A Gailivro tem uma coleção chamada «O mundo à minha volta», que reúne histórias de autores portugueses sobre os mais variados temaspor Catarina Araújo
A Gailivro tem uma coleção chamada «O mundo à minha volta», que reúne histórias de autores portugueses sobre os mais variados temas, desde a segurança ferroviária, à tolerância, à descriminação, e à importância de se ter bons hábitos alimentares. Uma questão de azul-escuro, de Margarida Fonseca Santos e ilustrado por Sandra Serra, aborda o tema do bullying.
O livro lê-se de um trago e é perfeito para leitura em conjunto entre pais e filhos. Também pode ser lido em situação de sala de aula de primeiro ciclo, mas só se for num contexto de grande proximidade, em que as crianças estejam à vontade, sentadas em almofadas no chão e a professora ou educadora no meio delas, pois é um assunto delicado que requer bastante tato, sensibilidade e, claro, bom senso.
Heidi é uma menina curiosa, alegre, doce, sem um pingo de maldade no corpo, apesar das suas circunstâncias – é órfã, e vive com a tpor Catarina Araújo
Heidi é uma menina curiosa, alegre, doce, sem um pingo de maldade no corpo, apesar das suas circunstâncias – é órfã, e vive com a tia, que a larga no meio das montanhas dos Alpes suíços, às mãos de um avô que não conhece e que é calado e resmungão. Mas Heidi não se importa nada, muito pelo contrário. Fica fascinada com as paisagens, as cores, os cheiros, os animais, e nem fica nada atrapalhada quando o avô lhe diz que não tem cama para ela. Fazem uma cama com feno, por cima da qual estendem lençóis e cobertores e pronto.
Heidi é intrinsecamente feliz e contagia os outros com a sua bondade e energia positiva. Pedro, o rapaz, pastor de ovelhas, a avó que até Heidi aparecer apenas espera pela hora em que a morte a levará, o avô que não desce a montanha e passa os seus dias ruminando solitário nos seus afazeres, todos eles são inspirados pela menina.
Heidi é uma menina curiosa, alegre, doce, sem um pingo de maldade no corpo, apesar das suas circunstâncias – é órfã, e vive com a tpor Catarina Araújo
Heidi é uma menina curiosa, alegre, doce, sem um pingo de maldade no corpo, apesar das suas circunstâncias – é órfã, e vive com a tia, que a larga no meio das montanhas dos Alpes suíços, às mãos de um avô que não conhece e que é calado e resmungão. Mas Heidi não se importa nada, muito pelo contrário. Fica fascinada com as paisagens, as cores, os cheiros, os animais, e nem fica nada atrapalhada quando o avô lhe diz que não tem cama para ela. Fazem uma cama com feno, por cima da qual estendem lençóis e cobertores e pronto.
Heidi é intrinsecamente feliz e contagia os outros com a sua bondade e energia positiva. Pedro, o rapaz, pastor de ovelhas, a avó que até Heidi aparecer apenas espera pela hora em que a morte a levará, o avô que não desce a montanha e passa os seus dias ruminando solitário nos seus afazeres, todos eles são inspirados pela menina.
O Capuchinho Vermelho de Carmen Martín Gaite (1925-2000) é uma menina de dez anos chamada Sara Allen, que vive com os pais num depor Cristina Dionísio
O Capuchinho Vermelho de Carmen Martín Gaite (1925-2000) é uma menina de dez anos chamada Sara Allen, que vive com os pais num desinteressante bloco de casas em Brooklyn. Com uma imaginação prodigiosa, vibra sempre que vai com a mãe visitar a avó, uma senhora excêntrica e vivaz que mora na bem mais interessante Manhattan, para lhe levarem a tarte de morango caseira da Sr.ª Allen, uma receita de família ultra-secreta, que consegue ser ainda mais deliciosa do que as da famosa cadeia de pastelarias Lobo Doce.
Conhecer Manhattan torna-se uma obsessão para a pequena Sara, que um dia se aventura a ir sozinha levar a tarte de morango da mãe a casa da avó, o que implica atravessar o Central Park. E é no Central Park que conhece Miss Lunatic, uma velha sem-abrigo com uma imaginação tão fértil quanto a sua e que vive no parque na companhia dos pombos.
Recebi este livro quando fiz treze anos. Escrevi diligentemente, na guarda branca, a data e o meu nome e arrumei-o na estante para por Catarina Araújo
Recebi este livro quando fiz treze anos. Escrevi diligentemente, na guarda branca, a data e o meu nome e arrumei-o na estante para ler um dia. Era verão, o ano letivo tinha acabado e ia passar o mês de agosto no Alentejo. Procurei, na estante, livros para levar e, lembrando-me daquele presente de aniversário, peguei nele e guardei-o na mala, com intenção de o ler durante as férias. Mas a canícula infernal alentejana não inspirava leituras, pelo que deixei-o para a segunda parte das férias, no Algarve, onde estaria com certeza mais fresquinho. Mas a promessa de muitas horas de diversão na praia com as primas atirou mais uma vez as leituras para segundo plano. Quando cheguei a casa, à entrada do outono, com as primeiras chuvas a obrigarem a ficar entre paredes, li-o finalmente, num fim-de-semana. Voltou para a prateleira quase incólume, sem que eu tivesse pensado muito na dimensão daquela história, talvez porque na verdade eu fosse a Rosinha e não a Mariana. Era a irmã mais nova e nunca tinha tido de mudar de casa.
