Joel Neto's Blog, page 66
May 3, 2013
Terra Chã, 3 de Maio de 2013
É incrível o que, por esta altura, muitos terceirenses atiram para a rua das janelas dos seus carros e de cima das suas varandas. Parece que voltámos à Idade Média. Latas de Coca-Cola, pacotes de cigarros, sacos do Continente, invólucros de produtos íntimos, latas de laca e mata-moscas, até carcaças de ratos mortos, já espalmadas pela passagem de automóveis durante semanas consecutivas – há de tudo. E eu sei de onde isto vem, pelo menos em parte. Vem, insisto, deste assistencialismo absurdo que aniquila o brio individual, que aniquila a relação com a coisa pública e que aniquila todos os valores da cidadania. Mas ao menos que as autarquias sem empenhem em limpar a imundície resultante do “modelo de desenvolvimento” de que se alimentam. O Concelho de Angra está inacreditavelmente sujo, apesar da taxa de lixo que pagamos. Se não houver brio, ao menos que haja vergonha. E que essa vergonha não seja só quando há festas.
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O que é isso de a terra entrar em sessão? É "sessão" mesmo? Dois dias a enxugar as batatas, depois de o Luciano ter cá vindo fazer os regos com a motocultivadora – e, no dia da sementeira, chove-me. Pois, agora, uma semana à espera que acabe a dita sessão. Mas que coisa exactamente será essa, a sessão? A perguntar aos conselheiros do costume.
Terra Chã, 2 de Maio de 2013
Menos gente do que é habitual, pareceu-me, na tourada de São Sebastião, ontem à tarde. Não há dinheiro e não há sol. Mas, em todo o caso, havia os maios, dispersos pela ilha. Não perde uma só oportunidade de esboçar um gesto de criatividade, este povo – nem que seja através de um simples boneco posto na varanda. Não conheço muitos mais terras assim.
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Determinado a curar-me a epicondilite, o Tom proibiu-me de dar apertos de mão. Mas eu não gosto de dar a mão esquerda a apertar, e menos ainda aceito apertá-las eu próprio de modo flácido e despersonalidado. E começo a achar que, ou se acabam as touradas, ou este tratamento está condenado.
May 1, 2013
Terra Chã, 1 de Maio de 2013
Há três ou quatro viagens que não poderei esquecer. A estarrecedora beleza natural dos fiordes noruegueses, que percorri de Bergen a Alesund, aí por volta de 2005, ao serviço de “Volta ao Mundo”. O delírio pop da travessia dos Estados Unidos, entre Nova Iorque e Los Angeles, sobre o qual escrevi um diário para a “Grande Reportagem” em 2000. A reiterada (e a partir de certa altura romântica) frustração do mês que passei junto ao comando da Coligação, no Qatar, durante a invasão que derrubou Saddam Hussein, e que eu pretendia acompanhar no terreno para o “Correio da Manhã”, em 2003. As três semanas que, em 2005 também, andei pelo Brasil, abaixo e acima, como escritor pelas cidades do Sul e como turista no Rio e como admirador de um vibrafonista gordinho em cada recanto esconso de Parati onde consegui encontrá-lo. E, depois, há memórias dispersas, belas também, e sobre as quais em muitos casos até já escrevi: idas ao teatro (e ao jazz) em Londres, uma namorada da pós-adolescência em Paris, um peixe-galo comido em Split, sobre o Adriático, mais os táxis verdes da Cidade do México, e o mundo subterrâneo de Toronto, e a trip musical do Mindelo, a Maité que me serviu cañas em Santa Cruz, um fim-de-semana de golfe em Marrocos (e outro no País de Gales, com o Ricardo), a Valónia ao fim de uma semana de carro pelos Países Baixos, Roma toda-ela, os franceses do Sul do Senegal, semanas inteiras de praia em diferentes oceanos, hotéis de circunstância em virtualmente todos os países da Europa, algumas entrevistas com estadistas, conduzindo à esquerda em Malta com o antigo gang, e tantas outras, e tantas outras, e tantas outras, e tantas outras. Tenho isto claro na minha cabeça, porém: à excepção dos vinte anos de Lisboa, eles próprios uma viagem, nada me acompanha até hoje como esse mês que passei no Burquina Faso, em 1998, a cobrir a Taça de África das Nações, em futebol, para o “Record”. Ontem lembrei-me de Bobo-Dioulasso, fui à Internet à procura de fotografias – e então lembrei-me também do Sourrabié Fousseni, do Christophe e da Kadi Guillaume, do Salva e dos espanhóis todos, da poeira e da minha varanda, da moto e da galinhola salteada. Tive de fazer um esforço para conter-me. Outra coisa que os anos me trouxeram foi isso: a tendência para chorar. De saudades como de mais nada.
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Semana de uma intensidade diferente. Uma noite destas tive uma ideia para nova história. Dormi mal, acordei febrilmente, fui escrever um parágrafo. E sempre aquela sensação de que se acabou de ser ungido. Ou o medo, talvez – mas, à cautela, regista-se. Tudo ainda muito enevoado, de qualquer modo, em torno no romance ali posto a um canto, a ver se germina. E eu ansioso por que chegue o fim-de-semana, de modo a poder concentrar-me em exclusivo na horta.
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De toda a maneira, a minha horta já não é bem agricultura: é jardingem. Ainda ontem tornei a comprová-lo, quando dei por mim a aceitar uma oferta de plantio de alface, feita pelo Poeira, e pedi escrupulosamente trinta, a pensar no embelezamento de um canteiro em particular. Isto do lado de dentro do mundo. Do lado de fora, sim, ainda será horta. E, ontem, novo desvio à rotina: veio cá o Luciano fazer os regos para as batatas (estou a planear semear vinte quilos) e as cebolas (a ver se ainda consigo arranjar um cantinho para plantar dois centos). Pelo meio, ainda me pus a sachar os alhos. Como é que havia de ter tempo para escrever?
