Sr. José
Hoje, quando visito José dos Cestos, já não é para comprar nada.
Encomendei-lhe um dia uns candeeiros e não me arrependi. Tinha-os visto numa loja, em Lisboa, construídos em palhinha. Pareceram-me absurdamente caros, como aliás me parecem cada vez mais coisas. Trouxe um catálogo e bati-lhe à porta:
– Faça-me isto, mas à sua maneira.
Ficaram lindos – cuidados e imperfeitos ao mesmo tempo, infinitamente desejáveis. Como uma mulher bonita a que as ancas tivessem crescido um nadinha mais do que a conta. Ou o nariz.
Custaram trinta euros.
Colocámo-los na sala, a circunscrever a luz, e pusemo-nos a olhar em volta. Imaginámos arcas, mesinhas, uma cama para o Melville – tudo em vime. Tirámos medidas.
Volta e meia, volto lá. Venho do lado das Quatro Ribeiras, que tem um vale onde um dia eu gostava de retirar-me a escrever romances. Passeio o cão até aos Lagadouros. Compro fruta nas barraquinhas da Calheta, àquela rapariga sorridente que vê a Casa dos Segredos.
Depois visito-o.
José dos Cestos pergunta-me sempre pelos candeeiros. Está sentado numa banqueta, a entrelaçar o vime, e todo o seu corpo trabalha. Segura a peça com os pés para lhe meter uma cunha de metal, abraça-a junto ao peito para dar um nó numa ponta.
Tem as mãos rudes dos homens do campo – aperta os cigarros com tal força que eles se tornam prismas. E, porém, de cada vez que os seus dedos seguram o vime, é como se este tivesse a delicadeza das libélulas.
Falamos das arcas e das mesinhas. Da cama para o cão. Pede-me preços incríveis e, mesmo assim, desculpa-se.
Eu fico ali, a fumar. Cumprimento e regresso na primeira oportunidade.
Pede-me os mesmos preços. Não estamos a regatear um com o outro. Eu tenho a casa cheia. Só quero vê-lo trabalhar, e ele sabe-o.
Diário de Notícias, Janeiro 2015