Anos mais tarde, já adulta, li-o de novo. Foi então que descobri que aquele era o segundo volume de uma trilogia que começava com Rosa, minha irmã Rosa e terminava com Chocolate à Chuva. Posso dizer que só aos vinte e poucos anos de idade pude apreciar verdadeiramente a escrita de Alice Vieira, de uma fluidez e simplicidade, que facilmente nos transporta e nos faz ver o mundo através do olhar de Mariana, que se encontra perante grandes mudanças na sua vida – primeiro o nascimento da irmã, depois a mudança para a nova casa e a entrada na adolescência, com as suas inevitáveis transformações físicas.
Esta obra é descrita como não sendo bem um romance juvenil, nem uma novela gráfica ou um livro ilustrado, mas uma combinação de todpor Catarina Araújo
Esta obra é descrita como não sendo bem um romance juvenil, nem uma novela gráfica ou um livro ilustrado, mas uma combinação de todas essas coisas. É para já, e começando pelo superficial, um livro lindíssimo. Antes de o ler, é difícil não dedicar uns bons minutos à observação minuciosa da capa, da contracapa, das ilustrações, etc.. Depois de o termos «apalpado» todo com os olhos e de nos termos habituado ao seu peso (tem quase quinhentas e cinquenta páginas e capa dura), então começamos a ler e a descobrir a história de Hugo Cabret, um rapaz que vive às escondidas numa estação de comboios, em Paris, na década de 1930. Ele sobrevive furtando comida e dedicando-se à conservação dos relógios da estação, enquanto tenta arranjar um autómato no qual ele e o pai trabalhavam, antes de este morrer tragicamente num incêndio. Abandonado pelo único tio e sozinho no mundo, Hugo acha que o pequeno autómato contém uma mensagem escondida deixada pelo pai para ele. Mas para o consertar, precisa de peças que vai roubando de uma pequena loja de brinquedos da estação. Um dia, porém, é apanhado pelo dono da loja, um velho rabugento e misterioso, que esconde um incrível segredo. E assim começa uma jornada de descoberta e redescoberta, tanto do rapaz, como do velho homem, numa história contada através de um texto simples e recheado de referências históricas, intercalado de belas ilustrações que nos vão ajudando a resolver o enigma à volta do autómato.
Só depois de adulta é que li muita literatura juvenil. Não fui uma grande leitora em criança, como já referi noutras ocasiões. Intepor Catarina Araújo
Só depois de adulta é que li muita literatura juvenil. Não fui uma grande leitora em criança, como já referi noutras ocasiões. Interessavam-me mais os livros sobre História, Ciência, entre outros temas. Aos meus vinte e poucos anos de vida é que me tornei numa verdadeira devoradora de literatura. Assim, apenas recentemente li alguns dos maiores clássicos da literatura deste género, entre os quais O Deus das Moscas, de William Golding, autor galardoado com o prémio Nobel de literatura, em 1983.
O Deus das Moscas foi publicado em 1954, e na época em que foi lançado não foi um grande sucesso, mas com o tempo tornou-se um clássico e teve duas adaptações ao cinema, uma em 1963 e outra em 1990.
A história passa-se durante uma suposta guerra nuclear e segue um grupo de rapazes, crianças pequenas e pré-adolescentes, presos numa ilha deserta após um acidente de avião em que todos os adultos pereceram. Sozinhos e sem comida, eles sobrevivem tentando recriar naquela ilha uma pequena civilização, como a dos adultos, mas com resultados desastrosos.
Conhecia a história por alto, mas não imaginei que fosse ser uma leitura tão intensa. Acho que não teria gostado de o ler se fosse adolescente, talvez porque me teria confrontado com uma realidade que um adolescente nunca se quer confrontar – como seria, efetivamente, a vida sem a presença de adultos. A ideia parece ótima quando estamos a crescer e vivemos como que aprisionados numa estrutura de regras, proibições e obrigações impostas a todo o momento. Contudo, a plena liberdade, sem essas tais regras, proibições e obrigações, pode ter um custo e transformar o mundo num lugar onde, no final das contas, nenhuma criança ou adolescente iria gostar de viver, quando confrontados com algo muito mais primário, como é a questão da sobrevivência e que se sobrepõe a tudo o resto, incluindo, por vezes, educação e valores morais.
É um livro bastante perturbador. É com desconforto que somos transportados para aquela ilha e que acompanhamos as lutas externas e internas daqueles rapazes – Jack, Simon, Roger, Ralph e Piggy –, na sua tentativa de recriar uma comunidade, em que cada um tem uma tarefa para cumprir, seja recolher alimentos, cuidar das crianças pequenas, construir abrigos.
Na altura em que foi editado cá em Portugal, em 2007, já muito se falava sobre este «rapaz do pijama às riscas». Adquiri-o, curiosapor Catarina Araújo
Na altura em que foi editado cá em Portugal, em 2007, já muito se falava sobre este «rapaz do pijama às riscas». Adquiri-o, curiosa por lê-lo, mas ainda o deixei quieto na prateleira durante um tempo antes de me atrever a abri-lo.