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Hoje começam as touradas e nós vamos. Nem que seja um bocadinho. O mau tempo continua, mas a vida também. Arranca a época do ano em que a Terceira é só e absolutamente Terceira. Beberei uma fresca para celebrá-lo.
April 29, 2013
Terra Chã, 29 de Abril de 2013
Terra Chã, 28 de Abril de 2013
Um homem sabe que está a faltar ao respeito ao status quo que os seus antepassados tanto se esforçaram por legar-lhe quando dá por si com umas favas guisadas ao lume, um peixe assado pronto a sair do forno, um monte de gravetos de néveda devidamente desfolhados e postos a secar, nem uma só peça de loiça suja sobre a bancada – e tudo isso executado em menos de uma hora. Para a próxima, não esquecer: dois tachos sujos no lava-loiças, uma terrina a verter um coisa alaranjada para cima do fogão, o chão de pantanas, três pirexes partidos no caixote do lixo e tudo de tal modo atrasado que já não há qualquer possibilidade de ir ao cinema a seguir. É o mínimo.
April 27, 2013
Terra Chã, 27 de Abril de 2013
April 25, 2013
Terra Chã, 25 de Abril de 2013
Cerimónias do 25 de Abril em desfile na televisão. E, de repente, uma dúvida: esta malta faz copy/paste dos discursos de um ano para o outro, não faz?
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Afinal, nada de tendinite: é epicondilite (o nome custa a decorar) – e infelizmente, em resultado da minha já infame incúria, tornou-se crónica. A boa notícia é que posso jogar golfe à vontade, a má que vou ter de reduzir na agricultura durante uns tempos. Tudo bem: começo segunda-feira, porque este fim-de-semana é que ninguém conseguirá impedir-me de plantar as minhas couves e os meus tomateiros. De resto, uns tratamentos a fazer na clínica do Tom. E uma sensação, em relação a esta, só antes experimentada, por aqui, no Cartório Notarial da Praia da Vitória. Alegria no trabalho. Gente inteligente, com sentido de humor e aquele misto de descontracção e elegância que não se pode cultivar: apenas nasce pela graça. A ver se, quando acabar o cotovelo, arranjo um problema qualquer no joelho, ou assim. Ou isso de ser crónico significa mesmo que o problema no cotovelo não acabará nunca?
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Enfim, um filme que apetece ver: “Efeitos Secundários”, de Steven Soderbergh. Excitados com o crescente interesse dos terceirenses pelo cinema visto em sala, os programadores do Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo começam a cair no mesmo erro dos congéneres lisboetas. Em Abril, foi quase só fantástico e demais géneros para um público adulto em fase de reimbecilização acelerada. Em Maio, e exceptuando a extensão do Indie Lisboa, é parecido. Naturalmente, esses filmes devem existir. Mas a diversidade que ainda há poucos meses se procurava esfumou-se. Na obsessão do 3D e de vender pipocas (e isto não é uma crítica às minhas amadas pipocas), simplesmente parece ter desaparecido qualquer preocupação formadora. Ora, uma sala comercial tem todo o direito de abandonar as preocupações formadoras. Uma sala sob a tutela de uma Câmara Municipal, lamento dizê-lo, não tem.
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Concerto de Adriana Calcanhotto com os Capareiras, logo à noite, no Grande Auditório. Não é a minha praia, mas não quis perder o acontecimento. E a ver se, antes, ainda consigo dar uma saltada ao Festival das Sopas de São Bento. A excitação do estio começa, apesar da persistência do mau tempo, a tomar conta dos terceirenses. Que pena eu não ter um pouco mais de tempo livre: dava um folião dos diabos.
April 24, 2013
Terra Chã, 24 de Abril de 2013
Coisas que eu vou respigando por aí. O Governo do PS/Açores, que gastou sete milhões de euros em oferendas eleitoralistas nas Regionais do último Outono, votou trinta e seis mil euros ao combate às térmitas nas nove ilhas dos Açores. Trinta e seis mil euros para a luta contra uma praga que só em Angra do Heroísmo está a destruir silenciosamente dezenas de casas de habitação, inclusive ameaçando de morte os seus habitantes. Entretanto, acabou também o Projecto Informa-te, de combate profilático às toxicodependências. Bem visto: assim já se pode continuar a administrar metadona durante dois anos a jovens com um ano apenas de consumo de heroína, correndo sérios riscos de destruí-los para sempre. E isto na semana em que se soube do fecho do Hotel Horta e em que o Executivo simplesmente não conseguiu contornar a greve na Sata – que ameaçava o Sata Rallye Açores e as Festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres – sem atropelar os princípios laborais (se não a própria lei). Muito mais depressa do que eu estava à espera, vai caindo a máscara de bonomia a este Governo. Acabou-se o dinheiro, sim. Aqui como nos outros lugares todos. E o problema é que gerir a escassez é muito diferente de gerir a abundância. Exige estabelecer prioridades e exige ter sabido evitar as derrapagens no tempo certo. Não é que o PS/Açores não queira fazê-lo agora. É que simplesmente não tem prática.
April 23, 2013
Terra Chã, 23 de Abril de 2013
April 22, 2013
Terra Chã, 22 de Abril de 2013
Mais um fim-de-semana de intenso trabalho na horta, incluindo a montagem de redes de protecção para as alfaces. Faltam plantar apenas os tomateiros e as couves. E agora só me apetece ficar aqui, à janela, a olhar para a minha obra.


