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February 11 - February 15, 2023
O pensamento — para chamá-lo por nome mais imponente que o merecido — havia lançado sua linha na correnteza. Minuto após minuto, ela oscilou aqui e ali entre os reflexos e as ervas silvestres, ao sabor da água, que a erguia e a afundava, até (vocês conhecem aquele puxãozinho) sentir a súbita consolidação de uma ideia na ponta da linha: então, foi só puxá-la com cautela e expô-la cuidadosamente. Mas, ai de mim! Estendido na grama, quão insignificante pareceu esse meu pensamento, o tipo de peixe que o bom pescador devolve à água para que possa engordar e merecer, um dia, ser preparado e comido.
Por menor que fosse, porém, ele tinha, ainda assim, a misteriosa propriedade dos de sua espécie — devolvido à mente, logo se tornou muito excitante e importante, e, enquanto ele arremetia e mergulhava, e se movia como um relâmpago de um lado para outro, desencadeou uma tal marulhada e tumulto de ideias, que me foi impossível permanecer calmamente sentada.
A única acusação que eu poderia levantar contra os fellows e os estudantes de qualquer que fosse aquela universidade era que, para protegerem sua grama, há trezentos anos seguidos sendo aparada, eles haviam feito meu peixinho esconder-se.
Além disso, lembrei-me, enquanto punha esse plano em execução, é nessa famosa biblioteca que se conserva também o manuscrito do Esmond, de Thackeray. Os críticos frequentemente afirmam que Esmond é o mais perfeito dos romances de Thackeray. Mas a afetação do estilo, com sua imitação do século XVIII, é um empecilho, tanto quanto possa lembrar-me; a menos, é claro, que o estilo do século XVIII fosse natural em Thackeray — um fato que se poderia comprovar examinando o manuscrito e verificando se as alterações foram feitas em benefício do estilo ou do sentido. Mas, nesse caso, seria necessário
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Que uma biblioteca famosa tenha sido amaldiçoada por uma mulher é motivo de total indiferença para uma biblioteca famosa. Venerável e calma, com todos os seus tesouros seguramente trancafiados em seu bojo, ela dorme complacentemente e, no que me diz respeito, há de dormir para sempre. Nunca despertarei esses ecos, nunca buscarei novamente essa hospitalidade, jurei enquanto descia os degraus, enfurecida.
É um fato curioso como os romancistas têm um jeito de fazer-nos crer que os almoços são invariavelmente memoráveis por algo muito espirituoso que se disse ou muito sábio que se fez. Raramente, porém, desperdiçam sequer uma palavra sobre o que se comeu. Faz parte do consenso dos romancistas não mencionar sopa, salmão e pato, como se sopa, salmão e pato não tivessem importância alguma, como se ninguém jamais tivesse fumado um charuto ou bebido um copo de vinho.
Antes da guerra, num almoço como esse, as pessoas diriam precisamente as mesmas coisas, mas elas teriam soado diferente, pois, naqueles dias, eram acompanhadas de uma espécie de cantarolar, não articulado, mas musical, excitante, que alterava o valor das próprias palavras.
Como já disse que era um dia de outubro não me atrevo a perder o seu respeito e pôr em risco o bom nome da ficção mudando a estação e descrevendo lilases pendendo de muros de jardins, açafrões, tulipas e outras flores da primavera. A ficção deve ater-se aos fatos e, quanto mais verdadeiros os fatos, melhor a ficção — é o que nos dizem.
Agora, se ela tivesse entrado no mundo dos negócios, se se tivesse tornado fabricante de seda artificial ou magnata da Bolsa de Valores; se tivesse deixado duzentas ou trezentas mil libras para Fernham, poderíamos ter-nos sentado à vontade esta noite e talvez o assunto de nossa conversa tivesse sido arqueologia, botânica, antropologia, física, a natureza do átomo, matemática, astronomia, a relatividade ou geografia. Se apenas a sra. Seton e sua mãe e a mãe de sua mãe tivessem aprendido a grande arte de ganhar dinheiro e tivessem deixado seu dinheiro, como fizeram seus pais e seus avós antes
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Pois fazer doações para uma faculdade exigiria a completa eliminação de famílias. Fazer fortuna e ter treze filhos… nenhum ser humano suportaria isso.
