Isto muito claramente

Dar aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção em idade activa, e salvas todas as justíssimas excepções previstas na nova lei, a oportunidade de retribuírem a ajuda que lhes é prestada pela comunidade constitui, não um ajuste de contas, muito menos um castigo, mas o mais elementar acto de dignificação da vida humana.


“Tu ainda podes fazer. Tu ainda és válido. Tu ainda vais vencer este momento. A tua vida não acaba aqui” – eis aquilo que, doravante, o Estado diz a estas pessoas. Não o dizer, sim, era um gesto de desrespeito para com elas e para com as suas expectativas. Para com a sua esperança.


A medida anunciada esta semana por Pedro Mota Soares é, na verdade, a mais solidária de todas as regulamentações e correcções de trajectória operadas em torno do RSI desde a sua criação (então como “Rendimento Mínimo Garantido”). E, numa altura em que nos esforçamos tanto por responsabilizar Lisboa pelo estado calamitoso dos indicadores sociais dos Açores, vale a pena creditar ao Governo da República esta humanização do sistema.


O Rendimento Social de Inserção é um importante instrumento de protecção dos cidadãos e, em consequência disso, de coesão social. Mas deve ser aplicado com critério, com fiscalização, com um prazo claramente determinado e, sobretudo, com o intuito primordial de ajudar as pessoas a, dentro dos possíveis, recuperarem a sua autonomia.


É aqui que entram estas 15 horas semanais de serviços à comunidade. Em suma, não se trata de a comunidade defender-se de qualquer aproveitamento ou abuso da parte dos beneficiários do RSI, mas de promover uma valorização do indivíduo, de proteger os seus sentimentos de utilidade e validade. Sem eles, simplesmente deixará de ser possível a inserção prevista no próprio nome da prestação.


Pelo contrário, a maneira como o expediente foi aplicado até aqui ia contra todos os princípios que devem orientar a relação do Estado com os seus cidadãos. Até este momento, aquilo que estávamos a fazer era simplesmente pagar aos pobres para nos desaparecerem da vista. A partir daqui, ajudamo-los, como sempre (e como é nossa obrigação), e ainda lhes dizemos que, apesar disso, eles continuam a fazer parte de nós.


De resto, noutra altura da vida poderemos estar nós no lugar deles. Ninguém está livre. E a última coisa que quereremos, nesse infeliz caso, será que os ricos peguem nas suas migalhas, no-las enfiem no bolso, batam no peito e depois nos mandem para os cafés e os botequins, beber, jogar ao dominó, fazer as contas aos dias que faltam para a chegada do próximo cheque e pedir fiado para compensar a escassez.


Porque – não nos enganemos – é esse o entendimento que o PS/Açores faz da ideia de obra social. Ao fim de 16 anos de poder do partido que mais solidário se reclama, os Açores (não, eu não vou deixar que este desastre continue ausente do discurso político) lideram ou disputam a liderança nacional em todos os piores rankings do desenvolvimento humano: o consumo de álcool e a violência doméstica, a gravidez precoce e o abuso sexual, o analfabetismo, a pobreza persistente e (retumbante entrada nova em 2011/2012) o ritmo do crescimento do desemprego.


Nenhuma verdadeira obra social poderia ter resultado nisto. E, seguramente, não ficará na História quem quer que, ao fim de 16 anos de poder ininterrupto, não tenha conseguido atacar estes indicadores, preferindo antes continuar a comprar a simpatia primária de pessoas já de si arrasadas pelos desmandos da vida, e utilizadas agora como meros instrumentos para a perpetuação do poder.



 Textos políticos, Diário Insular, 25-8-12

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Published on August 25, 2012 03:51
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