Joel Neto's Blog, page 69
March 29, 2013
Terra Chã, 30 de Março de 2013
O nível médio do discurso utilizado na nossa televisão mainstream desce de ano para ano, e todos os dias lhe são acrescentadas atoardas que a indulgência do telespectador (para dizer o mínimo) permite depois transformar em recorrentes. Tenho curiosidade, por exemplo, em perceber a quem vai a TVI chamar “pessoa muito importante” na nova versão do Big Brother, e em cujo título trocou ostensivamente a expressão “Famosos” por “VIP”. Já estou a imaginar quem sejam as pessoas importantes disponíveis para participar em tal lojinha de aberrações a troco de 1500 euros por semana…
Contudo, a minha atoarda preferida – pelo menos até à arrivista “narrativa” de José Sócrates, e inclusive batendo a expressão “uma música” aplicada a uma canção – continua a ser “júri”. Programas de entretenimento e separadores de autopromoção, magazines de informação e até jornalistas de publicações especializadas em TV: por todo o lado, no universo alargado da televisão portuguesa, se usa a palavra júri para falar de um jurado ou de uma jurada. José Carlos Pereira é “um júri”. Alexandra Lencastre é “uma júri”. E o grupo de júris que eles formam com os outros júris, naturalmente, é “um grupo de júris”. Qual é a confusão?
Com franqueza: ajudou-me a perceber, por exemplo, as motivações por detrás do Acordo Ortográfico de 1990. Afinal, não se trata apenas de simplificar, ou sequer de ir ao encontro do nível médio da utilização do Português em Portugal. Trata-se, tão, só, de resgatar uma mínima possibilidade de comunicação. Para já, resolve. E, quando começarmos todos enfim a grunhir, logo se arranja outra coisa mais simples. Assim só com meia dúzia de palavras, talvez.
Terra Chã, 29 de Março de 2013
Todas as semanas encontro uma desculpa diferente. Esta semana fazem falta de comparência duas equipas porque as respectivas federações se atrasaram nas subvenções. Para a semana faz falta de comparência mais uma porque há um pré-aviso de greve na TAP. Daqui a duas ficam três em casa porque as passagens estão caras. E eu, sendo sensível aos problemas dos clubes, das federações e das modalidades ditas amadoras, não compreendo. A cada fim-de-semana que passa há equipas profissionais açorianas de hóquei em patins, andebol, voleibol e/ou basquetebol que se vêem na contingência de, postas na posição de anfitriãs, simplesmente não jogar. Quando tal se confirma, ganham os pontos na secretaria, ascendem nas classificações e até se qualificam para as fases seguintes dos respectivos campeonatos. Mas não competem, perdem ritmo e, grosso modo, distanciam-se do frisson da sua modalidade. O que é uma situação inaceitável e discriminatória, que coloca em causa os princípios da coesão territorial e do próprio estado de direito. A permissividade é tal (sim, há multas, mas são suportáveis) que todas as jornadas há dirigentes do continente e da Madeira que, mesmo tendo dinheiro suficiente para viajar, fazem a matemática às pontuações e ponderam cerebralmente os prós e os contras de uma ausência, decidindo às vezes não o fazer porque “fica mais em conta”. Isto num contexto em que uma equipa açoriana (ou de outro lugar qualquer) sentir-se mal vinda inter pares já deveria estar para além dos limites. É da crise? Não, não é só: é da crise e da impunidade ao mesmo tempo. Uma bonita combinação.
March 28, 2013
Terra Chã, 28 de Março de 2013
Não sei se alguma vez apanhei na SATA (ou em qualquer outra companhia, aliás) uma viagem como a de ontem à noite: quase uma hora às cambalhotas, com ventos ciclónicos, sucessivos poços de ar e uma aterragem supliciosa. Apesar de tudo, senti-me praticamente tão sereno como de costume. Ter encontrado o Duarte a bordo ajudou: uma pessoa vem a conversar e acaba por tranquilizar-se com mais facilidade. Mas, sobretudo, há uma espécie de sentido de missão. Morrer na TAP, a caminho de Lisboa, não teria qualquer nobreza. Os Açores, sim, são um destino manifesto – e qualquer vítima destes aviõezinhos com que vamos desafiando as deidades e as suas fúrias, inevitavelmente, uma baixa de guerra.