Assim, regressei à minha hospedaria e, enquanto percorria as ruas escuras, fiquei pensando nisto e naquilo, como se faz ao final de um dia de trabalho. Fiquei pensando por que foi que a sra. Seton não teve dinheiro algum para nos deixar; e que efeito exerce a pobreza na mente; e que efeito exerce a riqueza na mente; e pensei nos curiosos cavalheiros de idade que vira essa manhã com tufos de pele nos ombros; e lembrei-me de como, se alguém assobiasse, um deles corria; e pensei no órgão ressoando na capela e nas portas fechadas da biblioteca; e pensei em como é desagradável ser trancada do lado
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Pois a visita a Oxbridge e o almoço e o jantar tinham dado início a um enxame de perguntas. Por que os homens bebiam vinho e as mulheres, água? Por que um sexo era tão próspero e o outro, tão pobre? Que efeito tinha a pobreza na ficção? Quais as condições necessárias para a criação de obras de arte? — mil perguntas insinuavam-se a um só tempo. Mas era preciso obter respostas, não perguntas; e uma resposta só poderia ser obtida consultando-se os doutos e os imparciais que se haviam colocado acima das contendas verbais e confusões do corpo e emitido o resultado de seu raciocínio e de suas
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Como chegarei a encontrar as sementes de verdade enterradas em toda esta massa de papel?, perguntei a mim mesma, e em desespero comecei a percorrer com os olhos a longa lista de títulos. Até os títulos dos livros davam-me alimento para o pensamento. O sexo e sua natureza bem poderiam atrair médicos e biólogos; mas o surpreendente e de difícil explicação era o fato de que o sexo — quer dizer, a mulher — atrai também ensaístas agradáveis, romancistas desonestos, rapazes com diploma de licenciatura em letras; homens sem diploma algum; homens sem qualificação aparente, salvo o fato de não serem
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Goethe exaltou-as; Mussolini despreza-as. Para onde quer que se olhasse, os homens pensavam nas mulheres, e pensavam diferentemente. Era impossível, decidi, dar qualquer sentido àquilo tudo, espiando com inveja o leitor vizinho, que fazia os mais concisos resumos, frequentemente encabeçados por um A, um B ou um C, enquanto meu próprio caderno de notas tumultuava-se com os mais insubordinados rabiscos de anotações contraditórias. Era aflitivo, era desnorteador, era humilhante. A verdade escoara por entre meus dedos. Gota a gota, me havia escapado.
Qualquer que fosse a razão, o professor ganhara uma aparência muito zangada e muito feia em meu esboço, enquanto escrevia seu grande livro sobre a inferioridade mental, moral e física das mulheres.
Um exercício muito elementar de psicologia, que não deve ser honrado com o nome de psicanálise, mostrou-me, ao examinar meu caderno de notas, que o esboço do professor zangado fora feito com raiva. A raiva se apossara de meu lápis, enquanto eu sonhava. Mas o que estaria a raiva fazendo ali? Interesse, confusão, divertimento, tédio — todas essas emoções eu conseguia rastrear e nomear à medida que se sucederam por toda a manhã. Teria a raiva, a serpente escura, estado emboscada entre elas? Sim, dizia o esboço, tinha.
