Castanheiro
Tivemos a sorte de crescer entre árvores. Subimos tangerineiras, nespereiras e ameixieiras. Fizemos cachimbos de brincar com bolotas de carvalho, arcos e flechas com ramos de amoreira, balizas de futebol com troncos de faia (com cujas folhas também fazíamos assobios).
Quando chegávamos ao castanheiro grande, detínhamo-nos.
Entre a mata do meu avô e a do meu pai, ligadas por detrás dos quintais de outros vizinhos, havia uns vinte castanheiros. Aliás, erguiam-se por aí acima mais árvores imponentes. Duas nogueiras lindas. Eucaliptos. Criptomérias.
Nenhuma como o castanheiro grande.
O castanheiro grande era o nosso lugar de reverência. Havia uma mata para cá do castanheiro grande e outra para lá dele. Almoçávamos sob a sua sombra, nos dias em apanhávamos o marrolho. Fazíamos tendas debaixo dele, durante o Verão, e nenhum outro foi tão generoso quando, adolescente já, o meu avô me deixou ser eu a tratar das castanhas, porque precisava de dinheiro para comprar uma máquina de escrever.
Um dia escrevo desse Outono em que fui vendedor de castanhas.
O castanheiro grande tombou no Outono de 2012, durante uma ventania menor. Eu tinha voltado há poucos meses. Olhei as suas raízes arrancadas da terra e, de repente, achei que havia uma hipótese de não ser feliz.
Fez-me lembrar aqueles versos do Ramos Rosa «O que tentam dizer as árvores/ no seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,/ o sentido que têm no lugar onde estão,/ a reverência, a ressonância, a transparência// (…) Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus ramos.» Usei-os uma vez, numa epígrafe, mas só agora os percebo por completo.
Há algo nas grandes árvores que se assemelha aos homens. Mas não são elas que são metáfora para nós: somos nós quem é metáfora para elas.
* Diário de Notícias, Fevereiro 2015


