o parafuso jamesiano

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Expressão idiomática é uma das ciladas constantes à espreita do tradutor. Quem brincava muito bem com isso era Millôr Fernandes, no viceversa, em The Cow Went to the Swamp.



A volta do parafuso para the turn of the screw não é tão radical quanto a vaca milloriana que foi para o brejo, mas é um pouco mais abstruso do que o "frio como um pepino" de Péricles Eugênio da Silva Ramos em Moby Dick.



Mas afinal o que está dizendo Henry James, que é o que importa? Além do título, ele usa a expressão apenas duas vezes ao longo da novela: logo no começo, e depois quase ao final.



No começo, alguém comenta que histórias de terror sempre têm um efeito mais intenso, geram maior tensão, quando envolvem alguma criança. E pergunta: e se fossem duas crianças?


"I quite agree—in regard to Griffin's ghost, or whatever it was—that its appearing first to the little boy, at so tender an age, adds a particular touch. But it's not the first occurrence of its charming kind that I know to have involved a child. If the child gives the effect another turn of the screw, what do you say to TWO children—?"

Brenno sabe o que é to turn the screw, claro - tanto é que desdobra a expressão para que se torne inteligível ao leitor: "... Se uma única criança aumenta a emoção da história e dá outra volta ao parafuso, que diriam os senhores de duas crianças?" Olívia Krähenbühl também sabe, claro, e tenta uma alternativa que lembra nosso "arrochar": "... Se uma única criança imprime à vossa emoção mais um passe de tarraxa... - que direis de duas?"



Na segunda ocorrência, no capítulo 22, o sentido da expressão é um pouco diferente:


I could only get on at all by taking "nature" into my confidence and my account, by treating my monstrous ordeal as a push in a direction unusual, of course, and unpleasant, but demanding, after all, for a fair front, only another turn of the screw of ordinary human virtue. 

Brenno dá: "mas que exigia apenas ... uma outra volta do parafuso da virtude humana comum". Olívia se sai com brio na literalidade que escolheu: "e que exigia ... apenas um passe de tarraxa suplementar à humana virtude de todos os dias". Ao fim e ao cabo, o parafuso de Olívia ficou restrito apenas ao título - a essas alturas, mais coerente seria O passe da tarraxa.



Só tenho essas duas traduções em casa, e não sei como os demais tradutores trataram esses dois trechos.* Teria curiosidade especial pelas possíveis sugestões de Marcelo Pen, tão atento ao equívoco foot of the letter da coisa.



*Na adaptação de Ana Carolina Rodriguez para a Rideel, disponível online, temos "seus corações se sentirão apertados como se recebessem não apenas uma, mas duas voltas de parafuso" (a segunda menção à "volta do parafuso", no final da novela, foi omitida).



imagem: turning a screw




atualização - gentilíssimo, fred spada fornece em comentário as soluções e esclarecimentos de marcelo pen:


Seguem as traduções do Marcelo Pen (em "Contos de Horror do século XIX", Cia das Letras, 2005) e seu comentário na apresentação do conto:


"Se uma criança concorre ao efeito com outro aperto do torniquete, o que diriam de duas...?" (p. 133)

"(...) mas que apenas exigia enfim, sejamos francos, que se apertasse o torniquete da virtude humana usual." (p 227)

E a apresentação:


"Observação: o título 'A volta do parafuso' é um caso clássico, talvez mundial, de tradução equivocada. A rigor, não diz nada em português. Tighten the screw, give the screw another turn e expressões correlatas significam, em geral, aumentar a pressão sobre alguém que já se encontra em posição aflitiva. A expressão lembra o thumbscrew, os 'anjinhos' - antigos anéis de tortura com que se apertavam os dedos das vítimas. Curiosamente, existe em português uma expressão equivalente (inclusive com a reminiscência à tortura) - apertar o torniquete -, que, conforme atesta Antenor Nascentes [Tesouro da fraseologia brasileira], quer dizer 'pôr em situação difícil quem já não está em boa situação'. Não propomos mudar o título do clássico de James, hoje consagrado, mas ajustamos a expressão vernácula nas ocorrências em que o autor usou, posto que com ênfases diversas, a angustiante locução inglesa." (p. 132)




mais uma gentilíssima contribuição na caixa de comentários, agora de elaphar, transcrevendo as soluções de marcos maffei em sua tradução que saiu pela hedra:


"Se uma criança dá ao efeito uma outra volta do parafuso, o que me diriam de duas crianças?" (p.33)

"mas exigindo, afinal, para um confronto justo, apenas uma outra volta do parafuso da virtude humana comum" (p.155)



outra gentilíssima contribuição na caixa de comentários, esta de ricardo duarte, com as soluções de paulo henriques britto e com link para um post do blog da companhia das letras, comentando tangencialmente o título:


Mais uma tradução - a do Paulo Henriques Britto pela Penguin Companhia:


"Se uma criança dá ao fenômeno outra volta do parafuso, o que me diriam de duas crianças...?" (p. 8)

"mas algo que exigia, afinal, para manter uma fachada serena, apenas outra volta do parafuso da virtude humana comum." (p. 145). 



aqui tem uma linha do tempo com as traduções de james no brasil.


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Published on April 16, 2012 07:00
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Denise Bottmann
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