A minha horta
O meu vizinho de baixo já tem a horta em bom ritmo. Não é o meu vizinho: é um senhor a quem ele, lá do Canadá, emprestou o terreno. Ainda não sei o seu nome, mas já trocamos impressões, eu fumando na varanda e ele sentando-se numa pedra, para descansar.
As favas crescem viçosas e os regos para as batatas estão abertos. A seguir virão as curgetes, os tomates e outras coisas com que espera impressionar-me. Gosta do meu interesse e creio que, de alguma maneira rude e doce, já me considera um amigo. Tem a sensação de que eu sei alguma coisa do que falo.
Até sei.
No ano em que vim, já não fui a tempo de fazer uma horta de Primavera. Fiz uns canteiros no Outono, que a monda absorveu, e semeei umas batatas fora de tempo, de que não comi mais de meia dúzia. Os coelhos atacaram-me couves, alfaces e repolhos. Passei a concentrar-me neles.
Foi uma luta insana, que durou longas semanas. Experimentei de tudo: extractos de alho, pedras pintadas de cal, trincheiras de cinza. Pedi ao meu pai para vir cá com a espingarda. Cheguei a instalar laços, até saber que era proibido.
Nunca apanhei nenhum.
A certa altura, parecia o caçador do Bugs Bunny: ia à cidade comprar mais plantio, enfiava tudo na terra e punha-me à espreita, até se me pestanejarem as pálpebras de cansaço. Quando as abria, já tinham comido tudo outra vez.
Ao fim de meses, chamei uns homens e pedi-lhes para reunirem pedra pelos cerrados. Construíram um muro monumental, para que eu pudesse plantar do lado de dentro. Os plantios continuaram a ser devorados todos os dias. Só nessa altura percebi que não eram os coelhos, mas os pombos torcazes.
Vim a prevalecer, no ano seguinte. Hoje faço hortas lindas. Mas não sei se é tão divertido.
Diário de Notícias, Janeiro 2015


