Joel Neto's Blog, page 62

June 25, 2013

Terra Chã, 25 de Junho de 2013

Em suma, o grande retrato deste tempo é o Bem reduzir-se tantas vezes a um efeito colateral do Mal. Vejo-o todos os dias: nos ecologistas, nos amigos dos animais, nos vegetarianos, até nos protagonistas de trabalho de voluntariado. Independentemente da bondade das suas acções, elas correspondem frequentemente a um impulso original de autolegimitação. E isso é, inevitavelmente, o reflexo de uma Civilização que não apenas perdeu Deus, mas perdeu também a capacidade de amar.


 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 25, 2013 04:57

June 21, 2013

Terra Chã, 21 de Junho de 2013


Estão cá a Pipa, o Macau e o Martim. Amanhã vem o Aranda – e domingo juntamo-nos aos Pereiras, à Paula, aos Capareiras e aos outros todos para a noite das marchas de São João. Temos marcações para o Ti Choa, o Chico e o Boca Negra. Amanhã fazemos um piquenique ao almoço e um churrasco ao jantar – e, entretanto, o Poeira trouxe-nos rissóis caseiros (assim mesmo, só por trazer, como a D. Maria de Fátima nos ofereceu pão de milho e massa sovada e o senhor da Padaria de São Mateus nos ofereceu um pão de trigo apenas por oferecer) e a Catarina quer repetir o esparguete com salva caramelizada que experimentou há dias. O frigorífico está cheio de cervejas, o esquetador cheio de gás e as pilhas do Roberts cheias de carga. Há sol, há bancos pelo jardim e há candeeiros de vários tipos por cima das mesas, pendurados no caramanchão. Começaram as férias e dificilmente eu virei a este diário escrever o que quer que seja. Mau sinal seria se viesse. A vida também é para ser vivida.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 21, 2013 08:50

June 19, 2013

Terra Chã, 19 de Junho de 2013


Eu podia dizer que os trabalhos manuais me fazem sentir útil, se calhar até vivo. Não é bem isso – não é de poesia popular que se trata. O que os trabalhos manuais me fazem sentir é, talvez, verdadeiro. Cavar, podar, martelar, comprar rebites e cerra-cabos, perguntar ao meu pai ou a um vizinho a melhor técnica para determinada tarefa – tudo isso me torna mais tangível o mundo e como que me tornam a mim mais tangível a ele (não sei bem, quanto a isso é o mundo que deve pronunciar-se). Ainda ontem, depois do trabalho dos jornais e pela noite dentro: concepção e montagem de uma pequena cerca destinada ao mesmo tempo a dar uma nova vida a uma determinada sobra de jardim e a reforçar o aspecto vagamente delabré da casa. Acordo hoje de manhã, vou à rua, gosto do que vejo e logo olho em volta, à procura de mais tarefas. Qualquer dia aventuro-me numa pintura das grandes, a toda a volta. Mas, no dia em que o fizer, tudo isto terá um aspecto muito mais concluído e eu terei pela frente menos trabalhos manuais também. A partir de certa altura da vida, um homem aprende a apreciar a incompletude. E dela, sim, já se poderá dizer que o faz sentir vivo como mais nada.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 19, 2013 04:19

June 17, 2013

Terra Chã, 17 de Junho de 2013


E, no entanto, lugar ainda para isso: para lamentar tudo aquilo que, dobrada a metade da vida, se pode já ter a certeza de que não se será, de que não se aprenderá, de que não se experimentará. Suponho que devamos abrir os braços à frustração: é dela, quase sempre, que vem a criação – e nenhuma frustração me parece tão cheia de possibilidades como essa que fala das identidades que já não teremos, ainda que não tenhamos nunca definido como uma prioridade adquiri-las. Eu, por exemplo, já não serei um grande cozinheiro, nem um golfista profissional, nem um professor de literatura. Já não viverei em África, nem entrarei em órbita num vaivém espacial, nem namorarei com Kate Winslet aos vinte anos. Já não serei uma força da natureza como o meu avô, José Guilherme, nem serei um homem totalmente bom e honesto como o meu pai, Manuel, nem disporei da inteligência ou do rasgo ou do bom-gosto ou sequer do amor – sim, do amor – de tantos outros homens e mulheres que conheci ao longo da vida, de perto e de longe, afastando-me ressentido pela sua superioridade ou simplesmente chegando-me mais ainda a eles, como quisesse ser contaminado. Hei-de ser isto: o mesmo simulacro que eles se sentiram (não: que eles foram) de outrem. É a inconclusão da vida, isto que nos assalta a meio do caminho. É inevitável e, na verdade, é bom. Desde que doa.

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 17, 2013 14:24

June 15, 2013

Terra Chã, 15 de Junho de 2013


Junto-me este fim-de-semana, a convite do Luís Miguel Rocha, ao protesto Não Há Feira, Mas Há Escritores, criado a pretexto do cancelamento da edição 2013 da Feira do Livro do Porto. Através de um texto, que continua a ser a melhor maneira de protestar.



 


***


 


«Um lamento dos Açores.


