como e em que as fraudes de tradução lesam diretamente os leitores



imagem enviada por federico carotti




hoje recebi uma consulta que me pareceu interessante. a pessoa perguntava: "No que exatamente consistem as fraudes?", referindo-se aos plágios de tradução apontados por este blog. "A editora lesa os leitores [aproveitando-se de] edições esgotadas e isso necessariamente acarreta prejuízos ao conteúdo/qualidade da obra?"


as perguntas me pareceram muito pertinentes, e eis minha resposta, que espero aproveite também a outros leitores interessados em entender melhor como e em que esse tipo de fraude os lesa diretamente.


deixe-me ver se entendi bem sua questão. você está perguntando "no que exatamente consistem as fraudes" para o ponto de vista do leitor, é isso? pois, do ponto de vista do autor legítimo da tradução e para o patrimônio de nosso domínio público, creio que a lesão do direito é evidente, não? 


bom, então suponhamos que sua preocupação sejam os eventuais "prejuízos no conteúdo/qualidade da obra" para a leitura, certo? 


então eu diria o seguinte: algumas das fraudes são meras reproduções ipsis litteris, e neste sentido o conteúdo/qualidade da obra prossegue inalterado. em muitas das fraudes, porém, há tentativas de disfarçar a cópia, as quais adulteram o conteúdo e, em alguns casos, mesmo a inteligibilidade do texto; há casos de alterações ainda mais grotescas, resultando em passagens que não fazem o menor sentido, as quais só posso atribuir à má qualidade do escaneamento da obra usada na fraude; outras ainda podem afetar conceitos centrais de um autor. contem-se também os casos de montagem de duas traduções diferentes, para compor uma terceira espúria, resultando numa obra de texto irregular, descontínuo e às vezes, se não contraditório, um tanto incoerente. todos esses tipos de adulterações estão amplamente documentados no blog.*


outro aspecto que considero relevante para o leitor, quanto à identidade correta do autor da tradução, é um pouco mais sutil, mas nem por isso, a meu ver, menos importante: creio que, mesmo para o leitor mais imediatista, é relevante saber que tal ou tal tradução foi feita por monteiro lobato ou por manuel odorico mendes ou por boris schnaiderman - não só pelo valor das contribuições dessas pessoas a nosso patrimônio cultural, mas também até para situar e entender melhor os textos resultantes em suas traduções, compreender as soluções e dicções adotadas na tradução dentro de um quadro histórico concreto e determinado. quero dizer, uma tradução feita em 1870 ou em 1930 ou em 1940 carrega traços de sua época, o que ajuda o leitor a compor um quadro mais geral da cultura correspondente, em vez de supor que todas essas traduções teriam sido feitas em 2001, 2002 ou 2003. 


espero ter entendido suas perguntas e respondido a elas satisfatoriamente.

* exemplos para ilustrar os vários tipos de adulteração acima mencionados e os prejuízos que causam ao texto:

- max weber, a ética protestante e o espírito do capitalismo, aqui

- ralph w. emerson, ensaios, aqui

- descartes, o discurso do método, aqui

- aristóteles, arte poética, aqui



visite os diversos cotejos realizados, disponíveis aqui.


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Published on March 17, 2013 10:58
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Denise Bottmann
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