Vital Moreira's Blog, page 48

October 15, 2023

Memórias acidentais (23): O cerco à Assembleia Constituinte

1. Um dos episódios mais marcantes na história da Assembleia Constituinte (1975-76), de que fui testemunha pessoal, como deputado que era do PCP, foi o cerco ao palácio de São Bento, de 12 para 13 de novembro de 1975, por uma enorme manifestação dos sindicatos da construção civil, vinda desde o ministério do Trabalho (à Praça de Londres), cerco que manteve os deputados confinados durante longas 36 horas.

Ouvindo os revoltados comentários de muitos deputados de outros partidodos nos corredores nessa longa noite, não tive dúvidas de que o sequestro do único órgão eleito do poder político de então aumentava seriamente a hipótese de uma operação para fazer valer a "ordem democrática" contra a "anarquia revolucionária", de que se falava desde o verão -, que veio a ser o 25 de Novembro, que pôs termo ao processo revolucionário. 

2. O episódio do cerco constitui o objeto de um livro de Isabel Nery, acabado de publicar (na imagem), que hoje dá uma entrevista ao Diário de Notíciais sobre o tema.

Concordando em geral com a versão dos acontecimentos nessa entrevista, tenho, porém, dois pontos de divergência. Em primeiro lugar, penso que a autora não tem razão quando escreve que os deputados do PCP, do MDP e da UDP tinham liberdade de saída e entrada do Palácio. Se bem me lembro, no que diz respeito pelo menos ao PCP - o qual, embora solidário com a luta sindical da construção civil, não apoiou o cerco -, os seus deputados, entre os quais se encontravam dirigentes do Partido, também sofreram o confinamento, e a única derrogação de que me dei conta foi a saída de uma deputada do Barreiro, que conhecia alguém no piquete sindical, e que na noite do dia 12 foi autorizada a sair para buscar abastecimentos, o que fez.

De resto, se esses deputados podiam sair, porque é que haveriam de voltar? A verdade é que nenhum deixou o Palácio.

3. Discordo igualmente da aproximação, admitida pela autora, desse cerco de 1975 com os recentes episódios do assalto e invasão violenta e destrutiva do Congresso dos Estados Unidos e do palácio do Planalto em Brasília, em ambos os casos organizados por forças da extrema-direita para contestar os resultados das eleiçoes presidencias nos dois países, constituindo, portanto, verdadeiras tentativas de golpe de Estado.

Ora, sem desvalorizar a gravidade do caso de 1975, em Lisboa, o que é facto é que não houve nenhuma invasão, muito menos depredação, do Palácio de São Bento, nem menção dela, e o cerco, protagonizado por sindicatos sem nenhum apoio partidário explícito, não visava pôr em causa nenhumas eleições nem operar qualquer subversão das instituições políticas existentes. O referido paralelismo parece-me, por isso, de todo infundado.

AdendaUm leitor recorda que o verdadeiro alvo da manifestação sindical era o Governo, tendo sido também cercada a residência oficial do PM, situada na cerca posterior do Palácio de São Bento, e que no início da manifestação, o chefe do Governo, Pinheiro de Azevedo, se dirigiu aos manifestantes a partir da varanda do Palácio, dando lugar às vaias daqueles, pelo que a Constituinte terá sido uma «vitima colateral à mão» da ira dos manifestantes.http://rpc.twingly.com/
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Published on October 15, 2023 07:50

October 14, 2023

Como era de temer (6): Quando Israel compete com o Hamas

1. Como era de recear, o governo israelita resolveu enveredar por práticas de olho-por-olho e dente-por-dente em resposta ao ataque terrorista do Hamas, com o bloqueio total a Gaza, incluindo o corte de energia, de combustível e de água a 2 milhões de habitantes do território, a imposição do abandono da cidade de Gaza pela população (1 milhão), o bombardeamento maciço de alvos civis e equipamentos públicos -, tudo formas de punição coletiva de má memória, em flagrante violação das normas do direito da guerra e do direito humanitário.