Lisboa podia fazer-nos isto. De Lisboa não se espera hoje mais do que o desapontamento: é o berço da despesa e do ócio, e tudo o mais na sua conduta vem contaminado dessa condição, dessa discricionariedade, desse poder. Leiria podia fazer-nos isto. Setúbal, Faro, Viseu, até Braga ou Coimbra: todas elas podiam fazer-nos isto, porque são nossas iguais, sofrem das nossas dores e, quebrem mais tarde ou mais cedo do que nós, a nossa obrigação continua a ser devolver-lhes um abraço de solidariedade. O Porto não podia fazer-nos isto. Não a nós, autores. Não a nós, leitores. E não a nós, açorianos. Para nós, açorianos – e leirienses, e setubalentes, e farenses, e viseenses, e bracarenses, e coimbrões, e autores e leitores e habitantes da antigamente chamada província –, o Porto é a inspiração. É a esperança. É a resistência. É o holofote que nunca se apaga porque, no dia em que se apagar, todas as restantes luzes que persistem apesar da preponderância da capital, ainda que mais pequenas e frágeis, estarão apagadas também. E o que a não realização da Feira do Livro do Porto 2013 provoca em nós é precisamente essa angústia: estaremos nós próprios também já mortos, sem o sabermos sequer?»

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 15, 2013 11:50

June 14, 2013

Terra Chã, 13 de Junho de 2013

Muito público, há pouco, na festa de apresentação da candidatura de António Ventura à presidência da Câmara Municipal de Angra. Votarei na mudança, que bastante a cidade precisa dela. E, pela amostra, há de facto razões para termos esperança nela.






 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 14, 2013 07:52

Terra Chã, 14 de Junho de 2013

É incrível a liberdade que um homem ganha no dia em que é capaz de reduzir as suas ambições. E a perigosidade.




 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 14, 2013 07:50

Terra Chã, 12 de Junho de 2013


Debate esta noite na Câmara Municipal da Praia da Vitória, subordinado ao tema “Cultura e Indústrias Culturais e Criativas”. Alguma dificuldade na definição do que une e separa cada uma das coisas, mas em todo o caso três ou quatro ideias fundamentais. Uma indústria cultural exige um mercado, e os Açores não têm mercado para ela. Recuperar a massa crítica de que se alimentaria tal mercado é um trabalho urgente, mas que leva décadas a concretizar, desde logo porque estamos na cauda de Portugal – e até da Europa – a nível do alfabetismo e da escolarização. Em todo o caso, há muito tempo que os apoios oficiais não são canalizados para soluções estruturais (se é que alguma vez o foram), mas antes para a mera gestão de contingência, de resto de cariz eminentemente eleitoralista. Não deixa de ser curioso, já agora, que findo o dinheiro nos peçam sustentabilidade, sobretudo quando em tempos de vacas gordas nunca se lembraram de que era precisamente nisso que deviam investir. Mas, em todo o caso, oxalá ela chegue um dia – a sustentabilidade, isto é – porque, historicamente, alguma da melhor cultura e da melhor arte fizeram-se contra o poder, o que como é natural não se coaduna com este grau de dependência dos subsídios e dos restantes incentivos públicos. No fim, um solavanco especial entre o público: quando Paulo Raimundo, outro dos palestrantes, ousou questionar o modelo de financiamento (auto e hetero) de  algumas sociedades filarmónicas dos Açores. Irritação em barda. Suponho que se tenham esquecido de que, em Portugal, os agentes da Polícia têm de comprar as suas próprias fardas e as suas próprias pistolas – e sabe Deus, em muitos casos, com que sacrifício e em quantas prestações…

 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 14, 2013 07:46

Terra Chã, 11 de Junho de 2013

Rabanetes, alfaces, couves: a sonhada horta já produz a um ritmo praticamente de cruzeiro – e é quase altura de começar também a presentear familiares, amigos e vizinhos com pequenos mimos. É totalmente mágico presenciar (e até manipular) esse milagre que é enfiar coisas na terra e dali a dois meses elas regressarem pujantes e belas, prenhes de vida e de esperança. Esta natureza, insisto, é particularmente redentora. E a isso devemos uma parte deste estado de felicidade e de bonomia em que damos por nós todos os dias. E que persiste apesar de, por esta altura, já parecermos com certeza dois maluquinhos new age, convencidos que descobriram a verdade e quase prontos a cantar o hare krishna.




 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 14, 2013 07:36

Terra Chã, 10 de Junho de 2013

Tenho cada vez menos o que (por exemplo) pôr na minha página de Facebook. Um cínico diria talvez que viver nos Açores me está a reduzir os interesses. Eu, que o sou cada vez menos, acho que me está a deixar com menos opiniõezinhas , bem como com incomparavelmente menos jeito para o exercício da converseta. E agradeço de chapéu estendido a esmola dessa depuração.



 


***


  


A Catarina fez hoje pesto de rúcula. Do zero, com as coisas da horta, alguns temperos e uma trituradora. Ou muito me engano, ou entrámos na idade adulta.



 •  0 comments  •  flag
Share on Twitter
Published on June 14, 2013 07:33