Ponta Delgada, 27 de Março de 2013
Duas extraordinárias entrevistas: uma ontem à noite, na RTP/Açores, feita pelo Vasco Pernes (com quem ainda continuei a conversar longa e deliciosamente, no Cais 20, madrugada fora); e outra esta manhã, na Antena Um/Açores, feita pelo Pedro Moreira (que além de tudo é um amigo). Persistem na comunicação social dos Açores, apesar dos esforços do Governo Regional para recrutar todos os seniores que for capaz de seduzir, vários excelentes profissionais. E os números que se começa a ouvir para as reduções de pessoal na RTP/RDP são uma ameaça de proporções bíblicas ao que resta de massa crítica nas rotinas de escrutínio ao trabalho dos gestores públicos. Como se já não bastasse o facto de as nossas contas e de o nosso exercício de democracia beneficiarem do constante silêncio de Lisboa, os dois órgãos de comunicação social do arquipélago que ainda podiam gabar-se de algum conforto (se é que ainda podiam) vão agora ser amputados em metade. Que mais reagentes quererão juntar ao já de si explosivo cocktail em que estas ilhas estão a transformar-se?
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Tarde encantadora, na Batalha, com o Osvaldo. Dezoito buracos jogados de buggy, para fugir à aproximação da chuva – mas, apesar de tudo, desfrutados ao máximo. Levei na cabeça e, ainda por cima, não consegui pagar o almoço, para que a Pilar tão simpaticamente nos convidou. Mas na Terceira, um dia destes, vingo-me.
March 26, 2013
Ponta Delgada, 26 de Março de 2013
Os meus amigos de São Miguel não gostam de ouvir-me dizê-lo, mas Ponta Delgada, entre as suas tantas virtudes, tem um defeito quase fundamental: impõe já uma certa dose de stress. Angra do Heroísmo, passe a comparação (ainda assim, sempre inevitável), tem a escala perfeita. É bastante rural e profundamente urbana ao mesmo tempo. E cosmopolita: se não na vivência contemporânea, pelo menos no AND.
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Recebi hoje, do meu principal fornecedor de comunicações, a seguinte mensagem de telemóvel: “Avaria cabo submarino condiciona ligacoes com Acores. Até ao dia 29 sao esperados dificuldades na net entre as 14 e as 01h. Embora alheia ao facto a Zon lamenta.” Portanto, o que quem dizer-me, nesse terrível Português, é que eu não posso mesmo viver na minha terra?
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E amanhã, golfe na Batalha. Parece que não vai chover. Parece. Parece!
March 23, 2013
Terra Chã, 23 de Março de 2013
A luz ao fundo do túnel é a Primavera, mas o túnel está a revelar-se longo de mais. Hoje, porém, encontrámos uma clarabóia. Um rabinho de sol e logo tudo sorrisos. Alegria.
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Maravilhosas, as matas sobre os Biscoitos, com os caminhos rurais em bagacina vermelha contrastando com o verde e o amarelo das criptomérias expostas ao sol. Qualquer dia vou ter de arranjar um pequeno jipe para, como aqui se diz, fazer canadas.
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Mais um amigo despedido. Ainda na semana passada outro a começar um novo regime de semana amputada, para corresponder ao ordenado amputado também. É devastador e eu temo pelas respectivas saúdes emocionais. Somos um país machista: a pressão sobre o homem providenciador persiste, mesmo que apenas “lá fora”. Um teste à nossa inteligência: aos que terão de resistir a tal absurdo, em geral como em particular neste momento ridículo da economia comum, e aos que terão de dirimi-lo nas suas cabeças, reeducando-se. Levo mais fé no sucesso dos primeiros, apesar de tudo. O género é cruel, e a algum pescoço será preciso apontar a lâmina. O fracasso dos outros, mesmo que por infeliz coincidência apenas, nunca deixou de ser apaziguador para o nosso próprio.