Ao contrário dos grupos terroristas, um alegado Estado de direito, como Israel, não pode tomar as populações civis como reféns e vítimas coletivos da sua luta antiterrorista, sob pena de se parecer com eles.

2. Tão grave como este verdadeiro terrorismo de Estado israelita é a complacência e o cinismo ocidental  perante o massacre de Gaza em curso, limitando-se a solicitar deferentemente ao governo israelita que não dê uma resposta "desproporcionada", quando é evidente que não há limites de nenhuma espécie na punitiva contraofensiva de Tel-Aviv. Uma vergonha!

Mais uma vez surge a questão da duplicidade de critérios ocidental: com que legitimidade e credibilidade é que a Nato e os seus membros, incluindo Portugal, podem continuar a condenar os crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, como têm feito, se são coniventes com os praticados por Israel contra os palestinos em Gaza e na Cisjordânia à vista de toda a gente?!

AdendaQuando o MNE nacional se limita a esperar que «a matança de palestinianos em Gaza não seja desordenada», está tudo dito! Nem o Secretário de Estado norte-americano seria tão cínico. Revoltante!http://rpc.twingly.com/
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Published on October 14, 2023 09:12

Novo aeroporto (7): O mistério do PSD

1. Subitamente, o líder do PSD veio colocar em causa a credibilidade da Comissão Técnica Independente sobre o novo aeroporto, constituída pelo Governo com o seu acordo, ameaçando tirar-lhe o tapete, se o relatório final daquela não se revelar «100% independente»

Trata-se, porém, de uma reação tardia e inconsequente. Tardia, porque desde o início são claros os indícios de que na CTI o jogo tem um vencedor antecipado - Alcochete; inconsequente, porque a tímida ameaça do PSD em nada vai demover a Comissão, e depois do veredicto desta nada haverá a fazer, apressando-se o Governo a ratificá-lo -, ufanando-se de ter dado solução a uma das grandes questões em que o País se consumia há décadas. 

Pior do que isso, se nessa altura se demarcar, o PSD corre o risco de ser acusado de recusar ex post facto o resultado de um jogo cujas regras e cujo árbitro aceitou.

2. A independência da CTI ficou em crise desde o princípio, com a nomeação da sua presidente, que fez parte do grupo de trabalho que no LNEC tinha fundamentado, durante o I Governo Sócrates, o abandono da Ota a favor de Alcochete. Esse manifesto conflito de interesses era bastante para impedir a sua nomeação, ou para levá-la a não aceitar -, o que sintomaticamente não acorreu.

Depois disso, somaram-se os indícios de parti pris em favor de Alcochete: a invenção de novas opções improvaveis na margem sul do Tejo, só para tornar natural a escolha de uma localização para essas bandas; a afirmação de que Santarém só estava entre as localizações a estudar porque constava a lista do Governo; o "esquecimento" dos custos orçamentais e dos custos de acesso para os utentes, na primeira lista de critérios a utilizar na avaliação; a nomeação de notórios "campeões" de Alcochete para a Comissão de Acompanhamento; a contratação de vários defensores de Alcochete pela CTI, incluindo a seleção, por adjudicação direta, do autor de um dos principais estudos.

Quando as cartas estão marcadas, só por cinismo político é que se pode esperar que a solução indicada ou favorecida pela CTI seja "100% independente".

3. O líder do PSD não pode ignorar que a solução de Alcochete - cujos promotores, sintomaticamente, não dão a cara - é, desde há duas décadas, uma gigantesca aposta financeiro-imobiliária, que consiste na edificação de uma espécie de "Lisboa-B" à volta do novo aeroporto, servida por novos acessos rápidos rodoviários e ferroviários, envolvendo bancos e grupos financeiros, construtoras e empresas imobiliárias, consultoras e escritórios de engenharia, todos à espera do devido prémio financeiro para os seus investimentos.

