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Dizem que um cão vive enquanto tem dentes; metaforicamente, tinham-lhe arrancado os dentes e fora Mundt quem os arrancara.
Há uma espécie de estupidez característica dos ébrios, sobretudo quando estão sem beber, uma espécie de incoerência, de desapego, que os maus observadores interpretam como incerteza e que Leamas pareceu adquirir com extraordinária rapidez.
talvez aquela decadência os assustasse como nos assustam os aleijados, os mendigos e os inválidos, pelo nosso receio de vir a ser como eles —,
É um fanático que não deseja converter os outros, e isso é perigoso.
Ashe era um exemplar típico daquela camada da humanidade que conduz as suas relações sociais de acordo com um princípio de desafio e reação. Se encontrava brandura, avançava; se encontrava resistência, recuava.
que trapaceiros, mentirosos e criminosos são capazes de resistir a todas as tentações e que cavalheiros respeitáveis são às vezes levados a cometer espantosas traições a troco de um cantinho num organismo oficial.
Era uma situação que ambos percebiam: Leamas rejeitava altivamente estabelecer relações humanas com Peters, pois o seu orgulho proibia-o; Peters sabia que, por essa razão, Leamas mentiria. Mentiria talvez apenas por omissão, mas mentiria!
Diz-se que os condenados à morte experimentam súbitos momentos de euforia, como se, à semelhança do que acontece com as borboletas atraídas pela luz, a sua destruição coincidisse com uma vitória.
Querem lidar com um homem que compraram, querem o entrechoque de polos opostos, Alec, e não um convertido passivo.
Um homem que representa um papel, não para outros, mas sozinho, expõe-se a perigos psicológicos evidentes.
Diz-se que, no seu leito de morte, Balzac perguntava, ansiosamente, pela saúde e pela prosperidade dos personagens que criara; do mesmo modo Leamas, sem renunciar ao poder de invenção, identificava-se com o que inventara.
Só muito raramente, como ao deitar-se naquela noite, se concedia o luxo perigoso de reconhecer a grande mentira que vivia.
Costumava dizer também que quem trabalhava na contraespionagem era como os ferreiros: precisava de um homem, com um martelo, atrás de si, para bater o ferro quente antes de se esquecer do que pretendia realizar. “Serei o seu martelo”,
Às vezes, pensava que Alec tinha razão: acredita-se nisto ou naquilo porque é preciso acreditar; o objeto da fé não possui valor por si só, nem finalidade intrínseca.
Que julga você que são os espiões? Sacerdotes, santos, mártires? São um miserável cortejo de vãos idiotas e traidores, de maricas, sádicos e bêbados, de tipos que brincam de mocinho e bandido para animarem as vidas fracassadas! Imagina que se sentam em Londres, como frades, pesando o bem e o mal? Eu próprio teria matado Mundt se pudesse; odeio-o. Mas agora não, agora não, porque sei que precisam dele. Precisam dele para que a grande massa mentecapta que você admira possa dormir tranquila na sua cama; precisam dele para a segurança das pessoas comuns, como você e eu!
Não vê que não acredito em nada, nem sequer na destruição ou na anarquia? Estou farto, saturado de tanta matança, mas não vejo que outra coisa se possa fazer.

