Joel Neto's Blog, page 58

August 5, 2013

Terra Chã, 3 de Agosto de 2013

Piquenique em família num recanto espúrio do Monte Brasil, para celebrar o aniversário do meu pai. Os velhos estão de saúde, os miúdos crescem lindos, nós vamos levando a vida para a frente. Feitas as contas, comemos bem, resistimos a quase todas as certezas absolutas do doutor Segismundo e ainda engendrámos planos para voltar em Setembro, por ocasião do aniversário da matriarca. Fez-me lembrar os piqueniques da infância, tirando que agora estou na geração activa e sou eu quem afinal não pode ir jogar uma futebolada ao pé do armazém dos camiões militares, porque tenho um cotovelo nas últimas ou estou simplesmente cansado. Um dia, e já não tão distante quanto isso, seremos nós aqueles velhos de saúde. Não peço mais da vida do que isso. E é tanto.




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Published on August 05, 2013 05:08

August 2, 2013

Terra Chã, 1 de Agosto de 2013

Grande noite, ontem, no Q.B., com a terceira sessão do ciclo de cinema de Verão, organizado pelo Cine Clube. Mérito para a meteorologia, mais sólida do que aquando das duas primeiras sessões, e naturalmente também para Woody Allen, cujo “Os Dias da Rádio” arrebatou a maior plateia e gerou a melhor atmosfera até ao instante. Vamos lembrar-nos muitos anos destes dias em que, sem dinheiro, nos ocorreu a loucura de montar um ciclo de cinema em tempo recorde e num espaço comercial, portanto totalmente à revelia da praxis açoriana de hoje. E talvez algumas daquelas crianças que semanalmente continuam a voltar para se sentarem ali caladinhas, a ver filmes antigos sentadas numa manta, se recordem também. Recorde-se uma que seja e já terá valido a pena.


 


***


 


Cobri hoje as batatas de folhas de eucalipto, para afastar as pragas. Ao todo, e mesmo sem as ter sachado e só por uma vez as ter sulfatado, deram um rendimento superior a mil por cento. Para além de tudo, são saborosas, são minhas e vão dar para o Inverno inteiro, mesmo oferecendo um monde delas em volta. Já não estou tão certo de que em 2014 não volte a semeá-las.


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Published on August 02, 2013 06:32

August 1, 2013

Terra Chã, 1 de Agosto de 2013

Esta crise está a tornar-nos mais humanos? Nas empresas, por exemplo: há agora um impulso menor para pôr a pata em cima do pescoço do subordinado em frente? E nas cidades, vilas e aldeias: verte-se menos ódio ao ver passar a viúva vestida de vermelho? E no consultório: o senhor doutor anda menos dado a azias e humores? E aos balcões do comércio: um homem que se permitiu sonhar com um artigo para o qual a sua bolsa não chega, e que apesar de tudo não quer subscrever o novo cartão de crédito cujo prospecto o empregado de dedos esguios e bronzeados lhe estica de imediato, é tratado com menos condescendência? E na praia: a matrona oxigenada parece um nadinha menos furiosa por a vizinha ter estendido a toalha muito perto da dela? Bom, então, se calhar, está aí um dos aspectos positivos desta crise. Talvez se possa mesmo dizer que, apesar dos tantos que acabam sacrificados no



seu altar – e pelos quais não devemos esquecer-nos de chorar, um a um, enquanto pudermos gozar do privilégio de esse sacrificado não sermos nós próprios –, nós todos, como sociedade, como civilização, precisávamos desta higiene. E, aliás, tornaremos a precisar em breve, quando as gerações voltarem a suceder-se.



 


***


 