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O mínimo que posso pedir a uma senhora que não quer dançar comigo é que não aceite o convite. As respostas da escritora cubana Karla Suárez ao meu inocente inquérito proustiano, para que a Booktailors teve a infeliz ideia de convidá-la, revelam duas coisas: uma total ausência de autoironia (o que não é assim tão incomum nos escritores, em particular os ibero-americanos) e uma absoluta incapacidade de, detectado o flanco, resistir à tentação de pôr a pata em cima da garganta da pessoa em frente (o que já exigirá uma certa incultura, mas talvez também não seja tão inesperado quanto isso). Só lhe ficou mal a ela. E, ainda por cima, agora vai ter de levar com a minha condescendência.
March 21, 2013
Terra Chã, 21 de Março de 2013
Recordou-mo o Pombo: “Curioso é que os livros são todos os dias aos montes. Edições e reedições e reedições de reedições. Quem disse que em Portugal há analfabetismo? Só se os livros se compram ao metro para adorno cultural. Mas o que mais me aflige é pegar num livro estrangeiro ou aborígene e atirar logo com ele, atacado de tédio. Como é que se pode ler um romance começado por exemplo por ‘Eram sete horas quando me bateram à porta. Levantei-me e fui abrir. Era um sujeito de meia-idade, vestido de escuro e que me perguntou se não era ali que’. Ou: “A cidade estendia-se à beira-mar, com o seu casario que’. Ou: “Um dia, pela tarde, o comboio chegou mais tarde que’. Sou eu que estou a inventar estes começos para não dar ‘pistas’, como se diz, a quem me ler. Mas se invento estes os não inventados são parecidos. Espantoso. (…) Como é que se pode ter prazer na leitura de um livro em cujas frases se não passa nada? Como é que ainda se lê disto, fora da pressão de uma insónia? Como é que pode haver deleite na leitura de um prosaísmo ofensivo? Como é que se podem ainda suportar historietas para atrasados mentais? Como é que se podem escrever páginas e páginas a dizer que fulano se sentou, ou poisou o chapéu no bengaleiro ou olhou as horas no relógio ou envergou a gabardina, abriu a porta, fechou-se à chave e desceu as escadas para ir comprar tabaco? Como é que se têm de ler 300 páginas para se lhe espremer uma que se lia em 3 minutos? Como é que há tanta gente que adora desvairadamente ser imbecil?” É um excerto de Vergílio, naturalmente: “Conta-Corrente”, volume II, nova série. E tudo o que me ocorre, de epente, é suspirar de alívio por o mestre já ter morrido.
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A raiva com que tanta gente reagiu esta manhã à notícia de que José Sócrates vai voltar ao espaço público como comentador de política da RTP é desproporcionada. Tão desproporcionada como a raiva com que um número porventura ainda maior de pessoas responde a cada uma das mais pequenas decisões do actual Governo. Mas tem um significado claro e, para mim, revelador: os portugueses ainda estão zangados com Sócrates, cuja responsabilidade nesta terrível crise não esqueceram. E essa memória não deixa de ser reconfortante. Com franqueza: pensei que, por esta altura, José Sócrates já tivesse a aura de Cristo. Tendo a subestimar os meus compatriotas.
March 20, 2013
Terra Chã, 20 de Março de 2013
Mais de quarenta pessoas, se percebi bem a contagem dos votos, na assembleia geral de refundação do Cine-Clube da Ilha Terceira, esta noite, em Angra. Convidado simpaticamente a integrar a nova direcção, não tive, naturalmente, como recusar. O redespertar do interesse desta ilha pelo cinema é quase comovente. Será um prazer participar.
March 19, 2013
Terra Chã, 19 de Março de 2013
O meu pai.
