Joel Neto's Blog, page 64
May 27, 2013
Lisboa, 24 de Maio de 2013
Cerejas da Gardunha, requeijão de Seia, biscoitos de canela de Almodôvar. Passo na mercearia ainda antes de rumar a casa com as malas. Só do sol, aparentemente, não matarei saudades desta vez.
Lisboa, 27 de Maio de 2013
Morreu o meu primeiro escritor. Um dos grandes – dos Açores e do mundo. Devo-lhe a entrada de “O Terceiro Servo” para o Plano Regional de Leitura, devo-lhe um monte de gargalhadas (e de poemas satíricos) a pretexto das derrotas do nosso bem-amado Sporting e devo-lhe o testemunho da família harmoniosa e repleta de sentido de humor, que de imediato impressionava quem o visitava na Maia. Mas devo-lhe sobretudo “Um Deus à Beira da Loucura”, a novela que desaguou em “E Deus Teve Medo de Ser Homem”, e cujo existencialismo cristão (como ele próprio gostava de definir) me tornou primeiro leitor e depois, em boa parte, escritor. Encontrámo-nos pela última vez em Ponta Delgada, no dia do lançamento do meu “Os Sítios Sem Resposta”. Saíra da Maia, coisa rara, e viera oferecer-me em mãos um volume de contos natalícios e o livro que escrevera para Maria Alice, e de que tirara apenas uns quantos exemplares, para oferecer aos amigos. Lembro-me de pegar nele , de folheá-lo como ele devia ser folheado (como se fosse um livro de animação, assim se completando o retrato de Maria Alice), e de pensar: eis, aí, a célula que funda a família harmoniosa – um homem que ama a sua mulher. Hoje faço silêncio por Daniel de Sá. Um homem, mais ainda do que um escritor – e, definitivamente, um exemplo. Mas não me despedirei dele: os seus livros continuam na minha mesa de cabeceira.
May 22, 2013
Terra Chã, 23 de Maio de 2013
Última inspecção da horta antes de mais uma escapadinha a Lisboa, para uma sessão de autógrafos na Feira do Livro, sete ou oito restaurantes para a coluna da "Notícias Magazine" e, naturalmente, o prazer de rever os amigos e a família. As batateiras e os tomateiros ficam sulfatados, as aboboreiras já nasceras, as acelgas e os bróculos arrebitaram um pouco, algumas das amoreiras pegaram rapidamente. De resto, está tudo regado por dois ou três dias - o velho pai ocupar-se-á dos restantes, Deus o guarde - e rodeado de veneno contra os caracóis suficiente para uma semana ou duas. E, porém, tudo o que foi sachado há menos de uma semana está já repleto de daninhas, mesmo que microscópicas. Com este calor suave misturando-se com a precipitação nocturna, mesmo que em modo de cacimba, as culturas crescem a olho nu, mas a monda também vem por aí acima, furiosa. Vou ter uma trabalheira dos diabos no regresso.
Terra Chã, 22 de Maio de 2013
A Yara tornou há pouco a citar Pessoa. O “Põe quanto és no mínimo que fazes”, que durante tantos anos me serviu de refrão (até porque mais fácil de declamar do que a Parábola dos Talentos completa), sobretudo quando com o copo erguido. E ao ler aquelas palavras, escritas em letra de forma na Internet, quase não as reconheci. Não, eu não renunciei a todo o Pessoa. Mas, a certa altura, ou um homem se emancipa um pouco de Ricardo Reis, ou poderá enlouquecer.
Terra Chã, 20 de Maio de 2013
Fui levar a Catarina ao aeroporto e mergulhei na tourada da Terra Chã, percorrendo o arraial com o Nogueira (gosto de chamar-lhe uma tradição, embora seja apenas a segunda vez) e parando pelas casas a beber frescas. Quando for adulto, quero fazer aqui, neste jardim, a mesma festa que o João de Brito hoje em dia faz na dele. Melhor quinto toiro, como lhe chamam os borguistas, é difícil.
Terra Chã, 19 de Maio de 2013
Tinha planos mirabolantes para este domingo. Afinal, gastei-o quase todo a desbastar nabos. Mais uma aprendizagem: para o ano vou fazer um canteiro anárquico, destinado às nabiças, e depois replantar apenas, um a um, os pés destinados a fazer cabeça. Como é que se pode passar um domingo inteiro a desbastar meia dúzia de metros quadrados de nabos?
Terra Chã, 18 de Maio de 2013
“No alarms and no surprises”, canta Malia, a certa altura, no leitor de CD do automóvel. Voltávamos da Praia da Vitória, vogando pelos campos da planície central da ilha depois de um almoço demorado na esplanada da Prainha, e foi como se tudo se condensasse naquele verso apenas.
May 21, 2013
Terra Chã, 21 de Abril de 2013
Agostinho da Silva faz mais sentido para mim hoje do que fez há uns anos. Talvez seja um pensador para um tempo de crise. Ou talvez seja um pensador para a meia-idade, esse momento em que descobrimos que metade do trajecto está feito e, afinal, não nos valeu assim de tanto ter abdicado da esperança.
May 17, 2013
Terra Chã, 17 de Maio de 2013
Amigos de todas as origens queixam-se de que não telefono nunca e também não escrevo grande coisa. Não preciso. Eles estão sempre presentes. Lembro-me deles, debato com eles, faço planos com eles. Não telefono ou escrevo porque já falo e escrevo de mais. E porque o meu modelo de amizade é de facto a presença: duas pessoas que estão ali, uma ao lado da outra (mesmo que dois mil quilómetros as separem), fazendo-se companhia em silêncio. Não foi isso que a idade nos trouxe – a capacidade de apreciar o silêncio?
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Não sei se os protestos deste diário – ou da parte dele que é publicada semanalmente no “Diário Insular” – tiveram o que quer que seja a ver com isso. O facto é que, depois de muitos anos ao vento e ao frio, ameaçando a saúde dos utentes, a bilheteira de cinema do Centro Cultural e de Congressos mudou efectivamente para o interior do edifício. Se não houver relação, é uma boa decisão. Se houver relação, é uma boa decisão prenhe de humildade. E, em qualquer caso, assim dará sempre gosto contribuir.
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Nasceram as batatas.
May 15, 2013
Terra Chã, 15 de Maio de 2013
É mais do que altura de dizê-lo: tenho vergonha de ter votado em Cavaco Silva para o primeiro mandato; e já nem sinto especial orgulho em haver corrigido o voto para o segundo.
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Mais expressões terceirenses. “Ah, môn, vocês vieram os dois escanchados nessa bicicleta?” “Credo, também não precisas de andar sempre esbragalado…”


