tradução ≠ edição

pettit moby dick editions shelf closeup




acho que seria importante que, não digo os leitores em geral, mas pelo menos estudiosos e pesquisadores, quando se debruçassem sobre alguma tradução, levassem em conta seu histórico. explico-me: uma tradução feita e publicada em, por exemplo, 1935, pode continuar bela e formosa em inúmeras reedições por muitas e muitas décadas (ou mesmo sumir e reaparecer depois de muitas décadas). se a edição consultada, estudada ou pesquisada é de, digamos, 1980, não significa que a tradução deixou de ser de 1935 e passou a ser de 1980.  ou melhor, talvez seja o caso de falar não em tradução ≠ edição, e sim em primeira edição ≠ edição atualmente em circulação ou quejandos.



comento isso a propósito de uma esforçada e bem simpática dissertação de mestrado sobre o conto the chimes, de charles dickens, disponível aqui. a proposta do estudo é analisar três traduções do conto, sob o ângulo da sonoridade do texto, o qual de certa forma mimetiza em algumas passagens o som dos carrilhões, e das soluções adotadas para transpor esses elementos para a tradução. eis a explicação dos critérios adotados para a escolha das traduções:


Para este trabalho, foram escolhidos dois textos brasileiros, um de José Paulo Paes, Os Carrilhões (1993) pela Ediouro, e o outro de Elsie Lessa, A Voz dos Sinos (2004), pela editora Itatiaia. Os Sinos de Ano Novo aparece como a terceira tradução, porém de origem portuguesa, feita por Lucília Filipe, pela editora Europa-américa (2001). Embora com títulos distintos, trata-se da tradução da mesma obra literária.   


Num primeiro momento, havia o desejo de utilizar nesta pesquisa a tradução de Elsie Lessa e de John Green por ambos terem sido publicados em 2004 e serem as traduções mais recentes. Porém,  em decorrência dos escândalos envolvendo a editora Martin Claret por plágio tradutório e o fato de não se achar qualquer registro de John Green, optou-se por descartar esta tradução. 

destes parágrafos depreende-se que foram usados dois critérios principais para a escolha dos textos: a fidedignidade e a data, dando-se preferência a traduções recentes.



e aqui surge a questão: a pesquisadora pretende utilizar a tradução de élsie lessa porque foi publicada em 2004 e (há aí um elíptico "portanto") é a mais recente. ora, este é o x da questão (ou, como dizia oscar mendes ao traduzir the heart of the matter de graham greene, este é "o coração da matéria"): de fato, há uma edição da itatiaia em 2004, aliás reedição do volume que a mesma editora já havia publicado em 1976, e é apenas uma entre muitas. já a tradução, élsie lessa a fez muito antes disso ou, em outros termos, a primeira edição da tradução de élsie lessa saiu em 1941, pela livraria martins (e talvez até, na verdade, em 1935, pela cultura brasileira).



analogamente, cabe lembrar que a tradução de josé paulo paes d'os carrilhões saiu pela primeira vez em 1959, pela cultrix, e que a edição de 1993 pela ediouro é, da mesma forma que a voz dos sinos pela itatiaia, apenas uma entre muitas.



aliás, a ideia da pesquisadora de montar uma tabela cronológica com as várias edições do conto é excelente; quanto à pesquisa em si, alguns dados sobre a fortuna histórica de the chimes no brasil mereceriam algumas correções, tanto mais porque, neste caso, o critério temporal parece ter sido decisivo para a escolha de seu objeto de estudo.



este exemplo reforça minha convicção de que é absolutamente necessário, urgente e fundamental, para todas as áreas de letras, literatura, estudos de tradução e estudos culturais em geral, que se aprofundem sólidas pesquisas historiográficas sobre tradução no brasil, única maneira de se obterem dados confiáveis para os mais variados temas de estudo e pesquisa.



imagem: several editions


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Published on May 04, 2012 21:35
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Denise Bottmann
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