Desde que estudei a matéria pela primeira vez no 9.º ano de escolaridade, se não me engano, que tenho lido muito sobre a Segunda Grande Guerra, e visto muitos filmes e documentários sobre os mais variados aspetos da guerra, incluindo as atrocidades cometidas pelos nazis contra crianças judias e não só. Portanto, foi com alguma reserva que peguei neste livro a que o autor, John Boyne, se refere como sendo uma fábula.
Passada no princípio da década de 1940, a história segue um rapaz alemão de nove anos, chamado Bruno, cujo pai é destacado pelo Fúria (o Fürher, ele próprio) para Acho-vil (o campo de concentração de Auschwitz, palavra que o rapaz é incapaz de pronunciar). A família muda-se, assim, de Berlim para uma casa nova no campo, onde o pai vai desempenhar um cargo muito importante, que Bruno não sabe muito bem qual é. Mas a vida longe do bulício citadino de Berlim é aborrecida e ele resolve aventurar-se pelas redondezas da casa, onde encontra uma vedação, com pessoas de semblante triste, vestidas com estranhos pijamas às riscas, a vaguearem do outro lado. Intrigado, Bruno passa a visitar aquele lado da propriedade e acaba por conhecer um rapazinho chamado Shmuel, que vive do outro lado da cerca e também veste um pijama às riscas. Esta amizade faz com que Bruno deixe de se sentir tão sozinho, mas terá consequências trágicas, totalmente imprevistas.
À medida que ia lendo o livro, ia-me parecendo cada vez mais inverosímil que o miúdo não percebesse o que de facto estava a acontecer, o que se passava realmente com aquelas pessoas do outro lado da vedação, nem o que o pai fazia de verdade. Está certo que hoje em dia a educação das crianças é bastante diferente e um rapaz de nove anos, com o acesso que tem logo desde tão novo a computadores, a tablets, à televisão, aos livros, enfim, a informação em geral, tem se calhar um nível de consciência da realidade diferente que um miúdo da mesma idade na década de 1940.
Penso que deve ser comum a todos aqueles que leem este livro, provavelmente até será um clichê, mas fiquei fascinada com Atticus Fipor Catarina Araújo
Penso que deve ser comum a todos aqueles que leem este livro, provavelmente até será um clichê, mas fiquei fascinada com Atticus Finch. Curiosamente, o título do livro era Atticus quando foi entregue ao agente, mas a autora acabou por alterá-lo antes de ser publicado. Não tenho a certeza se um jovem ainda na adolescência, dado à rebeldia, conseguirá apreciar esta personagem, entendê-la, admirá-la e respeitá-la. Dependerá muito das circunstâncias que levaram à leitura do livro, suponho eu. Contudo, não deixará de absorver a sua retidão de carácter, a sua benevolência e o seu sentido de justiça. Em nenhum momento, porém, sentimos que esses valores nos estão a ser atirados à cara. As personagens estão muito bem construídas e à medida que vamos conhecendo cada uma delas, as crianças Scout e Jem, Atticus, Boo Radley, Calpurnia, Mr. Underwood, compreendemos a sua maneira de ver o mundo e o seu modo de agir sobre ele (embora isso não queira dizer que concordemos com algumas dessas visões).
Varjak Paw é um gato muito curioso, como todos os gatos, e, como todos os gatos, sente vontade de explorar o mundo. Ele vive num capor Catarina Araújo
Varjak Paw é um gato muito curioso, como todos os gatos, e, como todos os gatos, sente vontade de explorar o mundo. Ele vive num casarão, no alto de uma colina, de onde nunca saiu. A dona é uma velha condessa doente que já mal veem pela casa. A família de Paw não o trata muito bem por ele ser diferente e isso faz com que Varjak tenha uma ânsia especial em se afirmar.
Quando a casa é tomada por um homem com más intenções, acompanhado de dois gatos ameaçadores, o avô Paw pede a Varjak para encontrar um cão e trazê-lo para afastar os invasores. Para o ajudar conta-lhe o segredo do Caminho, as artes marciais dos gatos. Só dominando esta arte é que Varjak poderá enfrentar os perigos do mundo exterior, muito maiores do que ele pode imaginar.
O tom da história é sombrio, a que se juntam as ilustrações a preto e branco, com traços ríspidos que transmitem essa mesma lugubridade algo «Gaimaniana». É interessante acompanhar Varjak enquanto este deixa a sua casa, santuário de conforto, mas sujeito a uma ameaça vinda do exterior, e se aventura na rua onde descobre um mundo que desperta a centelha que tem dentro de si. Pode-se estabelecer aqui um certo paralelismo com o crescimento, quando a criança chega a uma idade em que já se pode aventurar sozinha na rua e fica exposta a uma nova realidade da qual estava protegida, só dependendo de si própria, das suas próprias decisões, para chegar a bom porto, sã e salva.
