Joel Neto's Blog, page 57

August 13, 2013

Terra Chã, 13 de Agosto de 2013

Eh, pá, vocês não se tatuem, miúdas. Depois chegam aos quarenta e isso é tudo umas peles que é uma coisa horrorosa. Ao menos dêem-se a si próprias a possibilidade de serem uma milf.




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Published on August 13, 2013 12:42

August 12, 2013

Terra Chã, 12 de Agosto de 2013


As escapadelas diárias à praia vão-me fazendo bem aos braços, de modo que este fim-de-semana pude enfim voltar à horta. A monda andava furiosa, mas já baixou a bolinha. Os tomateiros-cereja estão capados, desbastados e atados. Os talhões do feijão e do nabo foram limpos e postos à espera de novas espécies. As malaguetas, os pimentos e a beterrada encontram-se mondados, sachados e calçados – e, entretanto, começámos a apanhar devagar o milho, que aliás provaremos daqui a pouco, ao almoço (confesso alguma excitação). Tudo um razoável sucesso, pois. Menos as cebolas. De viagem e depois com o cotovelo dorido, não as sachei em devida altura. Resultado: dois centos de pés de cebolinho deram meia dúzia de cebolas razoáveis e duas ou três dúzias de cebolinhas boas, quando muito, para curtume. Pois hei-de portar-me melhor para a próxima. Nas cebolas, quero insistir. Espinafres, acelgas, brócolos e couves em geral – essas, sim, vão, por diferentes razões, para a lista das culturas menos interessantes.



 


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De resto, o fim-de-semana começou com bacalhau e Delirium Tremens na Serretinha, incluiu uma tarde de leitura e preguiça num cerrado do Raminho, com vista para a Graciosa, e acabou com chicharrinhos fritos e verdelho em São Mateus. Assim, é fácil começar a semana bem-disposto. Mais ainda quando nos lembramos de que, logo ao crepúsculo, voltamos a fazer um intervalo para 30 minutos de braçadas no Negrito…

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Published on August 12, 2013 07:19

August 11, 2013

Terra Chã, 11 de Agosto de 2013

Afinal, há outra razão para tantos o citarem como o livro das suas vidas para além do facto de poucos o terem lido. Voltar a "Cem Anos de Solidão", duas décadas após a leitura original, é confirmar o milagre. O prodígio. A assombração. Releio-o depois de chegar como um dia o li antes de partir. E, de repente, é como se nunca tivesse saído daqui.


 


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Ontem a Catarina fez um espanta-espíritos, enquanto eu lia no sofá, e tudo no mundo me pareceu belo.



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O locutor da rádio pública que costuma aproveitar a indolência das audiências de domingo para dizer que Ponta Delgada é "a capital" de "uma região em franco progresso" acaba de explicar que uma das razões por que gosta de ir ao Faial é o facto de a ilha ser muito boa para "a observação de crustáceos". Estou de acordo. Eu próprio adoro observar crustáceos. Embora prefira observá-los já no prato, temperados com limão e molho de manteiga. Em estando vivos, dá-lhes para se porem a andar para trás e trocam-me as voltas à observação.




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Published on August 11, 2013 03:32

August 10, 2013

Terra Chã, 10 de Agosto de 2013


“Não tens vida?”, perguntam-me, não sem uma pontinha de censura. Estou pouco disponível para a folia, em que os terceirenses são reis do Atlântico Norte – e, ao fim de um bombardeamento de convites elegante e culposamente declinados, vai-se tornando comum o interlocutor empertigar-se. Sendo razoável, é fácil: explico-lho. De contrário, apetece-me de imediato vir para aqui, escrever. Tenho alguma dificuldade em perceber que se estranhe a minha suposta falta de vida pessoal, se compareço em jantaradas e dou passeios e me ponho a apanhar sol numa praia com uma regularidade nunca antes registada. Mas, sobretudo, custa-me a ideia de que o trabalho não seja vida pessoal também, ou sequer (é extraordinário) vida em geral. Na verdade, se eu gostava de ter mais tempo era precisamente para trabalhar. Mesmo quando jogo no Euromilhões, aquilo com que sonho é com uma vida em que possa trabalhar com tal liberdade que nem precise de pensar em ganhar dinheiro com isso. Evidentemente, nem todas as tarefas que desempenho me entusiasmam de igual modo. E, com certeza, nem todas elas têm iguais virtualidades como arma de combate ao desespero, que no fundo é o que procuram todos os escritores, pintores, músicos e artistas em geral. Mas é pelo trabalho que eu me legitimo e – passe a banalidade – é a trabalhar que eu me sinto mais feliz. Se voltei para os Açores, não foi seguramente para descansar. Foi para gozar a vida, efectivamente – mas trabalhando. Do lugar de onde eu observo este mundo, não vejo sequer como se possa gozar de facto a vida sem trabalhar.



