João Batista Escritor's Blog, page 2

May 22, 2013

Choro por dentro

Choro por dentro. Uma angústia terrível assola-me a alma de uma maneira violentamente subtil que me deixa indefeso e sem capacidade de reação. Ontem encontrei-te, hoje desejo ter-te de volta. Sei que nunca mais te verei, que foi coisa de uma única noite. Por que são sempre essas que me arrebatem o espírito e me submetem à insaciável vontade de ter mais? Hoje sei que não te posso ter, cruel destino para quem te deseja com tanta força. Nunca antes tinha visto tamanha beleza e graciosidade, nem tão pouco beijado e abraçado tão bela mulher. Agora que me deito, desejo não estar sozinho, desejo partilhar contigo a minha cama, aninhar-me contigo pela noite dentro. E não consigo adormecer. Vêm-me à memória flashes de ti, das tuas feições de cortar a respiração, do teu jeito de te moveres inigualável em subtileza. 

Sei que nunca mais beijarei os teus lábios e isso consome-me qual labareda infernal que arde dentro do meu estômago. À volta do pescoço, sinto uma corda que se aperta mais a cada momento tornando extremamente complicado a respiração. A garganta seca e o olhar vazio. A angústia. Sinto um apelo fortíssimo em deixar tudo e partir ao teu alcance, enquanto a tua presença ainda se encontra no meu modesto raio de ação. Desejo ver-te outra vez mas sei que nada irá mudar. A angústia não passará, apenas será adiada. Seja hoje ou amanhã, a nossa despedida é inevitável. Tu não pertences aqui. De que serve ver-te de novo, saciar a louca vontade de ti? Sei que nunca conseguirei captar-te a essência, guardar-te para mim. Hoje ou amanhã, irás sempre tornar-te numa memória e nada mais que isso. Oh, como eu desejo a evitabilidade do inevitável... Se ao menos fosse eu dono do destino, nunca partirias de junto de mim. Serias a tal e assim te trataria. A mulher mais bela que alguma vez conheci, beijei, abracei… E partes no dia seguinte. A diversão que dá lugar à lágrima, o êxtase que dá lugar à angústia. Pergunto-me se sentirás o mesmo, agora que também te deves estar a deitar numa cama vazia.
Se ao menos houvesse alguma maneira de prolongar a sensação de te ter junto a mim, captá-la, guardá-la, senti-la sempre que quisesse... Sei que, invariavelmente, a memória acabará por se desvanecer e quero lutar contra isso com todas as minhas forças.
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Published on May 22, 2013 15:19

May 21, 2013

Diário de um voluntário


Lembro-me da primeira vez que fiz trabalho voluntário. Estava entusiasmado por ajudar as pessoas, por servir a comunidade! Nessa noite, não consegui dormir… Nem nas seguintes. A miséria que presenciei, os rostos que vi, nada me saía da mente quando finalmente repousava a cabeça na almofada. Tantas histórias por aí perdidas, tantas vidas que ficaram a meio. E nós, distraídos com os mais mundanos assuntos, chafurdando na riqueza que chamamos de escassa. Quando cheguei a casa, por volta das três da manhã, depois de fazer a volta numa carrinha por Lisboa a distribuir comida e mantas aos que na rua se abrigam, comecei a digerir tudo quanto os meus olhos haviam visto naquela noite. Só aí, quando a minha mente repousou, tanto quanto é possível repousar depois da primeira vez que se desempenha tal tarefa, comecei a processar tudo quanto vira e sentira. No momento, a urgência do bem-fazer e o pragmatismo de ajudar tantos quanto possível não permitem que o cérebro elabore sobre o que os olhos vêm e torna-os imunes ao que à nossa volta vai tendo lugar. Mas depois não é assim... 
Quando finalmente chegamos ao lar que chamamos de nosso, disfrutamos de uma refeição quente e abundante e nos deitamos num colchão macio é que nos apercebemos que aquela gente não tem nem lar, nem cama e a refeição é escassa. O processo seguinte é olhar para o telemóvel de segunda geração, para o computador já desatualizado e para o risco que se tem na porta do carro e perceber que são esses os nossos problemas mais urgentes. Damos por nós a desejar possuir a gama mais alta de tudo quanto tocamos e esse desejo só desaparece naquele momento, quando chegamos à cama depois de uma volta nas carrinhas da noite. E acreditem, elas andam aí todas as noites. Sempre que estiverem confortavelmente a dormir nas vossas camas delicadas, sempre que estiverem a desejar por um telemóvel mais avançado, por um computador topo de gama ou por uma pintura nova para o carro. Têm de andar. Para aqueles voluntários não há outra maneira, outra opção. Eles já viram a realidade, já não estão protegidos no nosso castelo de marfim onde os sonhos vêm através de um ecrã de alta resolução. Eles já viram a miséria, a pobreza, a dificuldade. Já não conseguem ignorar o assunto.

Lembro-me da primeira vez que fiz trabalho voluntário. Lembro-me particularmente de estar no duche e lavar essencialmente a alma, as mágoas, e não o corpo que não estava sujo comparado com a sujeira que os meus olhos tinham visto nessa noite. Subitamente dei pela minha mente a vaguear e os meus desejos já não eram os mesmos. Mil ideias assaltavam a minha mente, ideias empreendedoras para combater a pobreza e acabar com tudo o que tinha visto. E eram boas ideias! Numa só noite consegui identificar vários problemas graves que necessitam de solução e identifiquei também algumas soluções. Ideias... Ideias que a pequenez da idade e a ingenuidade do saber não permitiram que saíssem da mente. Nunca na minha vida me senti tão impotente. Um sentimento apenas comparável ao amor não correspondido. Algo tão arrebatador que nos prende num colete-de-forças, corpo e alma. Somos esmagados pela vida, por tudo quanto nos rodeia e não temos qualquer meio ao nosso alcance para escapar a tal fado. 