Marcelo Sandoval tem 17 anos e sofre de uma perturbação similar ao Síndrome de Asperger, uma forma de autismo, e por isso percecionpor Catarina Araújo
Marcelo Sandoval tem 17 anos e sofre de uma perturbação similar ao Síndrome de Asperger, uma forma de autismo, e por isso perceciona o mundo e interaje com ele de maneira diferente. Deste modo, frequenta uma escola para alunos com necessidades especiais e mantém um círculo de amigos restrito, colegas que o conhecem bem e sabem lidar com ele. Interessa-se muito por religião, o seu assunto favorito, e ouve música que mais ninguém consegue ouvir – é a sua forma de processar emoções e sentimentos.
Arturo, o pai de Marcelo, sente-se frustrado por o filho se isolar socialmente e não ser «desafiado» no dia-a-dia. Assim resolve que Marcelo tem de se expor mais para aprender a lidar com os desafios do «mundo real», e para isso recruta-o para trabalhar no seu escritório de advogados durante o verão. Marcelo, claro, não fica nada contente, pois tudo o que ele queria era trabalhar nos estábulos a cuidar dos cavalos.
A história é-nos contada do ponto de vista de Marcelo. Através do seu modo particular de ver o mundo e de interagir com as pessoas, descobrimos o impacto que o Asperger tem na sua vida, principalmente o preconceito de que é alvo ao ser olhado como alguém diminuído intelectualmente, o que não podia estar mais longe da verdade.
Os Reinos do Norte, como se intitulava quando foi editado pela primeira vez em Portugal, em 2003, tendo entretanto passado a ser copor Catarina Araújo
Os Reinos do Norte, como se intitulava quando foi editado pela primeira vez em Portugal, em 2003, tendo entretanto passado a ser conhecido como A Bússola Dourada, depois de lançado o filme, é fantasia, steampunk e realidade alternativa, tudo num só livro.
Neste primeiro livro da trilogia His Dark Materials, a protagonista, Lyra Belacqua, tem doze anos e vive no colégio Jordan, em Oxford, sob a proteção dos Académicos. A sua vida no colégio, apesar das regras restritas que lhe tentam impor, é livre, simples, sem grandes preocupações. Tudo isso muda quando o seu tio Asriel chega ao colégio e mostra aos Académicos, numa reunião em que Lyra se inflitrou às escondidas, provas da existência de uma substância misteriosa, o Pó, e uma imagem do que parece ser uma cidade entre a luz difusa da Aurora Boreal e que ele acredita ser um outro universo. Lyra fica obcecada com a história do Pó e procura saber mais sobre ele. Entretanto, começam a suceder-se raptos misteriosos de crianças nas redondezas do colégio. Diz-se que elas são levadas por Gobblers e sujeitas as experiências terríveis em que são separadas dos seus Génios, criaturas que são como manifestações físicas da alma de um humano e que podem tomar a forma de diferentes animais.
O mundo de Lyra dá uma grande volta quando Roger, o seu amigo de brincadeiras, desaparece sem deixar rasto, e uma misteriosa Sra. Coulter chega ao colégio e se encarrega de levar Lyra consigo, oferecendo-lhe roupas novas e levando-a a museus e a conhecer uma vida totalmente diferente daquela que levava no colégio, vida essa que começa a sentir falta quando percebe que as intenções da Sra. Coulter não são muito boas. Lyra decide então fugir e procurar pelo amigo desaparecido que ela suspeita ter sido levado para o ártico. Na sua jornada, conhece ursos falantes, as bruxas, os Ciganos, e outras personagens tão misteriosas quanto interessantes. Através delas conhecerá a verdade sobre quem ela realmente é e o seu papel naquele mundo carregado de perigos invisíveis.
A descoberta da filosofia na adolescência teve um impacto importante na minha vida, pois foi quando comecei a tecer mais seriamentepor Catarina Araújo
A descoberta da filosofia na adolescência teve um impacto importante na minha vida, pois foi quando comecei a tecer mais seriamente uma ideia sobre a humanidade, a religião, com a qual sempre tive muitos conflitos, e finalmente sobre mim própria. Tinha catorze anos e estava no décimo ano, no curso de Humanidades, pelo que a disciplina de Filosofia fazia parte do currículo. Filósofos como Bertrand Russel, Kant, Platão, Simone de Beauvoir e, principalmente, Sartre, foram, nesses anos de grande turbulência juvenil, fundamentais na minha procura insaciável de respostas para as grandes questões da vida. Foi então que descobri O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder, um livro que nos transporta para o mundo da filosofia.
Artemis Fowl Segundo é um rapaz de doze anos com uma inteligência prodigiosa, uma das mentes mais brilhantes do mundo, mas que hápor Cristina Dionísio
Artemis Fowl Segundo é um rapaz de doze anos com uma inteligência prodigiosa, uma das mentes mais brilhantes do mundo, mas que há muito tomou a decisão de usar o seu poderoso intelecto para fins, digamos, pouco lícitos. Com a ajuda de Butler, o seu guarda-costas/amigo/parceiro no crime, os golpes de Artemis sucedem-se, até ao dia em que o seu pai desaparece e, com ele, toda a fortuna dos Fowl. Com a mãe em estado catatónico devido ao choque, Artemis decide lançar-se no mais arrojado golpe de que há memória: tendo descoberto a existência do Povo das Fadas, o jovem decide raptar uma fada para exigir um chorudo resgate em troca, pois é certo e sabido que as Fadas possuem ouro, muito ouro. Porém, não contava que o ser que capturou em Fowl Manor, a residência da sua família, era nada mais, nada menos, do que a capitã Holly Short, uma das mais reputadas e corajosas agentes da LEPrecon, a força encarregada de manter o equilíbrio entre os dois mundos, o das Fadas e dos Humanos — ou Criaturas da Lama, como as Fadas nos designam.