Não sendo crível que o PSD esteja disponível para desafiar tais interesses, a sua tardia e inconsequente dúvida sobre a independência da CTI constitui um verdadeiro mistério.

AdendaCitando esta opinião de um especialista de há meses, um leitor pergunta se faz sentido escolher a localização e o tipo do novo aeroporto «antes da projetada privatização da TAP e de conhecer a preferência do grupo aéreo que a vai gerir». Boa questão. 
Adenda 2Pegando na questão dos «poderosos promoteres-mistério de Alcochete», sendo publicamente conhecidos os de Santarém e do Montijo, um leitor entende que devia haver haver uma cabal investigação sobre isso (aquisição de terrenos, empréstimos hipotecários, bancos envolvidos, etc.) e pergunta se, «havendo inquéritos parlamentares por tudo e por nada», se não se justifica um neste caso. Boa provocação!
Adenda 3Um leitor considera que a recente "filtragem" para a imprensa da hipótese-fantasma de Vendas Novas - não se vê para que população! - é uma «simples cortina de fumo para dar a impressão de que ainda considera alternativas a Alcochete» e mostra que, «ao instumentalizar os media "amigos" desta maneira, a CTI já perdeu qualquer escrúpulo na "venda" da sua pré-decisão». Tem razão!
Adenda 4Outro leitor pergunta: «se a decisão já está tomada, por que é que os defensores das outras lozalizações continuam a colaborar com a Comissão, legitimando o jogo viciado?» Boa pergunta!http://rpc.twingly.com/
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Published on October 14, 2023 08:21

October 11, 2023

Contra a corrente (4): O orçamento pródigo

1. A capa do Público de hoje ilustra bem o anunciado "bodo" orçamental para o ano que vem: aumentos substanciais de remunerações, de pensões, de prestações e transferências sociais e das dotações orçamentais em geral, acompanhados de uma redução de impostos, principalmente do IRS, acima do esperado. Tudo somado (mais outas medidas afins, como o aumento sem precedente do SMN), o orçamento vai traduzir-se num considerável aumento da despesa pública e do rendimento disponível da generalidade dos portugueses. 

A boa saúde das finanças públicas e o ano eleitoral (eleições europeias) justificam a generosidade orçamental.Restam, porém, duas dúvidas: (i) esse aumento substancial do poder de compra agregado não é contraditório com a luta em curso contra a inflação, tornando-a mais resistente? (ii) será que o aumento estrutural da despesa pública que este orçamento provoca é sustentável quanto os atuais ventos financeiros favoráveis se inverterem e o PRR da UE findar?

2. Às benesses orçamentais não escaparam as propinas do ensino superior, mas uma vez congeladas, derrogando a fórmula legal da sua atualização.  Desde 2015, incluindo reduções e congelamentos, o seu valor real não cessou de diminuir, reduzindo a sua contribuição para o financiamento das instituições.

Com isso, as IES tornam-se financeiramente menos autónomas e o orçamento do Estado tem de compensar esse défice de autofinanciamento, em vez de reforçar, como devia, o financiamiento das bolsas de estudos dos estudantes com menores recursos, enquanto favorece os que têm mais. A meu ver, uma opção errada.
3.  Há que saudar, porém, uma medida contra esta geral prodigalidade orçamental, que é o fim do chamado "IVA zero" para um pacote de bens alimentares e afins, o qual é substituído por uma ajuda monetária ao poder de compra das famílias mais carenciadas, como aqui defendi na altura.Mais vale corrigir tarde um erro do que nunca; mas é pena que, entretanto, não tenham sido cobradas centenas de milhões de euros em IVA a pessoas que em nada precisam de tal subsídio. Mesmo em períodos de "vacas gordas" orçamentais, não se compreende que se deite dinheiro público à rua.http://rpc.twingly.com/
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Published on October 11, 2023 12:55

October 9, 2023

Euroeleições 2024 (1): O PSD em dificuldades

1. A sondagem eleitoral hoje publicada é preocupante para o PSD, que voltou a ser claramente suplantado pelo PS, depois de não ter conseguido mais do que um equívoco empate, durante a longa novela do inquérito à TAP, com os "casos" de Pedro Nuno Santos e de Galamba à mistura, inescrupulosamente explorados pelo PR, que fragilizaram o Governo.