Morreu a mãe do Alcides. Do outro lado do mundo, em Porto Alegre. Conheci-a em 2005, sentados ambos na sala da sua casa, nas imediações da Avenida Ipiranga. Era uma senhora lutadora, que criara os filhos com tenacidade, apesar da viuvez precoce, e que lia o “Correio do Povo”. Gostei logo dela, como há tantos anos já gostava do Alcides, o meu primeiro amigo dos jornais, e depois meu amigo de todas as horas e para sempre. Separámo-nos em Lisboa, numa noite em que o ar parou, fumando à porta do seu pequeno apartamento no Lumiar. Tivemos anos gloriosos, nomeadamente com Setúbal como pano de fundo, e depois anos de amizade branda e cúmplice, como a dos homens adultos. Ensinou-me muito, sobre a profissão e sobre a vida de imigrante. No início de 2012, considerou-se satisfeito de Portugal e da Europa e voltou à velha Poa, para acompanhar aquilo que ainda não sabia ser o último ano de vida da mãe. Eu próprio estava então a caminho de deixar Lisboa, embora a decisão não se tivesse consumado ainda na minha cabeça. Na verdade, foi naquela mesma noite de cigarrilhas e silêncios, ambos sem sabermos muito bem se nos despedíamos ou não para sempre – e o que isso poderia significar –, que a parte mais substancial da minha relação com aquela cidade se esgotou. Tive logo a noção disso, e penso que a escolha (que não o desejo, já antigo) de regressar a casa começou a enformar-se na manhã seguinte. Hoje, quase todos os dias tenho saudades do Alcides. Digo-lho às vezes, por email ou pelo Facebook, e sei que ele fica constrangido. Mas sei também que gostaria de que eu pudesse ter estado, ontem de manhã, no funeral da mãe dele. Não há outra verdade como essa que nos pede para nos acompanharmos mutuamente perante a morte. E é por isso que eu estou seguro: voltaremos a ver-nos.

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Published on August 01, 2013 06:05

July 31, 2013

Terra Chã, 31 de Julho de 2013

Estão como que fora do seu próprio corpo, estacionados do outro lado da rua, a olhar para a sua própria vida. Conferem o seu próprio comportamento, avaliam a sua própria personagem, medem o equilíbrio da sua própria construção. Às vezes gostam do que vêem e tornam-se simplesmente cínicos. Outras não gostam e, como refúgio, tornam-se neuróticos. São duas faces da mesma moeda, para usar uma metáfora batida – e tudo o mais é questão de cor, do brilho com que nesse dia a revestem. Em dias mais luminosos, a vida inteira parece durar dois dias. Em dias mais sombrios, um dia parece durar a vida inteira. Nada de novo. A única dúvida que entretanto adquiri foi se a descrição assenta apenas às tribos urbanas, ou se a todos os filhos deste infortunado século. Mas, em regra, chega-me agora isto da ilha: o lugar que não deixa sair, mas também não deixa entrar.




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Published on July 31, 2013 04:33

July 30, 2013

Terra Chã, 30 de Julho de 2013

Tenho alguma dificuldade em perceber os meus amigos homossexuais nas suas reacções à recente intervenção do Papa em que este pede que a Igreja os saiba integrar. Ou porque "integrar" é verbo paternalista, ou porque "integrar" não é (ainda assim) levantar a sinalização de pecado – aparentemente, todos os homossexuais pensantes contestam Francisco, apesar de ele ter ido mais longe na matéria do que qualquer outro Papa da contemporaneidade. E eu não consigo deixar de entrever aí um extraordinário – mas nem por isso inusitado – conservadorismo. Ou muito me engano, ou os gays (estes gays) gostariam mesmo de obter a bênção da Igreja, como aliás já obtiveram o do Estado. Com todo o direito neste segundo caso, com menos razoabilidade no primeiro – mas em ambos com um impulso conservador que até talvez explique mais sobre a espécie do que sobre o género. E que, aliás, é muito bem-vindo, como quase sempre.




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Da série O Nosso Timing É Uma Gaita. Esta manhã comprei um bilhete de avião. Esta tarde percebi que ele me vai impedir de ver o AngraJazz. Sou tão estúpido.




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Published on July 30, 2013 07:15

July 29, 2013

Terra Chã, 29 de Julho de 2013


Marketing necrológico. Eis o que talvez devamos chamar-lhe agora. Primeiro eram os anónimos, nas chamadas redes sociais, desejando “repouso em paz” a todos os famosos falecidos (ou mesmo ainda não falecidos, como acontece com Nelson Mandela, que há dois meses anda a levar com “RIPs”). Agora são os candidatos às eleições autárquicas, as marcas comerciais e até os clubes de futebol a manifestarem a sua solidariedade, através de comunicado, com as vítimas (por exemplo) de acidentes ferroviários ocorridos no estrangeiro, como o de Santiago de Compostela. Até o Benfica – que não tem afinidade geográfica ou cultural com a Galiza, muito menos uma relação laboral ou histórica com vítimas do desastre ou seus familiares – o fez. Naturalmente, não está mais solidário do que nós, ou sequer do que os adversários que souberam remeter-se ao silêncio numa hora assim: apenas revelou menor cuidado em evitar que a dor do outro pudesse tornar-se numa notícia sobre si próprio. Devemos ter muito cuidado com aquilo que sentimos nestas horas porque estas horas tornam muito incerto o que aquilo que sentimos parece. Quando não o temos, deixamo-nos confundir com esse novo marketing que no imediato parece trazer sofisticação à nossa marca, mas no fundo apenas a entrega ao mais duro juízo da História.