Reli recentemente O Guarda da Praia, da autoria de Maria Teresa Maia Gonzalez. Não me lembro que idade tinha quando o li pela pripor Alexandra Martins
Reli recentemente O Guarda da Praia, da autoria de Maria Teresa Maia Gonzalez. Não me lembro que idade tinha quando o li pela primeira vez, mas sei que fiquei com boas memórias. Agora, repesquei-o da prateleira, mas a experiência de leitura não foi de modo nenhum igual.
Este livro é sobre uma escritora, a narradora da história, que arrenda uma casa na praia, durante o verão, para terminar o seu romance. É então que conhece Dunas, um rapaz tão selvagem como o cenário que o rodeia; Dunas é livre, irreverente e muito curioso. Inicialmente, a narradora fica assoberbada com este rapaz, mas à medida que o vai conhecendo, começa a ganhar-lhe carinho e forma-se entre os dois uma bonita amizade.
Em miúda, eu vibrava com a força e a ousadia do Dunas, partilhávamos a idade, os longos meses de verão e as liberdades que só tem quem vive perto da praia. Eu entendia o Dunas. Entretanto cresci e tornei-me adulta, já não sou o Dunas, mas também não me identifiquei com a narradora (que me parece ter bastante menos importância na história do que o nosso pequeno protagonista). Deixei de viver o livro para o ler como uma espetadora externa e isso fez a total diferença na experiência de leitura.
Desde o século XIX, com a revolução industrial, a ciência e o progresso não pararam de evoluir e compor Ana Ramalhete
A máquina e as fábulas futuristas
Desde o século XIX, com a revolução industrial, a ciência e o progresso não pararam de evoluir e com elas as máquinas ganharam capacidades cada vez maiores e mais sofisticadas. Em oposição ao herói inicial, que nascia no seio de uma família ilustre, filho de um rei ou de um deus, num ambiente obscuro ou de grande dificuldade, neste século surge um herói que é, essencialmente, fruto do génio científico.
A literatura foi acompanhando esse desenvolvimento da tecnologia e, no século XX, na literatura de ficção científica, as máquinas, os robots e a inteligência artificial surgiram com o objectivo de aliar o espírito à máquina. «A ciência e o imaginário sempre co-habitaram as mentes humanas, ciência e arte interligaram-se definitivamente no século XX» (Rahde, 2008). O imaginário da pós-modernidade é alimentado pelas máquinas e pela tecnologia e «a pós-modernidade (…) é a hibridação e a inclusão de muitas tendências da visualidade iconográfica, em que o imaginário é o processo da relação entre o subjectivo e a realidade objectiva» (Durand, 1998).
No século XXI, surgem os mitos e os contos de fadas adequados a um imaginário assente nessas novas tecnologias. Alguns mantêm a eterna luta entre o bem e o mal, e são recriações dos heróis, monstros e mitos existentes ao longo da história da humanidade, outros optam por versões mais poéticas, onde a máquina se aproxima do homem, ao possuir uma dimensão sensorial e espiritual. As novas tecnologias permitem a união do imaginário com o racional e caminham para um novo modelo de conhecimento em que se esbatem as fronteiras entre a objectividade da ciência e a subjectividade do espírito. Pensar o espírito ligado à máquina tem sido uma aspiração tanto da ciência como do imaginário ficcional.
À primeira vista é robusto e mete medo. Depois quando se pega nele sente-se o seu peso, mas não se resiste a passar a mão sobre a cpor Catarina Araújo
À primeira vista é robusto e mete medo. Depois quando se pega nele sente-se o seu peso, mas não se resiste a passar a mão sobre a capa dura, com uma textura áspera, de um laranja hipnotizante. Por fim cedemos à vontade de o abrir e mergulhamos no mundo «lá fora».
É da Planeta Tangerina e foi concebido por Maria Ana Peixe Dias, Inês Teixeira do Rosário e Bernardo P. Carvalho.
Por onde começar? Os autores começam inteligentemente pelo princípio, quando o Homem vivia na Natureza, não só da Natureza. Contam uma história de como nós, humanos, fomos aprendendo os ciclos naturais, a distinguir o que era bom do que era mau para comer, a defendermo-nos dos predadores e a inventar formas de prever mudanças na Natureza até à grande invenção – a civilização.
Numa linguagem acessível, em textos muito bem estruturados, os autores contam-nos onde se pode encontrar na cidade um mundo natural que parece existir apenas no campo, mas que está bem presente muito perto das nossas casas urbanas.
