Joel Neto's Blog, page 65

May 14, 2013

Terra Chã, 14 de Maio de 2013


“Isto está mau”, dizem-nos todos os dias, na mais banal conversa de circunstância – as caixas do supermercado, a empregada do café, uma vizinha. Aqui também, isto é: está mau. A diferença é que, em Lisboa, fala-se da crise económica. Nos Açores, fala-se da meteorologia. “Isto está mau. O Bodo à porta, as touradas na rua, e uma pessoa nem sequer consegue secar roupa em condições.” Não deixa de ser apaziguador.



 


***


 


Ontem fui ver a horta do Francisco e voltei cheio de plantios  (incluindo amoreiras) e dicas úteis (a policultura, as barreiras aromáticas, os métodos de compostagem). A prova de que sou um agricultor lúdico está aqui: foi com a ideia de ter amoras em Agosto que acordei esta manhã.

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Published on May 14, 2013 06:38

May 13, 2013

Terra Chã, 13 de Maio de 2013

Fim-de-semana de horta, de passeios e de paz. Que alívio.




***


 


Resposta da S., a quem pedi uns esclarecimentos sobre geoglifia: “No nosso Planeta está quase tudo por revelar. Mas não conheço céptico nenhum que tenha descoberto alguma coisa.” Ó diabo.




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Published on May 13, 2013 04:28

Terra Chã, 11 de Maio de 2013

Ou muito me engano, ou encontrámos o lugar ideal para os piqueniques de sábado à tarde. Exige invasão de propriedade alheia, claro. Mas vale cada chumbo.




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Published on May 13, 2013 04:26

May 10, 2013

Terra Chã, 10 de Maio de 2013

A Alice Vieira recordou há pouco um poema de Borges, “Os Justos”. E eu gostava que ele fizesse parte deste diário.



 


“Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.


O que agradece que na terra haja música.


O que descobre com prazer uma etimologia.


Dois empregados que, num café do sul, jogam um silencioso xadrez.


O ceramista que premedita uma cor e uma forma.


O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez nem lhe agrade.


Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de um certo canto.


O que acarinha um animal adormecido.


O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.


O que agradece que na terra haja Stevenson.


O que prefere que os outros tenham razão.


 


Estas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.”




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Published on May 10, 2013 05:25

May 9, 2013

Terra Chã, 9 de Maio de 2013


Esta manhã lavei o meu carro à mão. Tinha prometido emprestá-lo a um amigo em férias e lembrei-me de ser poupado. Julgo que não fazia tal coisa há uns dez anos. E, no entanto, com o passar do tempo fui assaltado por uma certa ternura por aquele objecto. Sempre desdenhei de um homem capaz de amar o seu carro. De todas as coisas que tal amor me sugeriu, a boçalidade foi a mais meiga. Mas ali, esfregando e aspirando e polindo o meu velho Chrysler (sim, suponho que um carro com seis anos e tal já seja uma coisa velhíssima), não consegui evitar lembrar-me dos lugares a que ele me levou, das chuvadas de que ele me protegeu, das ideias para livros e para crónicas que tive ao seu volante, dos riscos e mossas que lhe fiz, das vezes que o deixei ser multado e até assaltado. Apeteceu-me pedir-lhe desculpa. E agradecer-lhe. E prometer-lhe que não o empandeirarei como aos outros, em stands de esquina, destinado a alguém que não conhece a sua história. Sim, hoje apeteceu-me coleccionar o meu carro. E isso não deixa de ser uma declaração de amor. A partir de certa idade, é assim que se ama: decidindo guardar para sempre.



 


***


 


Vamos seguindo a dieta prescrita pela nutricionista. Quisemos viver nos Açores para ter uma vida saudável e, tão certo quanto merecíamos passar os primeiros meses em festa, está na hora de passar à fase seguinte. Atacámo-la com determinação e seguimo-la com rigor. Mas ontem, ao sorver a primeira colherada de um creme de couve-flor com noz moscada, ocorreu-me que “quase” sabia ao caldo de uma certa clam showder (a melhor que comi até hoje, no fundo) que um dia provei no Connecticut, de passagem para Providence. E achei que talvez nem tudo estivesse a correr bem.


 


***


 


Tendemos a subvalorizar a historiografia popular. Dizem as fontes oficiais que tudo o que Brianda Pereira (1550-1620) fez para se tornar a heroína da ilha Terceira foi pôr-se como doida, aos berros, animando as tropas portuguesas, “com as lástimas que dizia”, para que pelejassem melhor. E eu sei que pode parecer pouco. Mas a mim, pessoalmente, parece-me que um homem, só para não ouvir uma mulher histérica, é capaz de mudar sozinho o destino das nações.