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A comoção nacional do dia gravita em torno de uma queque de Cascais (era Cascais?) que terá dito numa entrevista de jornal que ir de férias para a Comporta, nos bons velhos tempos, era como "brincar aos pobrezinhos". A história, completa, retrata-nos a todos, ricos e pobres. Eles são arrogantes e incultos. E nós, ao fim de quase 900 anos, ainda nos surpreendemos com isso.

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Published on July 29, 2013 09:33

Terra Chã, 28 de Julho de 2013


Às vezes perguntam-me: “Tirando os livros, tu trabalhas em quê, agora?”, e eu tenho de voltar a recapitular. Em permanência, faço cerca de 16 críticas de televisão por mês para o “Diário de Notícias” e ainda mais quatro para a “Notícias TV”; escrevo à volta de 23 crónicas mensais a propósito da paixão do futebol para “O Jogo”, jornal onde publico mais um número indeterminado de textos em torno do golfe, que depois sustentam também o blog “Tudo Sobre Golfe”; tenho dois artigos sobre gastronomia por mês na “Notícias Magazine” e uma crónica protoliterária na “Nau XXI”; produzo um cartaz crítico de artes e espectáculos para a “J”, num total de cinco páginas por semana, ao lado das quais coloco ainda mais duas páginas de textos em torno do golfe; entretanto, escrevo ocasionalmente para o “Qi”, para a “Ler” e para outras publicações que me peçam textos literários ou afins, quando tenho tempo faço leituras especializadas para editoras como a Presença ou a Santilhana e ainda, sempre que possível, correspondo aos mais variados pedidos de publicações, casas editoriais e autores para colaborações de todo o tipo, pagas ou não – tudo textos de autor, de índole cronística e/ou crítica. Isto fora os livros, este diário e, já agora, a horta de que ele em parte se alimenta, a participação na direcção do Cine Clube da Ilha Terceira e uma série de outros pequenos projectos, nos Açores como em Lisboa. Basicamente, trabalho mais hoje do que em qualquer outro momento da minha vida, antes e depois de, há agora quase dez anos, ter decidido tornar-me um produtor de conteúdos independente, de modo a poder viver em qualquer lugar do mundo que me apetecesse (e em particular aqui, onde há muitos anos sonhava instalar-me). E, no entanto, há quase sempre uma certa surpresa no interlocutor, ao ouvir essa enumeração. Lê-se pouca imprensa aqui, mas não é só isso. Na verdade, muitos açorianos têm dificuldade em conceber que um tipo que viveu duas décadas “lá fora” possa ter querido regressar ao lugar da sua infância na flor da idade e a meio da melhor fase do seu percurso profissional e pessoal. Aparentemente, este apenas deveria ser um lugar de regresso para velhos e vencidos da vida. E eu, sempre sem saber muito bem por onde começar a demonstrar como está tudo errado nesse raciocínio, acabo por calar-me. Como explicar que me sinto pela primeira vez no centro do mundo?



 


 


*** 


 


De resto, eu devia trabalhado no romance, mas estava um dia glorioso e fomos antes dar um mergulho ao Negrito. Com alguma culpa, mas em todo o caso com determinação. Ganhámos o direito a gozar os fins-de-semana – e, agora, já não abdicamos deles.

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Published on July 29, 2013 08:31