Pippi das Meias Altas é mentirosa, não obedece a ninguém, está sempre a fazer pouco dos adultos e das suas regras, tem atitudes incpor Catarina Araújo
Pippi das Meias Altas é mentirosa, não obedece a ninguém, está sempre a fazer pouco dos adultos e das suas regras, tem atitudes incompreensíveis e rejeita tudo o que é norma social. Seria pois o pesadelo de qualquer pai cujos filhos a tivessem como amiga. Que é o que acontece com Tomás e Anita Santiago, os irmãos e vizinhos com quem Pippi brinca.
Mas Pippi também é uma super-heroína, muito forte, invencível, capaz de pegar num homem pela cintura, de derrubar toiros e de dar a volta a ladrões fazendo-os implorar por perdão e dar uns passos de dança escocesa, e de salvar crianças de edifícios em chamas.
«Uma criança fora de série.» É assim que Pippi é descrita no princípio da história e com razão: ela tem nove anos, perdeu a mãe quando ainda era bebé e o pai afogou-se no mar, pelo que vive sozinha na Vila do Arco-íris, sem nenhum adulto para cuidar dela, porque aparentemente é muito bem capaz de cuidar de si própria. Usa os cabelos cor de cenoura presos em duas tranças espetadas, veste um vestido azul com flores costurado por si e calça meias altas de pares diferentes. Tem como companheiros um macaco, o Senhor Nelson, e um cavalo. Os adultos não a toleram, porém as crianças, apesar de ao princípio ficarem muito espantadas por Pippi viver sozinha e não ir à escola, acabam por achá-la muito divertida.
«Maze Runner – Correr ou Morrer» é um livro intenso, com um ritmo alucinante e que não concede tempo a grandes divagações. Os twipor Alexandra Martins
«Maze Runner – Correr ou Morrer» é um livro intenso, com um ritmo alucinante e que não concede tempo a grandes divagações. Os twists sucedem-se, levando-nos a duvidar sobre tudo o que acontece e a não fazer a menor ideia sobre o que vai acontecer a seguir. É assim que James Dashner, o autor, nos prende à história e nos faz virar página atrás de página.
É também um livro distópico claramente juvenil. Embora seja muitas vezes colocado a par d’Os Jogos da Fome ou de Divergente, este livro é dirigido a um público mais jovem e maioritariamente masculino. Para começar, é contado do ponto de vista de um rapaz, num cenário rodeado de rapazes, todos adolescentes. A forma como falam uns com os outros, a linguagem utilizada, cheia de termos em calão, as brincadeiras tontas e até a agressividade e irritabilidade repentinas por parte de algumas personagens transportam-nos para o universo da adolescência masculina. Outra coisa que marca a narrativa do livro é a velocidade a que as coisas se sucedem que, se por um lado é bom para o ritmo da história e para captar a atenção dos leitores mais facilmente distraídos, por outro, leva a que não haja muito tempo para que as personagens, nomeadamente a principal, Thomas, possam digerir as emoções geradas por aquilo que lhes está a acontecer, possam pensar nelas e transmiti-las ao leitor. Torna-se assim uma leitura muito interessante do ponto de vista da ação, mas que não permite às personagens o tempo necessário para crescerem emocionalmente, conferindo um tom mais superficial ao livro e tornando-o talvez mais apelativo a um público a quem por vezes falta maturidade para ler livros mais complexos.
Quando era pequena, devorava todas as coleções infanto-juvenis que houvesse. E havia tantas. Uma das que melhor me lembro é a d’Opor Alexandra Martins
Quando era pequena, devorava todas as coleções infanto-juvenis que houvesse. E havia tantas. Uma das que melhor me lembro é a d’O Clube das Chaves. Da autoria de Maria Teresa Maia Gonzalez e Maria do Rosário Pedreira, esta é uma coleção composta por 21 livros, cada qual com uma história individual.
Tudo começa no dia em que o Pedro faz treze anos e recebe um presente muito especial: uma caixa do Avô Cosme, um homem misterioso e muito culto que era o ídolo do Pedro e que tinha falecido recentemente. Dentro da caixa está um conjunto de chaves, cada qual com um enigma e uma aventura por viver. O desafio que o Avô Cosme lhe lança é o de desvendar cada mistério, um de cada vez e por ordem, descobrindo onde pertence cada uma das chaves.
O Pedro, receoso de não conseguir levar a cabo uma demanda de tal envergadura sozinho, decide então criar a O.R.D.E.M. (Organizacão para a Resolução e Descodificação de Enigmas e Mistérios, Lda.) da qual fazem parte o seu melhor amigo Frederico, a sua irmã Anica e a sua prima Guida. São eles o Clube das Chaves. De fora do clube ficam os primos André, mais velho e com outros problemas para resolver, e Vasco, mais novo e muito inteligente, que se ressente por não ter sido convidado para integrar o grupo. Sentindo-se excluído, Vasco transforma-se no Fantasma da O.R.D.E.M., com o objetivo de resolver cada mistério antes dos outros sem que eles descubram quem ele é.
Herdei dois livros do meu pai. Da minha mãe, herdei muitos, de aventuras e histórias de piratas à coleção completa de Os Cinco, mpor Alexandra Martins
Herdei dois livros do meu pai. Da minha mãe, herdei muitos, de aventuras e histórias de piratas à coleção completa de Os Cinco, mas do meu pai herdei apenas dois. De capa dura e páginas amareladas – afinal de contas, foram editados no início dos anos 1970. Agora, mais de quarenta anos depois, voltei a pegar num deles: A Casa da Árvore Oca.