"Em boa verdade, tudo o que eu sou, tanto quanto tudo aquilo que podia muito bem ter sido, se alguma vez o tivesse querido, devo-o ao meu companheiro de Campo de Jogos. O meu pai, sim: esse que nunca se preocupou com outra coisa senão com plantar-me a semente renovadora e até um pouco maligna da autodeterminação, incutindo-me a necessidade de suplantar o destino que me parecia guardado. Por muito que eu me tivesse esforçado, e ainda que o tivesse mesmo feito, jamais conseguiria ser durante cinco minutos metade daquilo que ele fora ao longo de toda a vida, sem uma hesitação, sem uma ressalva, sem outra intenção que não apenas sê-lo."
Os Sítios Sem Resposta, Porto Editora, 2012
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Chama-me “um grande escritor português”, o Vamberto Freitas, na edição de ontem do programa Ler Açores, emitido pela RTP/Açores. Mais de vinte anos a escrever – e sempre, lá ao fundo, este momento. Com estas mesmas palavras, desta mesma boca. E, agora, súbito, duas convicções. Que nada poderá honrá-las. E que, apesar de tudo, tentá-lo é o trajecto.
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Fazer o café matinal e juntar-lhe sementes de linhaça. Automaticamente, sem pensar: pegar nelas e misturá-las com o adoçante. Apaziguar vagamente o colesterol e a diabetes, apesar da perda de sabor. Por rotina. Por a existência de futuro se ter tornado uma rotina. Vinte anos a sonhar com isto. Irei a tempo?
March 17, 2013
Terra Chã, 17 de Março de 2013
Voltámos esta manhã às caminhadas. Como são revigorantes.
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No fundo, o que eu tentei dizer aos dirigentes e aos militantes do PSD/Açores, reunidos aqui na Terra Chã, foi que o PSD precisa de formular e apresentar uma proposta distinta da do PS.
Este regime impede de facto a produção de riqueza, resulta de facto no maior ritmo de agravamento do desemprego a nível nacional e deixa-nos de facto na cauda de todos os índices de desenvolvimento humano do país. É só confirmar as estatísticas oficiais.
Este modelo de governação é de facto fundamentalmente eleitoralista, recorrendo a todos os expedientes do jardinismo e juntando-lhes todos os expedientes do socialismo europeu contemporâneo para se perpetuar no poder. Só não o vê quem esteja desatento.
Mas o PSD apenas será uma alternativa razoável de poder, a nível legislativo como a nível autárquico, no instante em que as suas propostas se distinguirem claramente das do adversário. Essa distinção não é importante apenas para ele: é importante para os próprios açorianos, que sem ela continuarão sem escolha (e, naturalmente, manterão no poder os que já lá estão).
E, para que essa distinção seja clara, torna-se necessário construir um discurso em torno dos temas difíceis. Nomeadamente o RSI, o mais importante símbolo desta governação.
Sem moralismos, naturalmente. Sem penalizar as pessoas que dele usufruem. Mas defendendo muito claramente que, sendo essencial para a coesão social, esse instrumento se destina a permitir às pessoas recuperarem a sua autonomia, e não a afundá-las para sempre em bairros sociais de onde só sairão para ir votar.
Esta, sim, parece-me a mensagem mais importante para o novo ciclo que agora se inicia.
De resto, está em grande forma, o Duarte Freitas. Pensa bem, sabe ouvir e vai renovando (quase revolucionando) o partido sem, ao mesmo tempo, perder sentido de Estado. Pode bem ser o líder de que nós, os açorianos preocupados, estávamos à espera. Merece contar connosco.
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De repente, apetece-me escrever outro livro completamente diferente. Será possível que viver aqui seja ideal, antes, para escrever sobre Lisboa?
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Temo tendinite. Isso, sim, seria irónico: ter voltado para aqui e, de repente, não poder escrever, fazer agricultura ou jogar golfe. A monitorizar.


