Caleidoscópio

Série, criação de Eric Garcia, EUA 2023.
Uma boa história tem que ter começo, meio e fim. É o que prega boa parte dos adeptos da narrativa linear, tanto na literatura como no cinema. Há tempos que essa máxima vem sendo questionada com obras instigantes, em algumas delas a quebra da linearidade é elemento fundamental na conquista do leitor ou do espectador. Em primeiro lugar, as histórias de filmes e livros são quase sempre um recorte, recorte de uma história maior que iniciou antes da trama da obra e continua depois dela. Muitas vezes essa “zona externa” é um território fértil para autores e atores entenderem melhor o personagem e seus conflitos. Portanto, pode se dizer que qualquer enredo de uma obra, ainda que de estrutura linear, não começa no começo, nem termina no fim. Além disso, a quebra de linearidade e a fragmentação tornaram-se ferramentas muito utilizadas na estruturação das narrativas a partir da segunda metade do século XX.
Na literatura podemos destacar dois exemplos radicais, O Jogo da Amarelinha de Julio Cortazar (1963) e O Dicionário Kazar de Milorad Pavic (1984). Nessas duas obras singulares a estrutura se sobrepõe ao que podemos chamar de história ou de histórias. Na primeira, o leitor pode ler na ordem dos capítulos numerados, ou numa outra ordem sugerida pelo próprio autor. O Dicionário Kazar é alfabeticamente ordenado por verbetes, mas também pode ser lido na sequencia que o leitor desejar. Como se não bastasse, foi publicado em duas versões, a feminina e a masculina, com uma diferença entre elas apenas em um dos parágrafos. Compor uma trama que pode ser exposta de maneira clara e instigante, em sequencias diferentes, é um exercício pra lá de complexo e normalmente acompanha um enredo não menos sofisticado.
Caleidoscópio é uma série de oito episódios não numerados, cada um tem o nome de uma cor. A Netflix enviou esses episódios em ordem distinta para cada assinante. Ao que parece, apenas o episódio branco mantém-se como episódio derradeiro, embora ele não seja o final da trama, e sim seu ponto central. A Netflix também avisa que você pode assisti-los na ordem sugerida ou em qualquer outra ordem. Eu a recebi assim: Amarelo (6 semanas antes do evento principal); Verde (7 anos antes do evento principal); Azul (5 dias antes do evento principal), Laranja (3 semanas antes do evento principal); Violeta (24 anos antes do evento principal); Vermelho (a manhã após o evento principal); Rosa (6 meses após o evento principal) e Branco (o dia do evento principal). O evento principal é o roubo de títulos de valor bilionário de um cofre que se diz impenetrável. Em torno desse assalto orbitam motivos e conflitos de mais de duas décadas, ou seja, para o ladrão (e protagonista), o dinheiro é o menos importante. Infelizmente, não se aplicou na elaboração da trama e nas interpretações o mesmo esmero criativo investido no exercício da estrutura, o que torna a obra que poderia ser genial apenas uma série interessante de assistir. Isso também é válido. Dependendo do humor e da necessidade do dia, uma série de entretenimento com uma estrutura sofisticada e viradas inesperadas, pode cair bem. Mas não espere um O Dicionário Kazar, nem um O Jogo da Amarelinha.
E você, em qual ordem recebeu os episódios, em qual ordem assistiu? Deixe seus comentários e sua impressão.