A Casa da Árvore Oca, da autoria de Enid Blyton, conta-nos a história de Pedro e Susana, dois irmãos que ficaram órfãos e foram viver com os tios, um casal pobre em dinheiro e em afetos, principalmente a Tia Margarida, amarga, má e maldizente, que nunca quis os sobrinhos e os trata como se fossem um empecilho. Os dois irmãos tudo fazem para lhe cair nas boas graças – são educados, trabalhadores e honestos – mas vivem permanentemente com receio das represálias e dos castigos da tia.
Quando têm tempo livre, Pedro e Susana encontram-se com a melhor amiga, Ângela, e o seu cãozinho e vão brincar para a floresta. É lá que descobrem um carvalho muito grande e muito velho, tão velho que é totalmente oco por dentro. Decidem, naquele instante, transformar aquela velha árvore num esconderijo, mobilando-a com os seus parcos pertences, como se fosse a sua casa. A árvore torna-se o seu refúgio predileto e é para lá que Pedro e Susana fogem quando a tia os tenta enviar para um orfanato. Ângela, cuja família é carinhosa e abastada, sabe do segredo dos dois irmãos e ajuda-os, levando-lhes comida e outros bens necessários. Mas esta é uma vida que não pode durar para sempre e, numa surpreendente reviravolta de eventos, o que parecia uma tragédia pode ser o final feliz que os dois jovens há tanto procuravam.
A família paterna de Catherine tem um sobrenome muito complicado, e como tem um sobrenome complicado, quando o pai foi pedir uma cepor Catarina Araújo
A família paterna de Catherine tem um sobrenome muito complicado, e como tem um sobrenome complicado, quando o pai foi pedir uma certidão de nascimento ao registo civil deixou-se convencer pelo funcionário – que não estava com tempo nem paciência para pedir que soletrasse o sobrenome – a simplificá-lo e assim ficou com o sobrenome Certitude, que quer dizer certeza, verdade, crença.
Encontramos Catherine Certitude já crescida, em Nova Iorque, com uma filha também já crescida, sua assistente na escola de bailado que dirige. Ela observa através da janela do seu apartamento, que fica em frente à escola, as alunas a descansarem dos exercícios. Entre essas alunas há uma que faz emergir uma memória antiga em Catherine. Essa menina tira os óculos para dançar, tal como ela fazia quando era pequena, pois «não se dança com óculos».
Tirar e pôr os óculos dividem-na em dois mundos. O primeiro é nítido, áspero, cheio de contornos, enquanto o segundo é suave e macio, como num sonho. Com os óculos é obrigada a ver o mundo como ele é, sem eles, pode sonhar.
No final do livro «Se eu ficar», de Gayle Forman, Mia Hall escolheu ficar – escolheu acordar do coma profundo em que se encontravpor Alexandra Martins
No final do livro «Se eu ficar», de Gayle Forman, Mia Hall escolheu ficar – escolheu acordar do coma profundo em que se encontrava, resultante do acidente de carro no qual morreram os seus pais e o seu irmãozinho, e enfrentar a terrível recuperação física e psicológica, ao lado dos avós, dos amigos e do seu namorado, Adam. É esta a ideia que nos fica quando chegamos à última página, quando fechamos o livro. Mia abriu os olhos, escolheu viver, vai recuperar e ser feliz. Como? Isso ficaria à nossa imaginação, caso não houvesse um segundo volume onde procurar as respostas que nos faltaram.
Espera por mim retoma a história três anos depois do fatídico acidente que vitimou a família Hall. Mas dá-se aqui o primeiro twist: a história é contada do ponto de vista de Adam. E não é uma história feliz. Com um fundo depressivo e escuro, este livro é muito mais adulto e maduro do que o primeiro – deixámos para trás a vozinha adolescente de Mia e encontramos agora um amargurado, torturado e instável Adam que, ao longo das páginas, nos vai dando conta da sua vida atual como estrela do rock e do que aconteceu até ele chegar aqui. Os capítulos alternam-se entre o aqui e agora e analepses que nos remetem para o período de recuperação de Mia, o momento em que ela é aceite em Julliard e parte para Nova Iorque, o lento afastamento entre o casal e a rutura abrupta por parte de Mia, que deixa de responder às mensagens, telefonemas e e-mails de Adam. Entramos então numa espiral descendente na vida de Adam, que transforma os seus sentimentos de revolta num conjunto de canções de sucesso e lança a sua banda para o estrelato. Volvidos três anos, eles são uma das bandas mais conhecidas de sempre, mas estão à beira do precipício – não se falam, não se entendem, Adam vive à base de calmantes e tem ataques de fúria contra os jornalistas. Tudo porque, segundo lhe costuma dizer a sua atual namorada, ainda não conseguiu esquecer e largar o passado.