É certo que não é facil a oposição contra um Governo que tem a seu favor um boa situação económica e financeira, em grande parte "cortesia" do PRR da UE, o que explica o crescimento do emprego, o aumento das pensões e das prestações sociais, as medidas para atenuar o impacto social da inflação, além de algumas importante reformas já no terreno ou em vias de execução (despenalização da eutanásia, descentralização municipal, protorregionalização das CCDR, ordens profissionais, gestão do SNS, escolha de localização do novo aeroporto, avanço do TGV...). 

Mas a essa dificuldade tem-se somado no partido líder da oposição o manifesto défice de liderança e de clara alternativa de governo (programa e equipa), os equívocos sobre a relação com o Chega, o rasteiro oportunismo de algumas propostas avulsas, como a recuperação do tempo de serviço dos professores, alinhando com a esquerda radical, etc. Por este caminho, o PSD não vai lá...

2. Neste quadro, o eventual insucesso do PSD nas eleições europeias de maio do próximo ano - e somente uma clara vitoória lhe serve -, poderá ser o dobre de finados de Montenegro à frente do partido e dar lugar à uma disputa pela sua substituição, seja pela nova estrela ascendente (Moedas), como alguns observadores prognosticam, seja pelo regresso de sénior Passos Coelho, para dar novo alento ao partido. 

Contudo, esse insucesso eleitoral também retira ao PR qualquer pretexto para dissolver a AR e antecipar eleições parlamentares. O embate político ficará, portanto, adiado para 2026, no fim da legislatura. Mas, sendo desde a origem um partido de poder, como vai o PSD resistir a 11 anos fora dele (um record...), sem abalos internos? 

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Published on October 09, 2023 06:41

October 8, 2023

Assim, não! (7): Gestão imobiliária incompetente

Segundo esta notícia do Expresso, a «Segurança Social tem 425 imóveis devolutos e €20 milhões de rendas por cobrar»

Ora, sendo manifesto o défice do parque imobiliário (sobretudo habitacional) nacional, é imperdoável que uma instituação pública com as responsabilidades financeiras da Segurança Social tenha centenas de imóveis sem utilização; além disso, sendo a Segurança Social financeiramente autónoma, não se compreende que não cobre ao Estado a renda devida pelos seus prédios por ele ocupados. O Estado não tem direito à utilização gratuita dos imóveis de instituições públicas autónomas.

A Segurança Social deve uma cabal explicação pública ao País.

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Published on October 08, 2023 16:00

SNS em questão (26): Respostas que faltam

Nos posts desta série, tenho vindo a deixar as minhas dúvidas sobre a sustentabilidade do atual modelo de SNS em Portugal, e penso que nenhuma reforma do mesmo pode ser bem-sucedida sem a resposta a esta questão crucial: como é que se justifica que, tendo havido desde 2015 um aumento substancial do financimento e dos recursos humanos do SNS, a situação de crise não só se não atenuou como se agravou?

É evidente que por cada milhão de euros a mais e por cada milhar de profissionais a mais deveria haver um aumento correspondente dos cuidados de saúde prestados (consultas, exames, intervenções cirúrgicas, etc.). Mas onde estão essas contas? Como responder à acusação de que desde a pandemia a ineficiência do SNS se agravou, em vez de se reduzir? Como se pode ter um SNS eficiente, sem uma credível avaliação de desempenho de serviços e de profisssionais e sem fazer depender o financiamento dos primeiros e a remuneração dos segundos dessa avaliação (como, de resto, sucede no setor privado)?