 


***


 



A alterações previstas para o regime de Mobilidade Especial, como as conhecemos neste momento, estão para lá dos limites. Espero que, além de adaptar a proposta à Constituição da República, o Governo a adapte também ao bom senso, à decência e ao mínimo de humanismo sem o qual um Estado não pode existir. Os funcionários públicos já foram sobrecarregados o suficiente. E, ademais, discutir isto no momento em que se fica a saber que o desemprego subiu para 17,7%, e em que aliás o Executivo reitera a sua determinação de encontrar uma "estratégia de crescimento” que permita combatê-lo com eficácia, é um absurdo.

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Published on May 09, 2013 08:39

May 8, 2013

Terra Chã, 8 de Maio de 2013


Escreve Urbano Bettencourt no seu novo “outros nomes outras guerras”:



 


"Ouves a voz dessa mulher


nos dias que sobram de Setembro:


um rumor solar de asas


vindo de longe


como quem atravessou a harmonia inteira


do mundo.


Ouves a voz vibrando na manhã


e tudo em ti é regresso e onda;


os araçás da infância, os figos,


as sementes onde a vida espera a Primavera,


uma mulher cantando no balcão sobre o mar,


uma ilha defronte.


 


Onde for o lugar de tudo isto e a memória


desse lugar,


aí encontrarás a raiz exacta das palavras,


a seiva


de que a vida se sustenta."


 


É tudo isto. E pouco mais – muito pouco mais.




***




“O ateísmo não é uma postura laica: é uma religião, uma fé. Não arruma Deus para um canto, num encolher de ombros ultra-racional e depressivo: procura-o, dirime-o e reconhece a sua criação, ao mesmo tempo, com a grande tragédia e o mais maravilhoso advento da história da Humanidade.”



Escrevi-o há pouco, em resposta ao pedido de uma sinopse  para a conversa de sexta-feira no Campus de Angra da Universidade dos Açores, para que o Tomaz Dentinho me convidou e a que dei o nome "O Cristão Que Há Neste Ateu (E Vice-Versa)". Mas, na verdade, não faço ideia do que vou dizer, tão anárquicas, antiacadémicas, politicamente incorrectas mas também – tenho de reconhecê-lo – apressadas têm sido as minhas reflexões sobre o tema.



Meto-me em cada uma…

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Published on May 08, 2013 03:31

May 7, 2013

Terra Chã, 7 de Maio de 2013


“O romance tradicional morreu”, dizia-me aqui há uns anos o J., na altura meu editor. Queria convencer-me a escrever um romance de género: talvez histórico, preferencialmente thriller. E eu mudei de casa editorial: a minha obsessão era o romance tradicional, e não queria ser editado por quem não acreditasse nele.



Entretanto, aqui há uns meses, em conversa sobre o que pretendia escrever a seguir a “Os Sítios Sem Resposta”, o M. também: “Porque é que não escreves um thriller? Se achas que é mau, até podes assinar com pseudónimo.” E insistiu: “Alternavas: um romance tradicional e um thriller, um romance tradicional e um thriller. Sempre se fez isso…”


Escrever para os jornais é a minha vida e uma paixão desde a infância (literalmente). Mas eu gostava de contemplar um momento, algures no futuro, em que os livros fossem suficientes para pagar as contas cá de casa.


De modo que, admitindo deixar-me persuadir, tenho tentado lê-los, aos thrillers: o Larsson, o Grisham, até o Dan Brown. Ontem à noite adormeci em cima do Nesbo. Adormeço sempre.


Um dos problemas do romance de género contemporâneo é que, em regra, é mais género do que romance. “Guerra e Paz” era um grande romance histórico, “Memórias de Adriano” também. “A Guerra dos Mundos” era um magnífico thriller, “O Espião Que Veio do frio” idem aspas. Mas eram romances. O Larsson talvez seja quase um romance, o Grisham e o Dan Brown e o Nesbo já são remetidos, nas boas livrarias, às prateleiras de “Fiction”, e não de “Literature”.


Ou será arrogância minha, claro. E, no entanto, nenhum projecto literário sobreviveu sem uma certa arrogância, desde logo porque a presunção de iluminar pela literatura está impregnada dela.


Facto: foi pelo género, e não pelo romance, que esta gente enriqueceu (tirando talvez o Larsson, que julgo não ter chegado a morrer rico). No mais, e quanto ao sucesso, romancistas e ficcionistas coincidem numa coisa: só o têm se acreditarem nos livros que escrevem. O leitor sente isso.


