Joel Neto's Blog, page 63

June 9, 2013

Terra Chã, 9 de Junho de 2013


Todo o domingo à volta da horta (talvez já seja tempo de eu lhe chamar simplesmente “o quintal”), depois de um sábado de piquenique e praia com os Xinxins. Já se vão comendo as mais diversas coisas de produção doméstica: couves, alfaces, alhos. Entretanto, acabei a burrinha dos tomateiros e, tal como já havia feito com o das alfaces, mondei os talhões das couves, das acelgas, dos repolhos roxos e do feijão verde. Choveu todo o dia, mas a minha única preocupação foi que a roupa presa no estendal (aqui diz-se “estendida na verga”, e mais uma vez não sei porque é que me censuro) não secou. Há pouco, voltei para dentro, cansado e satisfeito. A Catarina fazia tricô em frente a um documentário da National Geographic, depois de já ter mondado o canteiro de ervas aromáticas (onde entretanto se prepara para pôr umas etiquetas amarelas, não sei se para promover visitas guiadas de escolas, ou assim) e posto o alecrim, o louro e a flor de laranjeira a secar sob a chaminé. Tomei um longo banho e vesti uma camisola do Lusitânia, que este ano desceu de divisão mas ainda não fechou. Às vezes pergunto-me se tenho mesmo de escrever mais livros. O mais provável é que tudo aquilo que eu procurei, ao longo destes vinte anos, esteja aqui: na terra-mãe, na repetição dos gestos dos meus ancestrais. Preciso de comprar uma escova para as unhas, porque está cada vez mais difícil mantê-las limpas (e eu gosto de fazer as coisas à mão). Pelo sim, pelo não, o melhor é não desistir ainda. E há algo neste romance que…

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Published on June 09, 2013 13:35

June 8, 2013

Terra Chã, 8 de Junho de 2013


Publiquei há uns anos uma quase-biografia de José Mourinho, que nos fez aos dois adversários de tribunal e a mim um autor traduzido em Inglaterra. Foi um tempo que passou, de que não me envergonho ou orgulho. Passou. Mas não para os jornalistas dos tablóides britânicos, que esta semana voltaram a inundar-me o telefone e a caixa de email com pedidos para que conte as mesmas histórias de 2004, de modo a que eles possam cometer os mesmos abusos de 2004. Por mim, posso bem dizer-lhes: “Arranjem as vossas próprias cenas, rapazes. E, se puderem, cresçam um bocadinho.” Mourinho, que regressa diplomático a Londres, vai sofrer um pouco mais. A história repete-se. E, às vezes, ao repetir-se comprova a sua pobreza.

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Published on June 08, 2013 02:54

June 7, 2013

Terra Chã, 7 de Junho de 2013


Encontro-me com o P., que também me fala em emigrar. É o segundo empresário terceirense que o faz esta semana. Diz-me que lhe custa a encaixar esta nova tendência dos açorianos para diabolizar a iniciativa privada. Sabe que ela também tem culpa no actual estado da economia regional, até porque nos últimos anos se limitou a investir no consumo (e não na produção de riqueza, não nas exportações, não na estratégia), mas não consegue perceber que a governação saia ilesa do diagnóstico, quando na verdade, e enquanto entidade gestora de milhões e milhões e milhões em fundos comunitários, é a maior de todas as culpadas. Eu pergunto-lhe o que esperava ele. Há uns dez anos que é assim: os privados despedem, o Governo dá dinheiro. Entretanto, esgotou-se  quase por completo a massa crítica destas ilhas. O povo alheou-se, a economia definha, a política alimenta-se da exclusão. Dantes, como ainda há dias mo definiu o C. (demorei a concatená-lo, mas agora parece-me o retrato perfeito do momento que vivemos), alguém não aparecia numa reunião e os outros ficavam preocupados: os projectos precisavam dos melhores, havia que partir a recuperá-lo; hoje, alguém não aparece e é menos um para competir pelos lugares. Na Córsega – insisto – começou assim.