Com exceção da neblina, ele parecia controlar tudo. E mesmo assim, estava com raiva. Eu sabia que ele estava com raiva devido a esse sinal. Quando li o que ele escreveu sobre as mulheres, pensei não no que ele dizia, mas nele mesmo. Quando um argumentador argumenta desapaixonadamente, pensa apenas na argumentação; e o leitor não consegue deixar de pensar também no argumento. Se ele tivesse escrito imparcialmente sobre as mulheres, se tivesse usado provas inquestionáveis para estabelecer sua argumentação e não tivesse demonstrado sinal algum de desejar que o resultado fosse uma coisa e não
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Possivelmente, quando o professor insistia um tanto enfaticamente demais na inferioridade das mulheres, não estava preocupado com a inferioridade delas, mas com sua própria superioridade. Era isso que ele estava protegendo de modo um tanto exaltado e com excessiva ênfase, pois era para ele uma joia do mais raro valor.
Será que explica meu assombro do outro dia, quando Z, um sujeito extremamente humano, o mais despretensioso dos homens, pegando um livro de Rebecca West e lendo-lhe um trecho, exclamou: “Essa rematada feminista! Ela diz que os homens são esnobes!” A exclamação, para mim tão surpreendente — pois por que seria a srta. West uma rematada feminista, por fazer uma afirmação possivelmente verdadeira, se bem que pouco elogiosa, sobre o sexo oposto? —, não era simplesmente o brado da vaidade ferida: era um protesto contra alguma violação de seu poder de acreditar em si mesmo. Em todos esses séculos, as
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Isso serve para explicar, em parte, a indispensável necessidade que as mulheres tão frequentemente representam para os homens. E serve para explicar o quanto se inquietam ante a crítica que elas lhes fazem, o quanto impossível é para a mulher dizer-lhes que este livro é ruim, este quadro é fraco, ou seja lá o que for, sem magoar muito mais e despertar muito mais raiva do que um homem formulando a mesma crítica. É que, quando ela começa a falar a verdade, o vulto no espelho encolhe, sua aptidão para a vida diminui.
A notícia da herança me chegou certa noite quase simultaneamente com a aprovação do decreto que deu o voto às mulheres. A carta de um advogado caiu na caixa do correio e, quando a abri, descobri que ela me havia deixado por toda a vida quinhentas libras anuais. Dos dois — o voto e o dinheiro — o dinheiro, devo admitir, pareceu-me infinitamente mais importante.
De fato, pensei, deixando a prata escorregar para dentro de minha bolsa, é impressionante, recordando a amargura daqueles dias, a mudança de ânimo que uma renda fixa promove. Nenhuma força no mundo pode arrancar-me minhas quinhentas libras. Comida, casa e roupas são minhas para sempre. Assim, cessam não apenas o esforço e o trabalho árduo, mas também o ódio e a amargura. Não preciso odiar homem algum: ele não pode ferir-me. Não preciso bajular homem algum: ele nada tem a dar-me.
Pois é um enigma perene a razão por que nenhuma mulher escreveu uma só palavra daquela extraordinária literatura, quando um em cada dois homens, parece, era dotado para a canção ou o soneto. Quais eram as condições em que viviam as mulheres, perguntei-me; pois a ficção, trabalho imaginativo que é, não cai como um seixo no chão, como talvez ocorra com a ciência; a ficção é como uma teia de aranha, muito levemente presa, talvez, mas ainda assim presa à vida pelos quatro cantos. Muitas vezes a ligação mal é perceptível; as peças de Shakespeare, por exemplo, parecem sustentar-se ali, completas,
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De fato, se a mulher só existisse na ficção escrita pelos homens, poder-se-ia imaginá-la como uma pessoa da maior importância: muito versátil; heroica e mesquinha; admirável e sórdida; infinitamente bela e medonha ao extremo; tão grande quanto o homem e até maior, para alguns.[ 10 ] Mas isso é a mulher na ficção. Na realidade, como assinala o professor Trevelyan, ela era trancafiada, surrada e atirada pelo quarto.
