Athena

Filme de Romain Gavras, França 2022.
Athena é um filme incendiário. Parte de uma situação incendiária: a violência policial que resulta na morte de um jovem muçulmano do conjunto habitacional que dá nome ao filme. O coquetel molotov divide o protagonismo com os dois irmãos da vítima, Abdel (Dali Benssalah) e Karim (Sami Slimane). Karim inflama outros adolescentes do conjunto a declararem guerra contra a polícia. Exige que os responsáveis pelo assassinato (registrado em vídeo), sejam presos e julgados. Abdel, um pouco mais velho, quer acalmar os ânimos, preocupa-se que não haja mais vítimas. Ele serve no exército e confia que as autoridades irão descobrir os assassinos de seu irmão. A sonoridade dos nomes, Karim e Abdel, que lembra Caim e Abel, sugere que o conflito irá além do clássico comunidade versus polícia. Para complicar ainda mais, um terceiro irmão é traficante e sua única preocupação é com seu “empreendimento”. Ele e sua quadrilha tentam sair do conjunto habitacional sitiado, levando suas mercadorias, mas são impedidos pelos jovens inflamados liderados por Karim.
O roteiro de Athena tem todos os ingredientes de uma tragédia. Mas a alta intensidade do filme remete mais a um filme de ação, aliviando um pouco o peso da tragédia e criando, ao lado dela, uma obra tensa e densa, de tirar o fôlego. A mim o filme fez lembrar, na intensidade, no tema e no uso de referências mitológicas, o The Warriors de Walter Hills, de 1979.
Romain Gavras, filho do premiado diretor grego Costa Gavras, revela-se um mestre para filmar ação. Trabalha com uma série de planos longos, a câmera em constante movimento em meio a coreografias complexas de atores, figurantes e veículos em escaramuças, fuga e perseguição. Enquadra inicialmente seus protagonistas em planos próximos ou médios, transita com eles e se afasta para revelar o contexto e criar uma relação interessante entre indivíduo e multidão. Se o coquetel molotov é um elemento importante, a câmera é outro protagonista do filme, conduzindo nosso olhar atônito pelo labirinto caótico do conflito estabelecido. Os operadores de câmera, Myron Mance, e de steadycam, Aymeric Colas, têm grande responsabilidade nessa condução magistral.
Athena peca justamente no ato final, quando ocorre a virada em Abdel. Há uma dose exagerada de violenta dramaticidade nessa transformação que a mim fez desembarcar da frenética viagem antes de chegar à última estação. Os eventos nessa derradeira jornada não apresentam a mesma autenticidade, a mesma qualidade imersiva para o espectador, em contraste com o que acontece até aquele momento. Mesmo assim, é um filme impressionante, pelo ritmo, pela estética e pela técnica. Por isso vale muito a pena assistir também ao making of, disponível, assim como o filme, na Netflix, que resgata um fenômeno muito bacana da época do DVD. Muito mais do que uma peça promocional, o making of nos dá um vislumbre sobre o trabalho hercúleo na feitura de Athena e na feitura de um filme em geral.