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Published on October 08, 2023 16:00

Como era de temer (5): Contra o laxismo orçamental

1. Sem surpresa, dados os seus pressupostos ideológicos, os partidos à esquerda do PS e os opinadores a eles afetos, vieram defender o gasto público imediato do esperado excedente orçamental do corrente ano. Também sem surpresa para quem me lê, entendo que tal ideia deve ser frontalmente rejeitada pelo Governo, por três motivos principais: 
     - como argumentei aqui, a "folga orçamental" é em grande medida conjuntural e "artificial", derivada essencialmente do empolamento da receita fiscal decorrente da inflação; 
     -  num processo inflacionista como o que está em curso, a pior coisa que se pode fazer é lançar dinheiro a rodos sobre a economia, aumentando o poder de compra e, portanto, pressionando ainda mais a inflação; 
      - com a elevada dívida pública que o País tem, a primeira prioridade orçamental de um Governo responsável deve ser reduzir o seu peso, para aliviar os seus enormes custos em juros, assim libertando fundos para os orçamentos futuros.

Não é somente pelo prémio político - o segundo excedente orçamental da democracia - nem somente para obter boas notações das agências de rating - como tem sucedido -, mas sim por sentido de responsabilidade financeira, que o Governo deve manter toda a prudência orçamental, mesmo em tempos de vacas gordas.

2. Pior do que esquerda radical é o laxismo orçamental do PSD, por ser incoerente com a sua tradição política e doutrinal, o qual, além do aumento generalizado da despesa pública (incluindo a supina irresponsabilidade de repor por inteiro o tempo de serviço dos professores para efeitos de progressão), veio cumulá-lo com a proposta de imediata redução substancial dos impostos -, o que teria o mesmo efeito contraproducente sobre a inflação.

Quando, na crucial questão orçamental, a oposição de vocação governativa opta por competir com a oposição dos partidos de protesto, mal vamos.

AdendaDeveria servir de lição a preocupante situação da Itália, que, apesar do enorme volume que recebe do PRR da UE, mantém um significativo défice orçamental e aumenta a sua gigantesca dívida pública, pelo que os juros desta já vão em quase 5%, bem acima da média da zona euro. Sendo neste momento evidente que a elevada taxa de juros do BCE se vai manter por alguns anos, o falta quem se inquiete com o risco de uma crise da dívida pública italiana. Se tal vier a ocorrer, convém que, ao contrário de 2011, Portugal esteja bem blindado contra qualquer contágio, quer quanto ao défice quer quanto à dívida.http://rpc.twingly.com/
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Published on October 08, 2023 09:27

Não com os meus impostos (12): Contra as autoestradas subsidiadas

1. Apoio, por princípio, o agravamento do imposto automóvel anual, como medida para atenuar o crescimento exponencial do parque automóvel, com todos os seus conhecidos malefícios (poluição, congestionamento das cidades, competição com o transporte público, etc.).

Do que discordo é que tal aumento seja destinado a compensar a errada redução do valor das portagens em várias autoestradas do país, incluindo no Algarve, em contradição com o princípio do utilizador-pagador nos serviços de valor acrescentado, que não há nenhuma razão para que sejam pagos pela coletividade, através de impostos gerais, mais uma vez facilitando o transporte individual sobre o coletivo. 

2. De resto, se o pretexto é a dificuldade de vias de comunicação alternativas, então a redução deveria aplicar-se a vários troços de outras autoestradas, incluindo a A1, bastando referir o caso da intratável ligação entre Coimbra e Aveiro. Pelo contrário, o subsídio às autoestradas apenas desvia fundos públicos que deveriam servir para a melhoria das estradas alternativas.

Depois do erro crasso da instituição das autoestradas SCUT no Governo Guterres (sem-custos-para-os-utentes, porque transferidos para os contribuintes), contra as quais me bati desde o início, e de ter resistido ao seu fim, é preocupante que, de novo, um Governo PS venha enveredar pela solução facilitista de autoestradas de uso subsidiado.

