, acontece o contrário: ele aproxima-se ainda mais de quem ama, porque amar é um bálsamo, em qualquer situação da vida… Desde que se seja correspondido. O verdadeiro amor traz alegria, motivação, vontade de viver, mesmo no enfrentar de dificuldades. Quando as pessoas que pensamos que nos amam nos põem tristes e amargurados, é claro que a relação nos prejudica mais do que ajuda. Não pode ser amor!
Gostei muito de ler este livro, embora tenha encontrado passagens (poucas) menos interessantes. É um livro útil. Para quem ainda não teve contacto com um cancro, ele põe-nos a par dessa faceta da vida. Por outro lado, poderá ajudar quem se debata com a doença ou acompanhe alguém que o faça. E, em qualquer dos casos, leva-nos a refletir sobre nós próprios, sobre a própria vida.
Nesta altura emblemática, em que se está prestes a iniciar um novo ano, desejo ao autor a continuação do sucesso e que continue a escrever livros que nos façam pensar!
“Annus horribilis” foi a expressão encontrada por Paulo M. Morais para descrever um tempo de incertezas, revoltas, angústia e dor. Chegava ao fim uma união de doze anos, o trabalho teimava em não aparecer, a casa fora posta à venda, a guarda da filha regia-se por um “semana sim semana não”. O cansaço aumentava, as dores à volta da cintura também. Os sinais de que algo de errado se passava avolumavam-se. O diagnóstico não tardaria a surgir. Um linfoma. O escritor torna-se, oficialmente, um doente oncológico. Um novo período da sua vida está prestes a começar. Ele propõe-se aceitá-lo, vivê-lo, relatá-lo. Partilhá-lo. O resultado é “Uma Parte Errada de Mim”, a vida feita de ciclos a dizer-nos que o dia especial é sempre aquele em que estamos.
Fecho o livro com um estrondo abafado. Agora que termino a sua leitura, faço um rápido balanço destas pouco mais de trezentas páginas lidas em dois dias e percebo os comos e os porquês de ter visto alterar-se a minha perspectiva enquanto leitor. Profissional de saúde há mais de três décadas, o meu “eu-enfermeiro” abraçou os primeiros capítulos vendo a doença e não o doente: Um linfoma não-Hodgkin e não propriamente um Paulo. No meu mundo de hospitais feito, o olhar deu preferência ao “conforto” dos intermináveis corredores, da tinta a descascar, das salas inóspitas, das longas esperas, das palavras dos médicos, dos gestos dos enfermeiros. Quis evitar o incómodo de tudo o resto. Aos poucos, porém, fui escutando aquilo que a princípio não passava de um sussurro, para acabar por se impor num grito surdo: “ – Olha para mim, porra!”
Despojada de artifícios, tornada sólida pela verdade que dela se derrama, a escrita de Paulo M. Morais atinge-nos em cheio com a força de um veredicto para o qual ninguém está preparado, de um dreno que trespassa o peito e se dispõe a extrair o máximo de líquido de um pulmão, das incontáveis horas em solidão ao longo dos ciclos de quimioterapia, dos líquidos cor de laranja que invadem as veias, das náuseas e vómitos dos dias seguintes. Mas o tempo da sua escrita é também o tempo de um enleio. É o braço sobre o ombro ao mostrar-nos o quão importante é o presente. É uma frase, num túnel, a traçar o destino. É o silêncio denso de uma noite estrelada no Talasnal. É a avó Nana a dizer-nos o quanto gostou e gosta de viver. É um pessegueiro chamado Maria. Resta a esperança de poder cruzar-me com Paulo M. Morais, “algures no tempo e no espaço, extirpados de pedaços errados, numa existência mais leve e mais serena. E possamos então trocar nomes e dar um abraço digno de velhos amigos.”
Sem ser lamechas e de modo simples, o Paulo fala-nos de si e do seu cancro. Já o tinha feito antes através das redes sociais. Lembro-me bem da foto do móvel-livreiro quase repleto de livros, dos livros que lia( graças a ele fui ler Plataforma de Michel Houellebecq), do caminho feito pela floresta..... Fez-me relembrar o meu próprio percurso....., como também eu conheço tão bem os corredores e as salas de espera de S.F.X., os projectos centrados no presente, sim, porque o futuro pode ser o dia seguinte. É um livro que quem ler vai ficar mais rico de sentimentos. Aconselho!
Devo começar por referir que não costumo ler este tipo de livros (por "este tipo" entenda-se relatos verídicos de superação de uma qualquer doença ou de um período mais complicado no percurso de vida de alguém...). Eu é mais ficção. :) Peguei neste livro em particular porque conheço o autor. Conheci-o primeiro enquanto escritor e depois pessoalmente, embora não nos possamos considerar amigos para além do conceito alargado desse termo nas comunidades das redes sociais. Mas, por causa disso, a leitura foi bastante estranha. Conhecia o Paulo do livro mas nem por isso; conhecia algumas pessoas mencionadas mas também não tão bem assim. Às vezes parecia que estava a ler um livro que me revelava facetas de personagens que já conhecia de outras obras... :) Como não costumo ler livros deste género, não tenho grande termo de comparação, mas este não me pareceu ser um livro sobre cancro. Parece-me que a sinopse descreve o livro na perfeição: "este livro (...) representa acima de tudo uma revisitação do passado, uma reflexão sobre o valor da vida e a real importância das coisas e das pessoas, o elogio do amor e da paternidade, uma busca contínua das diferentes partes erradas - e certas - que constituem um ser humano que tem de confrontar-se diariamente com o espectro da morte. Uma Parte Errada de Mim não é, pois, apenas MAIS um testemunho sobre o cancro. É uma reflexão magistral sobre a condição humana, escrita com a beleza e a cadência de um romance no qual se aguarda um final feliz." E enquanto acompanhamos o Paulo na sua revisitação do passado e nas suas reflexões sobre a condição humana damos por nós a revisitar o nosso e a refletir na nossa própria condição. A parte engraçada é que fiquei a saber que temos algumas coisas em comum, nomeadamente "a tirania do abraço" e ver a vida como um caminho ascendente. Obrigada por esta partilha, Paulo. Prometo que vou tentar dar o tal abraço na próxima vez que nos cruzarmos em Gaia. ;)
Tal como o autor nos alerta logo no início, não esperemos uma lição de vida. Paulo M Morais deixa-nos um relato arejado, sério, numa escrita contida e de cativante maturidade. A dor é dor, não precisa de exercícios estilísticos para ser sentida, escreve nas redes sociais. O seu testemunho convida-nos a ser solidários, não procura a vitimização, a piedade ou a exaltação.
Ao abrir este livro pela primeira vez e deparar-me com a forma como este se compunha, achei que seria um bom livro para "ir lendo" entre outras leituras. Contudo, acabei por o ler de uma só vez. Agradou-me o facto de não ser só "mais um testemunho sobre o cancro" e de poder rever um pouco de mim nas palavras do Paulo M. Morais e na forma como ele encara as coisas da vida. "Uma Parte Errada de Mim" foi uma leitura agradável, com o seu quê de divertida, e propícia à reflexão.
Um livro brilhante e extremamente belo que nos faz reflectir sobre a condição humana e sobre a vida.
Belíssima a relação de afecto com a avó-mãe, as palavras que descrevem o entrar numa casa carregada de memórias e os espaços que elas preenchiam..
"Uma busca contínua das diferentes partes erradas - e certas - que constituem um ser humano que tem de confrontar-se diariamente com o espectro da morte. (...)" (Casa das Letras, 2016).