Terra Chã, 30 de Julho de 2013


Às vezes perguntam-me: “Tu trabalhas em quê, agora?”, e eu tenho de voltar a recapitular. Em permanência, faço cerca de 16 críticas de televisão por mês para o Diário de Notícias e ainda mais 4 para a Notícias TV; escrevo cerca de 23 crónicas de futebol mensais n’O Jogo, jornal onde publico mais um número indeterminado de textos sobre golfe, que depois sustentam também o blog Tudo Sobre Golfe; tenho 2 artigos sobre gastronomia por mês na “Notícias Magazine” e 1 crónica literária na “Nau XXI”; produzo um cartaz de artes e espectáculos para a J, num total de 5 páginas por semana, ao lado das quais coloco ainda mais 2 páginas de textos sobre golfe; escrevo para o Qi, para a Ler e para outras publicações que me peçam textos literários, quando tenho tempo faço leituras especializadas para a Presença ou a Santilhana – e ainda, sempre que possível, correspondo aos mais variados pedidos de publicações, editoras e autores para colaborações de todo o tipo, pagas ou não. Isto fora os livros, este diário, a horta de que ele em parte se alimenta, a participação na direcção do Cine Clube da Ilha Terceira e uma série de outros pequenos projectos. Basicamente, trabalho mais hoje do que em qualquer outro momento da minha vida, antes e depois de (há agora quase dez anos) ter decidido tornar-me um produtor de conteúdos independente, de modo a poder viver em qualquer lugar do mundo que me apetecesse. E, no entanto, há sempre uma certa surpresa do interlocutor, ao ouvir a enumeração. Na verdade, muitos açorianos têm dificuldade em conceber que um tipo que viveu duas décadas “lá fora” possa ter querido regressar ao lugar da sua infância na flor da idade e exactamente a meio da melhor fase do seu percurso profissional e pessoal. Aparentemente, este apenas deveria ser um lugar de regresso para velhos e vencidos da vida. E eu, sempre sem saber muito bem por onde começar a explicar como está tudo errado nesse conceito, acabo por calar-me. Como explicar que me sinto pela primeira vez no centro do mundo?



 


 


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De resto, eu devia trabalhado no romance, mas estava um dia glorioso e fomos antes dar um mergulho ao Negrito. Com alguma culpa, mas em todo o caso com determinação. Ganhámos o direito a gozar os fins-de-semana – e, agora, já não abdicamos deles.

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Published on July 29, 2013 08:31

July 26, 2013

Terra Chã, 27 de Julho de 2013

Nós somos aquilo que nos faz rir. Somo-lo mais do que qualquer outra coisa, desconfio. É preciso muito cuidado com aquilo de que escolhemos rir-nos.




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Superlativa sopa de peixe, ontem à noite, na Quinta do Martelo. Como é que um lugar assim não está sempre cheio?




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Published on July 26, 2013 07:00

Terra Chã, 26 de Julho de 2013


Hoje não é preciso regar a horta. Chove. Que chova como é dado – e seja pelo amor de Deus.



 


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Extraordinário:  a segunda sessão do ciclo de cinema ao ar livre, agora com pipocas e tudo, teve ainda mais gente do que a primeira (não as contámos, mas julgo que, desta vez, namorámos as 150 pessoas). Isto com o filme mais longo e difícil do programa (“La Dolce Vita”, de Fellini), a ameaça de chuva transformando-se às vezes em pingas efectivas e um pequeno acidente inicial com o projector. Para a semana temos Woody Allen. Se calhar o melhor é deixar já lá a manta, a reservar lugar.


 


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Talvez a Catarina tenha razão e a felicidade com que temos vivido esta terra também se explique por a vida em causa ser uma espécie de intervalo na realidade. Sim, é provável que tenhamos de encará-lo, mais cedo ou mais tarde: há nesta experiência uma dimensão de “folie a deux” – uma alegria que também (também) advém do refúgio e, sobretudo, da irrealidade. Para as pessoas com que nos cruzamos na rua, pelo contrário, isto é vida real. Por isso se referem a alguém como “um fulano das Doze Ribeiras” ou “um gajo de bigode, que trabalha aí na cidade”. Por isso se zangam com quase nada e conduzem a 110 km/h nas freguesias. Os fulanos e os gajos, para mim, têm agora sempre nome. São sempre “um de nós”, ainda que me ocorra considerar a sua influência perniciosa. Povoa-me um persistente sentimento de fraternidade que, parece-me, resulta igualmente da dita irrealidade. Tenho de pensar melhor sobre isto – até porque pode vir a tornar-se central no romance. Mas, de qualquer modo, a impressão que tenho agora é que se pode perfeitamente viver quarenta anos de alienação – e, ainda assim, essa vida ter um significado.


 


***


 


No fundo, mantemos um olhar de fora para dentro. Como será se o invertermos? E correremos mesmo o risco de fazê-lo?



 


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Os computadores facilitam estas contagens. Até ao momento, usei dez vezes a palavra felicidade neste diário (fora as variantes “infelicidade” e “felicidades”, isto é), algumas delas a pretexto do nosso próprio estado de espírito. Acho difícil, afinal, um moderninho lisboeta vir a deixar-se tocar por estes textos. Felicidade é coisa de pobre.

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Published on July 26, 2013 03:36