AdendaEnquanto Portugal continua levianamente a abster-se de enfrentar a invasão do automóvel e as suas enormes "externalidades negativas", do outro lado do Mundo, Singapura agrava o custo da licença automóvel, ao mesmo que mamtém portagens internas na cidade, para evitar o congestionamento do centro. Há de haver um dia em que, vencendo o poderoso lobby automóvel, soluções destas se imporão noutras geografias...
Adenda 2Um leitor defende a medida como «estímulo ao desenvolvimento das regiões mais pobres do País». Mas, para além de ser óbvio que o Algarve não cabe nesse conceito, esse argumento não justifica a baixa das portagens para toda a gente em autoestradas que são eixos rodoviários fundamentais do País, como a A25 (Aveiro-Vilar Formoso), por onde entra e sai grande parte do fluxo transfronteiriço nacional. Só se for um subsídio às exportações e importações por via rodoviária, prejudicando a via ferroviária (pela linha da Beira Alta), o que é estúpido. ..http://rpc.twingly.com/
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Published on October 08, 2023 05:06

October 7, 2023

Contra a corrente (3): Duplicidade ocidental em Israel

1. Sim, também entendo que o ataque supresa do Hamas, o grupo radical palestiniano, de hoje contra Israel, disparando centenas de mísseis indiscriminadamente a partir da faixa de Gaza contra alvos civis, é condenável, não sendo preciso para isso ser mais natista do que a Nato.

Mas gostaria de ter visto igual condenação, ao longo deste anos, contra a sistemática violação dos direitos dos palestinianos por Israel, incluindo o confisco do seu território através de "colonatos" judaicos, a construção de um muro de separação em território palestino, a expulsão de moradores palestinianos de Jerusalém (aí, sim, uma verdadeira limpeza étnica), o bloqueio de Gaza, o apartheid antipalestiniano instalado em Israel, enfim a inviabilização programada de um Estado palestiniano. Nenhum povo pode aceitar passivamente a opressão e a humilhação continuadas.

Desta vez não venham dizer que esta nova guerra não foi provocada.

2. É evidente que a superioridade militar israelita - cortesia da generosidade ocidental, especialmente norte-americana - vai prevalecer, não sem muitas baixas civis de lado a lado, acabando no final com mais repressão israelita sobre os palestinianos, mais apropriação dos territórios ocupados, mais ódio na relação entre as duas partes e mais combustível político para os radicais palestinianos.

Que ao menos sejamos poupados à hipocrisia dos lamentos sobre as vítimas e os custos humanos da guerra, a que vamos assistir, guerra que a duplicidade de critérios ocidental ajudou a gerar.

AdendaUm leitor defende que o Ocidente «faz bem a apoiar Israel, uma democracia ocidental, contra o terrorismo palestiniano e a autocracia dos países árabes vizinhos». Tenho três observações a este argumento: (i) as democracias liberais (sem questionar se Israel ainda o é...) não estão dispensadas de cumprir as suas obrigações internacionais como potências ocupantes, pelo contrário; (ii)  o "terrorismo palestiniano" não pode ser respondido com o "terrorismo de Estado" israelita, como sucedeu ainda ontem, com o bombardeamento maciço de objetivos civis em Gaza, causando centenas de mortos, e o corte de energia ao território; (iii) como já escrevi anteriormenteao ser cúmplice da ilegal anexação de territórios palestinianos em Jerusalém e em grande parte da Cisjordânia, o Ocidente perde legitimidade e autoridade para condenar devidamente a anexação de territórios ucranianos pela Rússia...
Adenda 2Uma boa análise política da situação por um observador imparcial, neste artigo intitulado «A Shaken Israel Is Forced Back to Its Eternal Dilemma» , de Roger Cohen, no New York Times.http://rpc.twingly.com/
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Published on October 07, 2023 14:08

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Vital Moreira
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