More on this book
Community
Kindle Notes & Highlights
A extrema simplicidade é a verdadeira característica dos seres perfeitos — sugere Hermann Hesse.
Enquanto tomava assento e se dispunha a pronunciar o Om, Sidarta, num murmúrio, repetia os versos: Om é o arco; alma é a seta; Brama é o alvo da seta; Cumpre feri-lo constantemente
Om: “o presente, o passado e o futuro”. É, segundo o upanixade de Manduquia, o mundo inteiro, expressado por uma única sílaba, e ainda tudo quanto pode existir fora dos mencionados três tempos. Pronunciado de diferentes maneiras, simboliza coisas as mais diversas, tais como as horas do dia, os Vedas, os três deuses Brama, Vixna e Siva etc. (N. do T.) 2 Átman: literalmente fôlego. Em sentido figurado: a força vital, a personalidade, o eu, a alma, o princípio da vida. (N. do T.)
Gastei muito tempo e ainda não cheguei ao fim, para apenas aprender isto: que não se pode aprender nada! Acho eu que a tal coisa que chamamos “aprender” de fato não existe. Existe, sim, meu amigo, uma única sabedoria, que se acha em toda parte. É o Átman, que está em mim e em ti e em qualquer criatura. E por isso começo a crer que o pior inimigo dessa sabedoria é a sede de saber, é a aprendizagem.
“Quem, ao meditar, com o espírito purificado, se confundir com o Átman, propiciará ao seu coração indizível bem-aventurança.”
Permite-me, porém, ó moço ávido de saber, que te advirta do emaranhamento das opiniões e da disputa acerca das palavras. Pouco valor têm as opiniões, sejam elas lindas ou feias, sensatas ou estúpidas. Qualquer um pode agarrar-se a elas ou também refutá-las.
Obtiveste a redenção da morte! Ela te coube em virtude do teu próprio empenho, pelo método que é teu, pelo pensamento, pela meditação, pelo conhecimento, pela iluminação. Não a conseguiste através da doutrina! E... eis o meu raciocínio, ó Augusto... ninguém chega à redenção mediante a doutrina! A pessoa alguma, ó Venerável, poderás comunicar e revelar por meio de palavras ou ensinamentos o que se deu contigo na hora da tua iluminação!
Não me cumpre julgar a vida de outrem. Devo opinar, escolher, rejeitar unicamente no que se refere a mim mesmo.
És inteligente, ó samana. Sabes falar inteligentemente, mas, meu amigo, acautela-te contra o excesso de inteligência!
Pois lhe parecia que o verdadeiro pensar consistia no reconhecimento das causas e que, desse modo, o sentir se convertia em saber, o qual, em vez de dissipar-se, criaria forma concreta e irradiaria o seu teor.
Não havia mais aquela multiplicidade absurda, casual, do mundo dos fenômenos, desprezada pelos profundos pensadores brâmanes, que rejeitam a multiplicidade, e esforçam-se por achar a unidade. O azul era azul, o rio era rio e, posto que, nesse azul e nesse rio abrangidos por Sidarta, existisse, escondida, a ideia da unidade, o Divino, era, contudo, peculiar do Divino ser amarelo aí e azul lá, céu ali e mato acolá, e também ser Sidarta, aqui, neste lugar. O sentido e a essência não se encontravam em algum lugar atrás das coisas, senão em seu interior, no íntimo de todas elas.
Na verdade percebera, havia muito, que seu eu e o Átman eram uma e a mesma coisa e tinham a sua essência eterna em comum com o Brama. Mas nunca lograra achar esse eu, portanto se empenhara em enredá-lo nas malhas do pensamento. Posto que o corpo e o jogo dos sentidos certamente não fossem o eu, não convinha tampouco identificar com ele o pensamento, a inteligência, a sabedoria assimilada ou, finalmente, a técnica de tirar conclusões e de tecer, à base de raciocínios feitos, pensamentos novos. Não!, também essa esfera do espírito pertencia ainda a este mundo. Quem matasse o eu casual dos
...more
Todas as pessoas são capazes de alcançar os seus objetivos, desde que saibam pensar, esperar, jejuar.