 


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O J.A. vai ser pai pela primeira vez aos cinquenta anos. Resultado: todos os dias alguém lhe diz qualquer coisa como “Agora, sim, vais saber o que é a vida.” Enfurece-se, e com razão. A ideia de que nós (e ele próprio até agora), os que não têm filhos, possamos ser apenas um monte de zombies, sem qualquer noção do que andamos a fazer neste mundo, não precisa sequer de ser desmontada: é apenas estúpida. E, no entanto, não deixam de provocar-me comiseração esses para quem ser pai ou mãe os resgatou. Ter filhos, imagino, há-de ser maravilhoso, perturbador, reconfortante – há-de ser um monte de coisas ao mesmo tempo, e a maior parte delas boas. Mas não é o que nos distingue dos animais. Até os cãezinhos da rua têm filhos. E, ademais, não sei se é da crise ou de outra coisa qualquer (até da minha percepção, admitamo-lo): a quantidade de pessoas que se recordam diariamente que foi a paternidade a validá-los apenas porque foi precisamente aí que se confirmou a desesperança parece-me engrossar todos os dias. Mas eu, claro, não tenho filhos. Não sei o que é a vida – e, aliás, estou com toda a certeza a tentar justificar-me por não tê-los.


 


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De qualquer modo, sim: postas circunstâncias contrárias, também há arrogância dos não pais em relação aos pais. Tudo depende sempre de qual parece ser, momentaneamente, a parte mais vulnerável da equação. O que só prova o maior e mais recorrente de todos os meus pontos: a arrogância está lá sempre. O desejo de manietar o outro. De pôr-lhe a pata em cima do pescoço. De nos legitimarmos excluindo-o.

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Published on August 10, 2013 03:06

Terra Chã, 9 de Agosto de 2013


A actual conjuntura político-jornalística (chamemos-lhe assim) tem de levar a comunicação social portuguesa, e os jornalistas em particular, a uma reflexão sobre o seu papel (e o alcance deste) na sociedade. Nunca um Governo foi tão claramente deplorado pelos media, onde poucos verbos são hoje escolhidos sem implicar um julgamento de processos, quando não de carácter. Mais: nunca houve tantos repórteres e pivôs insultando em público membros do Governo como acontece hoje, via Facebook. E, sim, também eu estou de acordo: este Governo está esgotado e é mau. Mas, então, porque é que o Partido Social Democrata continua tão em cima do Partido Socialista nas sondagens e a coligação que suporta o Governo a disputar a maioria? Para que servem os jornalistas hoje em dia, afinal?



 


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Tese imediata: os eleitores, os cidadãos, deram por adquiridos a corrupção das elites e o imperativo de viver – e até participar – apesar dela. Pelo contrário, os jornalistas continuam a centrar os seus esforços na denúncia da corrupção e tornaram-se inúteis. A reflectir melhor. Também pode ser tudo incultura – e, aliás, de parte a parte. Mas isso, numa manhã de sol como esta, custa mais a sancionar.


 


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Vale a pena dar atenção a um programa de televisão chamado “Lago dos Tubarões”, emitido na SIC Radical. Para lá das idiossincrasias do chamado talent show, ficam claras duas realidades. Nos EUA, o empreendedorismo começa na produção de riqueza, não no consumo; e o conceito essencial está no produto, não no negócio. É um paradigma que contrasta radicalmente com o nosso. Fizesse-se um “Lago dos Tubarões” lusitano e todos os projectos haveriam de ser para montar lojas de roupa e snack-bars.

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Published on August 10, 2013 02:58

Terra Chã, 8 de Agosto de 2013


Portanto, tenho bicos de papagaio. E um desvio na coluna. Eis o que acontece quando se começam a fazer exames: descobre-se que o nosso corpo está a envelhecer. Sempre fui contra.



 


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De qualquer modo, julgo que nunca fui um hipocondríaco clássico. Nunca tive medo de morrer. A possibilidade de passar os últimos anos da minha vida, ou semanas, ou instantes apenas, a contemplar a aproximação da morte, impotente e em degradação – isso, sim, pareceu-me sempre o pior de tudo. A ignorância anda muito subestimada.

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Published on August 10, 2013 02:52

August 7, 2013

Terra Chã, 7 de Agosto de 2013


As alterações ao outline de “Cerrados” prosseguem devagar, mas consolidadas. É a primeira vez que parto para um livro (ou pelo menos o agarro em definitivo) com um roteiro pormenorizado na mão, incluindo fichas de personagens, paragens obrigatórias, planos alternativos e soluções de recurso. Talvez, no fim, venha a revelar-se má opção: um monte de grilhões que tornarão mais fácil levar a intriga a bom porto, mas no fundo tolherão a escrita, a sua liberdade – a literatura. Mas resultou para muitos dos melhores, como eu pude confirmar ao cruzar-me com os outlines (mais pormenorizados uns e menos outros, mais seguidos à risca uns e mais corrigidos a esferográfica outros) de algumas das mais importantes obras do século XX. De resto, nem sequer foi a literatura a inventar a técnica. A arquitectura usa-a há milénios, e aliás bem podíamos roubar-lhe a ela (uma vez que parece não haver palavra correspondente em português, isto é) a terminologia a usar. Planta. A planta do meu novo livro – nela tenho trabalhado em todos os poucos bocadinhos que me vão sobrando numa rotina que, apesar de tudo, se mantém pesada. Uma planta já com uma série de soluções de acabamentos anotadas à margem, como suponho que são todas as plantas. Resultará?