Para escrever uma folha de couve, é preciso acreditar na folha de couve. É preciso levar o leitor a acreditar que aquela folha de couve é uma superação. É preciso que o próprio autor acredite que aquela folha de couve é uma superação. E eu tenho esse problema fundamental: independentemente dos meus méritos e deméritos enquanto escritor, não consigo enganar-me a mim próprio sobre o que une e separa a folha de couve e a superação.


Talvez seja melhor leitor do que escritor. E é possível, até, que seja precisamente isso que os meus editores andam a tentar dizer-me. Mas eu nem consigo ler o Nesbo, que aliás nem será propriamente a mais hortícola das folhas. Como poderia escrevê-lo?

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Published on May 07, 2013 04:55

May 6, 2013

Terra Chã, 6 de Maio de 2013

Regresso, por estes dias, a Manuel Bandeira e a Drummond de Andrade, a que gosto tanto de voltar (por razões distintas, ou se calhar até não). E, de novo, essa sensação que os académicos teriam tanto gosto em esmagar, e que de resto os meus amigos brasileiros talvez não me perdoem. A liberdade do brasileiro propicia a boa poesia. Mas os espartilhos do português são vantajosos à poesia sublime. A poesia sublime exige uma transgressão que, no caso do português do Brasil, é preciso às vezes inventar. Felizmente, o doutor Casteleiro, o engenheiro Sócrates e os respectivos apaniguados vão acabar com tais assimetrias. 




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Published on May 06, 2013 15:57

Terra Chã, 5 de Maio de 2013


Cronologia de um domingo perfeito. Acordei tarde, fui à Feira Agrícola comprar os dois centos de cebolinho que encomendara na véspera (e mais algumas acelgas, a que entretanto não resisti), passei no supermercado, voltei para casa, cozinhei uma feijoada de gambas, comi-a em frente à Catarina, bebendo vinho tinto e falando ao de leve sobre a vida, fumei uma longa cigarrilha, semeei enfim os prometidos vinte quilos de batatas – e que se lixe a “sessão” –, acrescentei as cebolas, as acelgas e uma carteirinha de abóbora-manteiga, acabei de sachar os alhos, compus a horta, voltei para dentro, debulhei três quilos de favas, tomei um banho prolongado e fui esparramar-me do sofá, com o iPad no colo, a reunir as notas para uma sinopse que tenho entre mãos. Concluído o cachecol ocre, a Catarina trabalha agora num novo, em tons de azul, totalmente alheia à proximidade do Verão – e eu gosto de olhar para ela, ali ao meu lado, e vê-la a fazer tricô, assim como imagino que ela goste de olhar para mim e ver-me a cavar o quintal. As tardes de domingo do campo são muito mais divertidas do que as noites de sábado na cidade.



 


***


 


Querem mesmo um Acordo Ortográfico? Então mudem as palavras que os portugueses não conseguem dizer. Espargata, por exemplo, sai sempre "esparregata", que é uma espécie de exercício de ginástica com puré de nabiças salteado em azeite e alho.

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Published on May 06, 2013 15:53

Terra Chã, 4 de Maio de 2013


Estou totalmente de acordo com o dr. Luiz Fagundes Duarte, que ouvi há pouco na Antena Um Açores: a escola açoriana está de pantanas (e parafraseio) porque a sociedade açoriana está de pantanas. São – estou convencido – as mais duras palavras que ouvi recentemente sobre estes dezasseis anos de governação. E ainda bem que é um secretário regional no poder a dizê-lo, porque se fosse um adversário político poderia parecer acusação gratuita.



 


***


 


Mais uma tentativa de semear as batatas, mais uma súbita bátega. Felizmente, a minha horta está num tal ponto que há sempre alguma coisa para fazer, mesmo à chuva. Eu já não poderia passar um fim-de-semana sem estar ali, brandindo o sacho, enquanto ao fundo a rádio me traz jogos de futebol, corridas de rali, ou mesmo uma procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres.


 


***


 


Adriana Calcanhotto na rádio. Vi-a há dias, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo. Um concerto intimista e sereno, de que gostei abundantemente. Mas julgo não estar em erro se disser que todas as suas canções são sobre dor de corno. Todas. E não deixa de ser curioso o modo como a dor de corno vende – inclusive àqueles que não padecem ou padeceram dela (que os há, naturalmente). Será o desejo a falar alto?

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Published on May 06, 2013 15:51