Um ser muito estranho, complexo, emerge então. Na imaginação, ela é da mais alta importância; em termos práticos, é completamente insignificante. Ela atravessa a poesia de uma ponta à outra; por pouco está ausente da história. Ela domina a vida de reis e conquistadores na ficção; na vida real, era escrava de qualquer rapazola cujos pais lhe enfiassem uma aliança no dedo. Algumas das mais inspiradas palavras, alguns dos mais profundos pensamentos saem-lhe dos lábios na literatura; na vida real, mal sabia ler, quase não conseguia soletrar e era propriedade do marido.
Teria sido extremamente incomum, mesmo considerando apenas essa amostra, que de repente uma delas houvesse escrito as peças de Shakespeare, concluí, e pensei naquele cavalheiro idoso, já morto, mas bispo, acho eu, que declarou ser impossível a qualquer mulher, do passado, do presente ou por vir, ter a genialidade de Shakespeare. Ele escreveu aos jornais a respeito. Disse também, a uma dama que o consultou em busca de informações, que os gatos, na verdade, não vão para o céu, embora tenham, acrescentou, uma espécie de alma. Quantos pensamentos aqueles velhos cavalheiros costumavam poupar-nos!
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Não obstante, alguma espécie de talento deve ter existido entre as mulheres, como deve ter existido entre as classes operárias. Vez por outra, uma Emily Brontë, ou um Robert Burns, explode numa chama e prova sua presença. Mas certamente esse talento nunca chegou ao papel. Quando, porém, lemos sobre uma feiticeira atirada às águas, sobre uma mulher possuída por demônios, sobre uma bruxa que vendia ervas, ou até sobre um homem muito notável que tinha mãe, então penso estarmos na trilha de uma romancista perdida, uma poetisa reprimida, de alguma Jane Austen muda e inglória, alguma Emily Brontë
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qualquer mulher nascida com um grande talento no século XVI teria certamente enlouquecido, teria se matado com um tiro, ou terminado seus dias em algum chalé isolado, fora da cidade, meio bruxa, meio feiticeira, temida e ridicularizada.
Assim renderam homenagem à convenção — que, se não implantada pelo outro sexo, foi fartamente incentivada por ele (a glória maior da mulher é não ser falada, disse Péricles, ele próprio um homem muito falado) — de que a publicidade nas mulheres é detestável.
Mas para as mulheres, pensei, olhando para as prateleiras vazias, essas dificuldades eram infinitamente mais descomunais. Em primeiro lugar, ter um quarto próprio — sem falar num quarto sossegado ou num quarto à prova de som — estava fora de questão, a menos que seus pais fossem excepcionalmente ricos ou muito nobres, mesmo no início do século XIX. Uma vez que seu dinheiro para os alfinetes, que dependia da boa vontade do pai, dava apenas para mantê-la vestida, ela se privava mesmo dos paliativos que representavam até para Keats, ou Tennyson ou Carlyle, todos homens pobres, um passeio a pé,
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A história da oposição dos homens à emancipação das mulheres talvez seja mais interessante do que a história da própria emancipação. Seria possível escrever um livro divertido sobre isso, caso alguma jovem aluna de Girton ou Newnham colhesse exemplos e deduzisse uma teoria — mas ela precisaria de luvas grossas nas mãos e de barras de ouro maciço a protegê-la.
A extrema atividade mental que se revelou entre as mulheres no final do século XVIII — as conversas, as reuniões, a redação de ensaios sobre Shakespeare, a tradução dos clássicos — baseou-se no sólido fato de que as mulheres podiam ganhar dinheiro escrevendo. O dinheiro dignifica aquilo que é frívolo quando não é remunerado.
As obras-primas não são frutos isolados e solitários; são o resultado de muitos anos de pensar em conjunto, de um pensar através do corpo das pessoas, de modo que a experiência da massa está por trás da voz isolada.