Cadence Sinclair pertence a uma família privilegiada que se esforça por exibir classe e defender os altos valores tradicionais. São todos lindos, loirCadence Sinclair pertence a uma família privilegiada que se esforça por exibir classe e defender os altos valores tradicionais. São todos lindos, loiros e atléticos. «Ninguém é criminoso», «Ninguém é viciado», «Ninguém é um fracasso», são as frases repetidas pela narradora, Cady, e com que os Sinclair se descrevem orgulhosamente, ostentando ainda lemas como «Nunca aceites um não como resposta» ou «Faz aquilo de que tens medo», como se fossem slogans essenciais para se atingir o estatuto de nobreza americana.
Todos os verões, a família Sinclair instala-se em Beechwood, a ilha privada do patriarca, perto de Martha’s Vineyard. Nessa ilha existe a casa principal, uma casa para os empregados, várias docas, praias e campos de ténis, e casas para as três filhas, Carrie, Penny e Bess. Cady é filha de Penny, e como primeira neta, suposta herdeira da ilha e da fortuna.
As três irmãs lutam entre elas pela atenção e pela fortuna do pai Harris, que está cada vez mais demente, após a morte da esposa, Tipper. Atormentadas pelos seus fracassos pessoais, entregam-se à bebida e à autocomiseração. As crianças mais pequenas apercebem-se do que se passa, mas vivem a sua inocência, enquanto as mais velhas sentem vontade de se rebelar, de se libertar dos lemas opressivos da família Sinclair.
É pois em Beechwood que se concentra a história efabulada dos «Mentirosos», um grupo composto pelos primos adolescentes Cady, Johnny, Mirren e por Gat Patil. Este último é sobrinho do namorado da tia Carrie. É um rapaz indiano, descrito como alguém de fora (e nunca muito bem aceite pelo patriarca), mas por quem Cady está apaixonada.
Os primos observam as discussões familiares cada vez mais duras e carregadas de rancores antigos e temem que os Sinclair caminhem para a autodestruição, como nos contos de fadas, com que Cady intercala a sua história. Os «Mentirosos» congeminam então um plano para reunir toda a gente em torno de algo em comum, na esperança de uma redenção coletiva.
Entretanto Cady sofre um acidente que lhe provoca uma lesão no cérebro, deixando-a com enxaquecas crónicas e incapacitantes. Uma outra consequência do traumatismo é amnésia. Cady não se lembra de nada do que aconteceu nesse verão, quando tinha quinze anos.
Passados dois anos, Cady regressa para passar o verão em Beechwood e descobre que algo na ilha mudou. Porém, a mãe e as tias estão cada vez piores. Ninguém na família lhe explica o que aconteceu e parecem viver todos em estado de negação, movido pelo tal esforço dos Sinclair em manter as aparências. Algo que acaba por corroê-los por dentro, tanto os adultos, como as crianças. Aos poucos, Cady vai montando o puzzle de certos acontecimentos que marcaram esse verão.
«Wonder», o título em inglês deste livro de R. J. Palacio, significa maravilha, ou na sua forma verbal, admirar-se, surpreender-se, sentir curiosidade«Wonder», o título em inglês deste livro de R. J. Palacio, significa maravilha, ou na sua forma verbal, admirar-se, surpreender-se, sentir curiosidade. «Wonder» é uma daquelas palavras que, tal como «saudade», contêm nelas muito mais do que aquilo que significam objetivamente. Talvez por isso a editora decidiu-se por «Milagre» como título para a edição portuguesa. O que ainda assim, não sei se exprimirá com verdadeira justiça o otimismo, a esperança, o maravilhamento que a história nos transmite.
Auggie tem dez anos e está prestes a entrar numa escola nova. Como todas as crianças tem medo do que vai encontrar – novos professores, novos colegas, novas disciplinas, novas regras. Ainda para mais porque sempre estudou em casa, com a mãe. Porém, o desafio que está prestes a enfrentar é muito mais complicado do que à partida seria já que ele nasceu com uma deformação grave no rosto e teve de ser sujeito a inúmeras cirurgias para lhe permitir respirar normalmente, falar e comer.
Consciente do seu aspeto e de como as outras pessoas o veem à superfície, Auggie partilha com o leitor os seus medos, as suas dificuldades, com um humor, uma candura e uma franqueza desarmantes. Não há aqui lugar a condescendências, nem cinismos. As coisas são como são e ele sabe disso. Considera-se um miúdo normal – gosta de comer gelados, andar de bicicleta, jogar à bola e com a Xbox, além de ser um grande fã de A Guerra das Estrelas, só que com uma cara que leva «outros miúdos normais a fugir do parque infantil, aos gritos». Ele tem uns pais e uma irmã que o adoram, que o protegem, enchem-no de amor e carinho, mas sabe também que a irmã, Via, não o vê como um miúdo normal, caso contrário não sentiria necessidade de o proteger tanto, como ele próprio nos conta. No entanto, não se sente paralisado por isso, não deixa de se divertir, e se ao princípio se mostra muito relutante em ir para a escola nova, depois fica determinado em frequentá-la. Contudo, e tal como se esperava, não é fácil. Os miúdos são espontâneos, reagem à flor da pele, e alguns comportam-se de maneira diferente quando não estão ao pé dos pais ou de figuras de autoridade. Isso é uma coisa que Auggie aprende rapidamente.