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Olho para as abóboras, nascidas há apenas uns dias e já com um palmo de comprimento, e não consigo deixar de sentir-me grato. Grato à terra: pelas abóboras, pelas malaguetas, pelos pimentos, pela açaflor, pelos tomates-cereja e pelos tomates de capucho, todos jovens e já tão viçosos. Como ficar indiferente à generosidade da terra?

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Published on August 07, 2013 03:48

August 6, 2013

Terra Chã, 6 de Agosto de 2013


Os tomates grandes começaram hoje a pintar, os tomates-cereja despontam por todo o lado e, graças ao extracto de alho (e ao conselho do V., bendito seja ele), parece que sempre vamos conseguir desviar meia dúzia de tomates-de-capucho aos melros. Confirma-se: os Netos têm o toque de Midas para o tomate.



 


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Interessante conversa, ontem, com o T. e o B.. Sucesso, em sendo de dinheiro que falamos, não é ganhar cento e cinquenta mil euros por ano. Ou meio milhão. Ou três milhões. Nem ser proprietário de empresas, nem ter cartão de milhas da Singapore Airlines, nem sequer viver numa casa com hipódromo e vista para o mar. Sucesso é precisar apenas, para se ser feliz, de (vá lá) setenta por cento daquilo que se ganha. Ganhar cem mil e precisar apenas de setenta mil. Ganhar dez mil e precisar apenas de sete mil. Ganhar mil e precisar apenas de setecentos. Ter o suficiente para não precisar de pensar nele, se possível – e, depois, saber ser livre. Viajar leve. Um monte de banalidades com que todos concordamos, no fundo. Mas, então, porque nos endividámos no tempo das vacas magras – e porque, já agora, continuamos à espera de que a crise passe para voltarmos exactamente à mesma vida?


 


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Muitas saudades de jogar golfe. Um dia destes agarro nos tacos e mando os tratamentos às malvas. Que diabo.

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Published on August 06, 2013 03:51

August 5, 2013

Terra Chã, 5 de Agosto de 2013

Geoffrey Oryema ainda na cabeça, para trás e para a frente, depois de o ter reencontrado num fogacho ao cruzar-me com um excerto de “O Fiel Jardineiro”, de Fernando Meirelles. Metade da vida desfilando desde então ao som da introdução de “The River”, o tema de abertura de “Beat The Border”. Não é boa música, mas por outro lado não tem sido uma má vida. Duas consciências que, à beira dos quarenta, são também dois privilégios.




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A resistência dos sindicatos de professores à criação de uma prova de acesso à carreira docente, ou mesmo à exigência de uma nota minima de 14 na Prova de Avaliação de Conhecimentos, Capacidades e Competências, apanhar-me-ia totalmente desprevenido se eu não estivesse já de pé atrás. Pessoalmente, encantava-me que os analfabetos que há no “jornalismo” deixassem de poder escrever nos mesmos jornais que eu. Exactamente, o que leva um professor a concordar com um sindicato quando ele contesta tal avaliação?




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Published on August 05, 2013 05:19

Terra Chã, 4 de Agosto de 2013


Longo encontro, pela manhã, com estudantes norte-americanos de literatura portuguesa e açoriana, e que vieram aos Açores para conhecer cenários e escritores. Miúdos interessantes e cultos, com uma paixão genuína por esta terra e um conhecimento efectivo desta literatura. Ouvi-os e tornei a celebrar a receptividade que este diário começa a ter também na diáspora, onde vários jornais pretendem publicá-lo também. E voltei a ter saudades da América, mas menos. Uma parte da América de que eu mais gosto estava ali, à minha frente, falando de literatura.



 


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Íamos à praia, mas choveu. Lamentámo-lo por um instante e depois deixámos cair-nos no sofá, a Catarina a ensaiar um novo ponto de croché, eu a ler, os World Golf Championships ao fundo, na televisão, com o som muito baixinho. Íamos à praia, mas choveu – e ficou tudo bem na mesma.


 


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Havia algo no quarto dos meus pais, durante a infância, que era sagrado. Visitávamo-lo amiúde, eu para roubar meias e a Laura para roubar colares (seriam colares?), mas julgo que em ambos os casos com uma certa reverência, sobretudo se ao domingo. Era o único quarto lá de casa que tinha a cama feita, o que desde logo o distinguia. Mas aos domingos entrava-lhe o sol pelas janelas, os carros passavam muito esparsos e lentos lá fora, e tudo aquilo me parecia bom e conforme: as bugigangas em cima da cómoda, o reloginho preto, as cadeiras de camurça, os puxadores das mesinhas de cabeceira, o silêncio. Às vezes eu já trazia as meias na mão, furtivo, e apesar disso sentava-me um pouco, sobre a colcha aveludada e aquecida pelo sol, a aspirar o cheiro doce que ainda hoje confundo com o de uma tarde de domingo. E que – eis o que quero dizer – encontro agora no meu próprio quarto, em dias abençoados como este. Tenho de escrever sobre esse cheiro.

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Published on August 05, 2013 05:16