E, como se queixaria tão veementemente srta. Nightingale — “as mulheres nunca dispõem de meia hora… que possam chamar de sua” —, ela era sempre interrompida. Mesmo assim, seria mais fácil escrever ali prosa e ficção do que escrever poesia ou uma peça. Exige-se menos concentração. Jane Austen escreveu assim até o fim de seus dias. “Como conseguiu fazer tudo isso”, diz o sobrinho dela em suas Memórias, “é surpreendente, pois ela não tinha um estúdio próprio para onde pudesse ir, e a maior parte do trabalho deve ter sido feita na sala de estar comum, sujeita a todo tipo de interrupções
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Por conseguinte, quando a mulher da classe média dedicou-se a escrever, naturalmente escreveu romances, muito embora, como parece bastante óbvio, duas das quatro mulheres famosas aqui apontadas não fossem romancistas por natureza. Emily Brontë deveria ter escrito peças poéticas; o fluxo abundante da grande capacidade mental de George Eliot ter-se-ia expandido quando o impulso criador fosse despendido na história ou na biografia. Elas escreveram romances, no entanto; e pode-se até ir mais longe, disse eu, retirando Orgulho e preconceito da prateleira, e dizer que escreveram bons romances.
E, pus-me a imaginar, seria Orgulho e preconceito um romance melhor se Jane Austen não tivesse considerado necessário esconder seu manuscrito dos visitantes? Li uma ou duas páginas para verificar, mas não consegui encontrar sinal algum de que as circunstâncias em que ela viveu tivessem causado o menor dano a seu trabalho. Esse talvez fosse o principal milagre daquilo.
“Quando estava assim a sós, não era infrequente eu ouvir o riso de Grace Poole. (…)” Essa é uma interrupção inoportuna, pensei. É irritante esbarrar de repente em Grace Poole. A continuidade é interrompida. Poder-se-ia dizer, prossegui, depositando o livro ao lado de Orgulho e preconceito, que a mulher que escreveu essas páginas tinha mais talento do que Jane Austen; mas, quando alguém as lê e lhes nota aquele tranco, aquela indignação, percebe que ela jamais conseguirá expressar seu talento integral e completamente.
se, de algum modo, tivesse tido maior conhecimento do mundo agitado, das cidades, e das regiões plenas de vida; mais experiência prática, intercâmbio com gente de seu tipo e relações com uma variedade de pessoas. Nessas palavras, ela coloca o dedo exatamente não apenas em seus próprios defeitos como romancista, mas também nos de seu sexo naquela época. Ela sabia, e ninguém poderia saber melhor, a enormidade que seu talento teria se beneficiado caso não se houvesse desperdiçado em visões solitárias para além de campos distantes, se lhe tivessem sido concedidos experiência, intercâmbio e
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Houvesse Tolstói vivido em reclusão no convento com uma mulher casada, “cortado do que se chama mundo”, e, por mais edificante que fosse a lição moral, dificilmente (pensei eu) teria escrito Guerra e paz.
E, no entanto, são os valores masculinos que prevalecem. Falando cruamente, o futebol e o esporte são “importantes”; o culto da moda e a compra de roupas são “insignificantes”. E esses valores são inevitavelmente transferidos da vida para a ficção. Esse é um livro importante, pressupõe o crítico, porque lida com a guerra. Esse é um livro insignificante, pois lida com os sentimentos das mulheres numa sala de visitas.
Charlotte Brontë, com todo o seu dom esplêndido para a prosa, tropeçou e caiu com essa arma desajeitada nas mãos. George Eliot cometeu com ela atrocidades que ultrapassam qualquer descrição. Jane Austen olhou-a, riu-se dela e concebeu uma frase perfeitamente natural e bem equilibrada para seu próprio uso, e nunca se afastou dela. Assim, com menos talento para escrever do que Charlotte Brontë, conseguiu dizer infinitamente mais.