 


***


   


A ler “Murmúrios Com Vinho de Missa”, de Álamo Oliveira, cuja publicação pela Nova Delphi tentei promover e que acabou publicado pela Letras Lavadas (felizmente, estou convicto). Se não fosse mais nada, era um livro de uma coragem quase insana. É mais do que isso, porém. E, no entanto, desconfio que se vai perder pelas prateleiras. O mínimo que podia pedir-se era um escândalo. Idealmente, debate. Mas nada – é certinho.


 


***


   



Aproveito para o sugerir ao menos ao F.. Encontro-o na rua e vamos tomar um café. Quer dizer-me o quanto gostou de “Os Sítios Sem Resposta” e o quão inquieto o deixou a desesperança do respectivo desenlace. Tem um amor genuíno aos livros – daquele amor que já quase só existe nos próprios livros: emocional, fascinado, totalmente gratuito. Não se distingue do próximo porque lê: apenas pede que não o chateiem muito por ler demasiado, em vez de socializar. Tem a minha idade, é um profissional competente e respeitado, faz uma horta. A certa altura, bate com a mão na testa: tem um peixe no forno e precisa de voltar para casa, para servir o almoço à mulher. E, ao fazê-lo, resgata um pouco o meu dia. Nem tudo está perdido, afinal.

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Published on June 07, 2013 07:58

Terra Chã, 5 de Junho de 2013

Eu esperava novidades, mas não tanto. A horta cresceu três vezes na nossa ausência e a monda quatro vezes e meia, de modo que me esperam trabalhos intensos se quero libertar-me para gozar as Sanjoaninas, daqui a duas semanas. Pior: tenho o ombro esquerdo totalmente tolhido – e a dor da epicondilite, no cotovelo direito, está completamente no vermelho. O meu paraíso é húmido como quase nada. E, mesmo assim...




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Published on June 07, 2013 07:49

Terra Chã, 4 de Junho de 2013

Regresso a casa satisfeito de Lisboa. Faltou-me o tempo para ver toda a gente, mas também já me faltavam as forças (e a culpa). Tinha de visitar sete ou oito restaurantes da moda, a pretexto da coluna de gastronomia da “Notícias Magazine”, e acabei por passar a semana a comer de mais, indolente e quase bêbedo. Mesmo assim, deu para ver a malta da Aroeira, para conviver com o Mário de Carvalho e com o Almeida Faria (entre outros, sim, mas os heróis primeiro) na Feira do Livro, para debater o futuro com a Nicole Witt, para ouvir da boca da Belita sobre o fenómeno Martim, para ver os jacarandás. O resto foram os afectos e um susto com o velho pai. Muita vida para menos de dez dias, no fundo. Preciso de respirar.




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Published on June 07, 2013 07:47

Lisboa, 30 de Maio de 2013

Um bom director de fotografia, uma agendazinha ecológica, umas poesias tiradas da internet – e aí está "o novo Malick". O velho mestre nunca me falha. Pois cá está “Into The Wonder”, mais um monumento particularmente fofinho à cagança intelectual e à unanimidade estética. "Aquela nuvem... Aquela nuvem também me ama", recita a heroína, a olhar para a janela. Tu dás cabo de mim, bom Terrence. Uma ganda lolada para ti - e b'a noite!




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Published on June 07, 2013 07:45

May 29, 2013

Lisboa, 29 de Maio de 2013

Ou muito me engano, ou a crise está agora um nadinha menos omnipresente nas conversas dos lisboetas. Não desapareceu: algumas pessoas é que começam a lidar com ela de outro modo. Mas, em todo o caso, muitas mantêm-se reféns do assunto. Têm a certeza de que estão a ser roubadas, têm a certeza de que Portugal está a ser destruído, têm a certeza de que a classe política é um bando de malfeitores, têm a certeza de que os seus filhos não têm futuro. Apesar disso, ainda não houve uma tentativa de revolução. Não houve um golpe de Estado, um homicídio sequer, um homem imolado pelo fogo. E, como os portugueses podem ter sido sempre um bocado preguiçosos, mas nunca foram cobardes, eu só posso imaginar que isso se deva ao essencial: eles não têm a certeza. No fundo, alho lhes diz que talvez. E, enquanto tal acontecer…