Ora, o que morrera no seu íntimo era outra coisa, algo que havia muito desejava ser exterminado. Não era precisamente aquilo que ele quisera extinguir no ardor dos seus anos de penitência? Não era a sua própria personalidade, o seu eu mesquinho, angustiado, orgulhoso, com o qual travara uma luta de longos anos, que uma e outra vez triunfara sobre ele, que sempre ressuscitara, por mais que ele o abatesse, que lhe vedara a felicidade e lhe incutira o medo? O que encontrara a morte, até que enfim, nessa selva, na ribeira desse belo rio, não seria justamente esse eu? E não o reconduzirá essa mesma
...more
contemplei a minha vida, e ela também era um rio. O menino Sidarta não estava separado do homem Sidarta e do ancião Sidarta, a não ser por sombras, porém, nunca por realidades. Tampouco eram passado os nascimentos anteriores de Sidarta, como não fazia parte do porvir a sua morte, com o retorno ao Brama. Nada foi, nada será; tudo é, tudo tem existência e presente.
Não, o verdadeiro buscador, aquele que realmente se empenhasse em achar algo, jamais poderia submeter-se a nenhuma doutrina. Mas, quem tivesse encontrado alguma solução, seria capaz de aprovar toda e qualquer doutrina, todos os caminhos e objetivos, já que nada mais o distanciaria dos milhares de outros homens que viviam na Eternidade e impregnavam-se do Divino.
Lentamente desabrochava e amadurecia no espírito de Sidarta a percepção, o conhecimento daquilo que na verdade significava sabedoria e devia ser a meta das suas buscas prolongadas. Nada era a não ser uma predisposição da alma, a faculdade, a arte secreta de conceber, a cada instante, em plena vida, a ideia da unidade, de sentir a unidade, de encher dela os pulmões. Pouco a pouco, essa certeza crescia nele e seu reflexo aparecia no rosto velho e todavia infantil, de Vasudeva, revelando harmonia, ciência da eterna perfeição do cosmo, sorriso, unidade.
Sidarta escutava. Naquele momento, era todo ouvidos, entregando-se por inteiro à própria atenção, receptáculo totalmente vazio, prestes a encher-se. Sentia que àquela hora atingiria a derradeira perfeição na arte de escutar. Quantas vezes não ouvira todos aqueles rumores, a multiplicidade das vozes que vinham do rio, mas naquele dia lhe pareciam novas. Já não era capaz de identificá-las. Não conseguia distinguir as vozes jubilosas das choronas, as infantis das másculas. Todas elas formavam uma só, a lamentação da nostalgia, a risada do ceticismo, o grito da cólera e o estertor da agonia. Tudo
...more
Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida; a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade.
que procuras demais, que de tanta busca não tens tempo para encontrar coisa alguma.
Quando alguém procura muito — explicou Sidarta — pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente. Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu, ó Venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que se encontram bem perto dos
...more
a sabedoria não pode ser comunicada. A sabedoria que um sábio quiser transmitir sempre cheirará a tolice.
Os conhecimentos podem ser transmitidos, mas nunca a sabedoria. Podemos achá-la; podemos vivê-la; podemos consentir em que ela nos norteie; podemos fazer milagres através dela. Mas não nos é dado pronunciá-la e ensiná-la.
“O oposto de cada verdade é igualmente verdade.” Isso significa: uma verdade só poderá ser comunicada e formulada por meio de palavras quando for unilateral. Ora de unilateral é tudo quanto possamos apanhar pelo pensamento e exprimir pela palavra. Tudo aquilo é apenas um lado das coisas, não passa de parte, carece de totalidade, está incompleto, não tem unidade. Sempre que o augusto Gotama nas suas aulas nos falava do mundo, era preciso que o subdividisse em Sansara e Nirvana, em ilusão e verdade, em sofrimento e redenção. Não se pode proceder de outra forma. Não há outro caminho para quem
...more
O mundo, amigo Govinda, não é imperfeito e não se encaminha lentamente rumo à perfeição. Não! A cada instante é perfeito. Todo e qualquer pecado já traz em si a graça. Em todas as criancinhas já existe o ancião.
Unicamente o meu consenso, a minha vontade, a minha compreensão carinhosa são necessários para que todas as coisas sejam boas, a ponto de somente me trazerem vantagens, sem nunca me prejudicarem. No meu corpo e na minha alma fiz a experiência de quanto carecia do pecado, da volúpia, da cobiça de bens materiais, da vaidade, de quanto precisava até do mais abjeto desespero, para que aprendesse a desistir da minha obstinação, a querer bem ao mundo, a cessar de compará-lo a qualquer outro mundo imaginário, que correspondesse aos meus desejos, a algum tipo de perfeição brotado do meu cérebro e para
...more