“Chloe gostava de Olivia”, li. E então ocorreu-me que imensa mudança havia ali. Chloe talvez gostasse de Olivia pela primeira vez na literatura. Cleópatra não gostava de Otávia. E de que forma total ter-se-ia alterado Antônio e Cleópatra se ela gostasse! De qualquer modo, pensei, temo que deixando minha mente afastar-se um pouco de A aventura da vida, a coisa toda se simplifica, se convencionaliza, se assim ousarmos dizê-lo, até o absurdo. O único sentimento de Cleópatra a respeito de Otávia é de ciúme. Será que ela é mais alta do que eu? Como penteia seu cabelo? Talvez a peça não exigisse
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Agora, tudo isso, é claro, teve de ser deixado de fora, e assim o esplêndido retrato da mulher fictícia é excessivamente simples e demasiadamente monótono. Suponhamos, por exemplo, que os homens só fossem representados na literatura como apaixonados pelas mulheres, e nunca fossem amigos de homens, soldados, pensadores, sonhadores; que pequena quantidade de papéis nas peças de Shakespeare lhes poderiam ser atribuídos, como sofreria a literatura! Talvez pudéssemos ter a maior parte de Otelo e uma boa parcela de Antônio, mas nenhum César, nenhum Brutus, nenhum Hamlet, nenhum Lear, nenhum Jacques
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O poeta foi forçado a ser apaixonado ou amargo, a menos, de fato, que optasse por “odiar as mulheres”, o que significava, não raro, que ele era pouco atraente para elas.
Pois todos os jantares foram preparados; os pratos e copos, lavados; as crianças mandadas para a escola e mergulhadas no mundo. Nada resta de tudo isso. Tudo se evaporou. Nenhuma biografia ou história tem uma palavra a dizer a esse respeito. E os romances, sem que o pretendam, mentem inevitavelmente.
De fato, era delicioso ler novamente um texto de homem. Era tão direto, tão reto depois dos escritos das mulheres. Indicava tanta liberdade mental, tanta liberdade pessoal, tanta confiança em si mesmo. Tinha-se uma sensação de bem-estar físico na presença dessa mente bem nutrida, bem-educada e livre, que nunca fora impedida ou contrariada, mas tivera ampla liberdade, desde o nascimento, para estender-se da maneira que bem lhe aprouvesse.
Não, é uma mulher. Mas… ela não tem um só osso no corpo, pensei, observando Phoebe, pois esse era seu nome, caminhando pela praia. E então Alan ergueu-se e a sombra de Alan imediatamente obliterou Phoebe. Pois Alan tinha opiniões, e Phoebe se extinguia na torrente de suas opiniões. E depois, pensei, Alan tem paixões; e aqui virei muito depressa uma página após outra, sentindo que a crise se aproximava, e se aproximava mesmo.
Foi feita vigorosamente. Nada poderia ser mais indecente. Mas… Eu já tinha dito “mas” com demasiada frequência. Não se pode continuar dizendo “mas”. É preciso concluir a frase de algum modo, repreendi-me. Devo concluí-la, “Mas… estou entediada!” Mas por que estava eu entediada?
“O poeta pobre não tem hoje em dia, nem teve nos últimos duzentos anos, a mínima chance… uma criança pobre na Inglaterra tem pouco mais esperança do que tinha o filho de um escravo ateniense de emancipar-se até a liberdade intelectual de que nascem os grandes textos.”
Mesmo assim poderão vocês objetar: Por que você atribui tanta importância a que as mulheres escrevam livros, quando, em sua opinião, isso exige tanto esforço, leva talvez ao assassinato das próprias tias, quase certamente faz com que a pessoa se atrase para o almoço e pode levá-la a discussões muito sérias com certos ótimos sujeitos? Meus motivos, permitam-me admitir, são parcialmente egoístas. Como a maioria das inglesas incultas, gosto de ler — gosto de ler livros a granel. Nos últimos tempos, minha dieta tornou-se um tantinho monótona; a história envolve excessivamente as guerras; a
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