Velhos são os outros (Portuguese Edition)
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Read between November 30 - December 4, 2020
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Aprendi cedo que somos capazes de nos resignar com a morte, porque há nela um princípio inegociável de igualdade. Morremos todos. Não há luta de classes, de gênero, de religião que se sobreponha a tal realidade. A velhice, no entanto, não é igual. Muito menos coroa algum princípio de justiça.
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Reconhecer as impossibilidades concretas de um amor é também uma forma de amar.
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Como lidar com o fato de que alguém desmaterializa e não deixa rastros, pistas, informações? Como chorar uma perda sem um corpo que comprove a partida?
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Entre ofícios enviados, reiterados, pedidos de mais documentos e uma enorme quantidade de papel, impedindo que se enxerguem pessoas no lugar das laudas, é fácil ingressar na engrenagem que nos transforma em ferramentas inanimadas, repetidoras do mesmo padrão de paralisia e ineficiência. É banal perder a capacidade de nos vermos como protagonistas das mudanças importantes, pensava eu dias depois,
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Voltei às pilhas de processo disposta a não ceder à irracionalidade que nos transforma, compulsoriamente, em cumpridores de metas e escravos de números. A eficiência só faz sentido quando a serviço das pessoas.
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Era um dos meus fantasmas também. Aliás, quem vive meio século e tem a sorte de ver os pais envelhecendo com capacidade laborativa e autonomia vez ou outra tem pesadelos com a degeneração. Deve ser mais ou menos o que acontece quando grávidas sonham com crianças sem dedos e amanhecem suadas ante o horror do inconsciente, que nos remete a abismos que nem supúnhamos existir.
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Deve ser aquele canto percebido pelo escritor e educador Rubem Alves, quando diz que os olhos dos velhos vão se enchendo de ausências.
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Existimos pelo olhar do outro. No começo, no meio e no fim.
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O medo tem o tamanho da nossa ignorância.
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Embora desejável, o amor familiar não é um sentimento natural. Precisa ser regado, cuidado, aninhado.
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Não há lei, muito menos juiz, que reescreva a história da vida dos outros. As tentativas nos julgamentos é buscar, sempre que possível, a redução de danos.
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Eu me sentia uma porta atrás de outra porta. Eu me sentia parte integrante dos balcões, escaninhos, dos barbantes, grampos, carimbos e papéis. Aprendemos a conviver com tantos paradoxos e iniquidades que mal percebemos quando viramos, nós mesmos, máquinas desse sistema que não enxerga o outro como destinatário da justiça que deveríamos distribuir.
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A burocracia não é um processo natural da vida. Ao contrário da respiração e dos batimentos cardíacos do seu Fernandes, que continuavam pulsando ordenadamente no compasso da existência. As regras se destinam às pessoas e não à preservação da burrice que nada vê e nada sente. Imaginar que os riscos de fraude que levam a esse tipo de controle são maiores que a presunção da boa-fé e do respeito que se deve ter por outro homem, especialmente por aquele que ousou viver 90 anos nesse contexto, é sucatear a humanidade.
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Nós somos as circunstâncias e as memórias que conseguimos tatuar na alma ao longo da vida. O que foi vivido é um patrimônio significativo e valioso.
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Somos não só o que lembramos, mas também o que lembram de nós.
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A velhice não nos deixa necessariamente mais sábios nem mais compreensivos.
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As rugas são histórias pessoais e intransferíveis, como impressões digitais.
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Também no processo de envelhecimento as classes sociais se organizam em castas. Ainda que as mesmas doenças e as mesmas deteriorações não escolham padrão financeiro, com dinheiro é mais fácil preservar ao menos a imagem e a aparência.
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Era inimaginável que a vida prosseguisse depois de uma tragédia como aquela. Mas a vida segue, com ou sem a nossa disposição. Ignorando as nossas dores ou o desejo de inércia no quarto escuro, o dia volta a amanhecer e o tempo continua a agir, apesar das nossas contrariedades.
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o que seria dos desejos não fosse a nossa capacidade de sonhar com o que não existe?
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Há um determinado momento em que as lembranças passam a integrar a vida no presente, de maneira preponderante. Não com gosto de ressentimento ou estagnação, mas como matéria viva da alma.
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Somos feitos de carne, osso, paixões e memórias. Os amores devastadores, as dores definitivas e sepultadas, os vínculos e os afetos, os ódios, as amizades, as histórias se entranham nos músculos e nos definem em humanidade.
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Uma das experiências mais tristes, em processos de curatela, quando os velhos perdem a memória, é a constatação de que não se morre apenas quando o coração para de bater, mas quando se é apropriado, ainda respirando, por pessoas que desconsideram o passado e o respeito que uma vida merece.
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É a brevidade da vida o que a torna encantadora.