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Published on May 29, 2013 04:57

May 28, 2013

Lisboa, 28 de Maio de 2013


Eu pensava que tu eras mais de esquerda”, diz-me o António, à mesa do Populi. Expliquei-lhe que não. Sou pela existência de Estado, pelo casamento homossexual, pela ordenação de mulheres. E tenho uma horta e casei-me duas vezes e sou ateu e acredito na redução das necessidades e nos fracassos do modelo capitalista. Mas, enquanto a esquerda valoriza o trabalho sobre qualquer outro bem, eu valorizo o trabalhador e acredito que ele se deve distinguir do próximo que trabalha menos (ou nem sequer trabalha). É essa a grande diferença entre a esquerda e a direita democráticas, hoje em dia: valorizar o trabalho ou o trabalhador. Isto, sim, é projecto de sociedade. Tudo o resto é historicismo e sensibilidade pessoal. E há imbecis sem coração em ambos os lados da barricada.


 


***


 


Contou-me o Duarte, no outro dia, à mesa d’Os Ilhéus. Um velhote das ilhas sabia tudo sobre a América. Os lugares, os cheiros, as pessoas, os objectos, as memórias – falava deles com total intimidade, divertia-se, emocionava-se, relacionava ideias. Tinha lá a família e o coração. “Mas eu não me lembro de o senhor ter ido à América… O senhor conhece a América?”, perguntaram-lhe. Resposta: “Pessoalmente, não.” Um dia transformo-o em personagem.


 


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Quase todas as minhas histórias, por esta altura, ocorrem à mesa. Oito restaurantes para experimentar em dez dias, a pensar na coluna da “Notícias Magazine”. Não há fígado que aguente.

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Published on May 28, 2013 03:28

May 27, 2013

Lisboa, 26 de Maio de 2013

Domingo de serenidade, passeando pela cidade com a Catarina, a ver os jacarandás. E, de novo, o imperativo consumista fazendo cama: já não há uma só monta que não tenha pelo menos uma coisa que me interesse. Definitivamente: eu dava um rico formidável.



 


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Uma coisa os urbanos têm todos em comum (dos artistas aos queques, isto é): são todos como que espectadores da sua própria vida. No jogo entre a urgência e a liberdade, vence a urgência – e vence, naturalmente, o cinismo. Sei do que falo: já o joguei, e com o mesmo resultado. E, porém, não é ainda o triunfo das aparências que está em causa. É uma personagem. E, em tratando-se de uma cidade, é uma identidade também. Literatura, até certo ponto. Tenho de reflectir melhor sobre isto.




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Published on May 27, 2013 11:43

Lisboa, 25 de Maio de 2013


Glorioso dia na Feira do Livro de Lisboa. Não a via assim há anos, creio: repleta e feliz. Em anos como este, em que não se tem livro novo, vem-se mais para rever os amigos do que pelos autógrafos que se dá. E, porém, como valeu a pena, hoje.


 


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É impressão minha, ou eu hoje vi, caminhando pelas ruas da Baixa, mais pessoas com a boca torcida, em resultado de um AVC, do que em qualquer outro dia da minha vida?


 


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Jantar com os Pombos e, de novo, discussão sobre o romance de género. Não se pode escrever um romance em que não se acredite, nenhum leitor acreditaria nele também – enfim, a conversa que já tivéramos. E, no entanto, a Catarina: “O Faulkner quis escrever um potboiler e saiu-lhe o ‘Sanctuary’”. Verdade. E se calhar é isso mesmo que acontece sempre: tenta-se escrever um romance de género – e, então, sai-nos a nossa própria natureza, agora ainda mais evidente. O que poderia sair-me a mim? Não sei se tenho coragem para permitir-me descobri-lo.

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Published on May 27, 2013 11:40