Lembro-me também que era uma sexta-feira, noite de festa para muitos jovens. Lembro-me de uns bêbedos, outros a meio caminho, uns com as namoradas, outros à procura delas, todos alheios à realidade que estava a acontecer ali mesmo ao lado. Quantos passaram, no seu caminho para os bares ou discotecas desta cidade, e nem um olhar de preocupação nos deitaram, nem curiosidade tampouco. Jovens iludidos pelos prazeres mundanos, imediatos, efemeridades que buscam incessantemente e que lhes roubam o tempo para pensarem no que significa a vida. Será que só cá andamos para viver as coisas boas, experimentar o radical, ir ao limite e ter a sensação que de facto estamos a desafiar a perigosidade? Que há mais de limite do que alimentar um sem-abrigo nas ruas de uma cidade indiferente? Que há mais de limite do que conhecer as histórias de quem já foi como nós e agora vive assim, sem nada? Nada, eu vos digo, nem que saltem de um avião. Aí, terão sempre um para-quedas... Não há para-quedas que nos salve a alma quando olhamos nos olhos de um sem-abrigo e não lhe sabemos explicar por que razão é ele quem está ali, vestindo as roupas da sua condição, e não nós que nascemos numa família que nos deu pelo menos o mínimo indispensável.

Um homem não é aquele que enfrenta o touro ou o abismo, que faz truques com o carro ou com a bicicleta, que desafia o medo com qualquer desporto estúpido. Um homem é aquele que chora ao ver a miséria, o sofrimento. Não é um choro de prostração, de incapacidade. É sim um choro de quem se abre ao mundo para o compreender, de quem se abre às emoções, às sensações, e se deixa tocar. Já pouco toca o homem, ser que se fechou aos sentimentos. Já nem o amor encontra o seu caminho até à alma do sujeito. Que esperança há para uma humanidade assim? Uma humanidade que vê a miséria e desvia o olhar pensando apenas na noite maravilhosa que vai ter com os seus amigos num bar qualquer por aí... Não basta ver o sofrimento, nem tampouco ajudar a corrigi-lo. É preciso sentir, sentir o mundo, sentir os nossos semelhantes. É isso que nos torna humanos! A nossa capacidade de sentir e de nos deixamos tocar por sentimentos, emoções e sensações. A ajuda é bem-vinda e necessária mas esgota-se em si mesma quando não parte de uma alma tocada. Tal como acontece ao relacionamento amoroso que não tem o amor por sua base.

Nessa noite não dormi. Foi a minha chamada de atenção. Julgava que ia colecionar mais uma experiência, uma vivência sem sentido, mas foram aquelas pessoas que acabaram por colecionar mais um voluntário para a sua causa, mais uma alma tocada pela miséria que se esconde debaixo de um viaduto secundário ou num canto resguardado dos olhares curiosos. Senti uma tristeza muito grande. Ver-me naquela situação, conhecer aqueles que nada têm e apenas me vinham à memória as caras dos transeuntes anónimos que passavam alegremente por nós. Que alegres eles estavam, que felizes! Como se pode ser alegre ou feliz quando ao nosso lado tem lugar a plena degradação humana? Como pode isso não tocar a alma de alguém? Que angústia sentia eu naquela altura! O peso nos ombros de toda aquela situação, carregar comigo aquela mala de viagem tão pesada e os outros à minha volta sem me oferecer ajuda ou sequer reparar que a transportava comigo.
Aquela noite foi decisiva na minha maneira de pensar, de ver o mundo. Não mais poderia ser um caçador de experiências efémeras, de futilidades passageiras. Não mais seria o mesmo, não depois de experienciar todos aqueles sentimentos tão fortes e poderosos. Decidi que chegara o momento de fazer algo por aquela gente e por esta sociedade que vive tão despreocupada e enganada. Decidi que iria dedicar a minha vida a criar algo, a desenvolver uma obra, algo que fizesse a diferença na vida das pessoas, na sociedade do meu país. Decidi que iria meter mãos à obra para, um dia mais tarde, ser capaz de dar o meu contributo para reverter ou, pelo menos, atenuar esta situação. Foi assim que abri os olhos para o que está a acontecer à minha volta, foi assim que percebi o significado de ser humano, de estar vivo, de habitar este mundo. Foi assim que me tornei num voluntário.
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Published on May 21, 2013 03:56

May 20, 2013

A rapariga do fundo da sala


Um olhar indiscreto. O embaraço de uma espreitadela demorada, daquelas em que os olhares se cruzam e se demoram, como que presos um ao outro. E depois a vergonha, as faces a corar, a atrapalhação de não saber que posição dar ao corpo. Dizem que a primeira impressão é fundamental na formação do juízo que se tem sobre a pessoa. Esta foi a minha primeira impressão: eras a rapariga do fundo da sala. Aquela para quem eu olhava quando já não suportava a monotonia do restante, aquela para quem eu olhava para me sentir mais vivo, para sentir que não estava a definhar por dentro. Causavas várias reações em mim e promovias os mais diversos pensamentos. Fazias mexer o mecanismo cá dentro e, assim, eu sabia que não estava morto, a definhar. Já não estamos aí, já não podemos estar aí. Estamos noutro lado qualquer, talvez melhor, sem dúvida mais interessante. Caminhamos em direção a algo que desconhecemos, que ignoramos, que tememos. Mas eu sei que é aí que quero estar. Eu sei que é esse o caminho que quero percorrer.
Dás-me a tua mão?
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Published on May 20, 2013 15:57