Vital Moreira's Blog, page 47
October 28, 2023
Economia social de mercado (6): Aleluia!
1. Saúde-se a defesa, pela Ministra do Trabalho, numa conferência da UGT, da participação dos trabalhadores no governo das grandes empresas, que venho defendendo há muito como devendo fazer parte do património doutrinário obrigatório de um partido social-democrata (por exemplo, AQUI, AQUI e AQUI), como instrumento de democracia económica, de paz social e de eficiência empresarial.
Tendo a "cogestão" empresarial sido fortemente defendida pelo PS nos idos da Revolução e da Constituinte, há quase meio século, esse compromisso foi-se desvanecendo progressivamente nos programas e na prática política do PS como partido de Governo.
2. Embora retomando a ideia, a Ministra remete a sua instituição para a negociação coletiva e o "diálogo social", excluindo, portanto, a intervenção legislalativa (entretanto prevista no projeto de revisão constitucional do PS) -, o que não vai dar a lado nenhum, quer pela previsível oposição dos acionistas, quer pela tradição confrontacional da cultura sindical em Portugal, como assinalei AQUI e AQUI.
Note-se, por exemplo, que, apesar de a própria Constituição estatuir a partipação dos trabalhadores na gestão das empresas públicas, em geral (CRP, art. 89º), tal não verifica, porém, em quase nenhuma, não somente porque a lei não a prevê (em clara inconstitucionalidade por omissão), mas também porque os respetivos trabalhadores a não exigem.
Esperemos ao menos que, embora tímida, esta abertura governamental proporcione o debate político e sindical que a importância do tema justifica.
http://rpc.twingly.com/História constitucional (5): Desvendando uma falsificação histórica
1. Durante todos estes anos fui ensinando aos meus alunos de Direito Constitucional a história "canónica" da chamada Súplica constitucional de 1808, durante a ocupação napoleónica, como tendo sido uma iniciativa espontânea de um pequeno e incerto grupo de "afrancesados" (ou seja, simpatizantes da Revolução francesa), pedindo a Napoleão um rei francês e uma constituição semelhante à que ele outorgara ao grão-ducado de Varsóvia, a qual fora apresentada pelo "juiz do povo" de Lisboa (o presidente dos ofícios da capital) à Junta dos Três Estados do Reino, onde teria sido liminarmente rejeitada.
Em suma, um episódio de escassa relevância na história político-constitucional nacional...
2. Ora, numa investigação da minha parceria com o meu colega José Domingues, de que agora damos conta na JN / História [imagens acima], defendemos que, ressalvando a existência da dita Súplica, tudo o resto nesta narrativa foi inventado por José Acúrsio das Neves, na sua história das invasões napoleónicas publicada em 1810, a fim de esconder o verdadeiro projeto de integração de Portugal na Europa napoleónica, mediante a nomeação de um rei da família do imperador francês, em substituição da dinastia de Bragança, e a outorga de uma constituição, pondo fim à monarquia absoluta, projeto esse consubstanciado num "voto geral da Nação", devidamente documentado, que foi aprovado, subscrito e assumido por toda a elite política e social do País.
A Súplica era uma concretização desse magno projeto, que, não fora o fim da ocupação francesa pouco depois, teria resultado na primeira constituição nacional.
http://rpc.twingly.com/October 26, 2023
Aeroporto (8): E apesar disto, vai avançar?
Segundo os dados divulgados há pouco nesta reportagem da TVI, a opção por Alcochete, incluindo o aeroporto e a cidade aeroportuária complementar, implicaria o abate de 250 000 (duzentos e cinquenta mil) sobreiros! Resta saber quantos mais teriam de ser abatidos para edificar a nova "Lisboa II" que os escondidos promotores de Alcochete querem implantar à volta!
Será, porém, que este massacre ambiental vai impressionar minimanente a Comissão Técnica (pseudo)Independente, autoerigida em pouco discreta Comissão-Promotora-de-Alcochete?
AdendaUm leitor pergunta qual é a dificuldade: «apesar de o sobreiro ser uma espécie legalmente protegida, há sempre duas maneiras de pôr a lei de lado, quando "valores mais altos de se alevantam" - ou contornar a lei com as habilidades que os juristas bem conhecem ou aprovar uma derrogaçãozinha...». Receio tal tentação, mas neste caso, seria demasiado escandaloso.http://rpc.twingly.com/Aplauso (28): Educação em direitos humanos
O Diário de Coimbra de hoje relata que a rede de bibliotecas escolares do município de Coimbra adotou o livrinho de Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães, Livres e Iguais, com ilustrações de Ana Seixas, como leitura recomendada na sensibilização dos jovens para os direitos humanos.
É uma iniciativa que me apraz especialmente, pois o livrinho ter resultou de uma proposta minha, quando fui comissário para as comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH, em 2018. Quanto contactei as duas celebradas autoras, ficaram tão entusiasmadas com a ideia, que o escreveram em poucas semanas!É bom saber que a obrinha - que já faz parte do Plano Nacional de Leitura - cumpre os propósitos com que foi idealizada e escrita.http://rpc.twingly.com/
October 22, 2023
Corporativismo (36): O teste do algodão
Mas é evidente que não pode haver recuo nesse ponto, pois um dos objetivos essenciais da revisão do quadro legislativo das ordens foi justamente acabar com as restrições por elas impostas à entrada nas respetivas profissões e respetivas especialidades. Dar este ponto como irreversivel constitui um verdadeiro "teste do algodão" da reforma das ordens profissionais
2. Sucede que, como tenho referido várias vezes, a OM é, entre nós, a mais bem-sucedida das ordens na prática do "malthusianismo" profissional, passando pela sistemática oposição ao alargamento do numerus clausus na entrada nas faculdades de medicina, pelo veto à criação de novas faculdades e, por último, por esse controlo do número de internos nas especialidades e na habilitação das entidades com competência para as administrar.Era mais do que tempo de acabar com esse privilégio, que era a pedra de fecho dos mecanismos corporativos de restringir o acesso à profissão e ao respetivo mercado profissional, em favor dos que já lá estão, com os resultados que se conhece quanto ao défice de médicos, aliás sempre negado pela OM, contra toda a evidência.
3. Às ordens compete supervisionar o exercício profissional dos seus membros quanto ao cumprimento das normas regulamentares e deontológicas e das boas práticas da profissão, bem como exercer a ação disciplinar contra os prevaricadores -, obrigação de que a OM pouco cuida, como é notório.
Mas, tal como nas demais profissões "ordenadas", definir quem pode ser médico e quem os pode formar - ou seja, o acesso às profissões - é matéria que só o Estado deve ter o poder de decidir, de acordo com o interesse público, e não a Ordem dos Médicos, de acordo com os seus atávicos interesses corporativos.
http://rpc.twingly.com/Laicidade (13): Um livro oportuno
No próximo sábado, dia 28 de outubro, pelas 16:00, vou intervir na apresentação pública deste livro sobre a Separação entre o Estado e a Religião, de Victor Correia, com um préfácio meu, que vai decorrer no histórico café Santa Cruz, em Coimbra.
Além de uma esplicação do sentido e do valor do princípio da laicidade do Estado, em geral, que goza de proteção constitucional entre nós, o livro analisa a situação no nosso país, expondo as principais formas da sua violação por autoridades políticas e instituições públicas.
http://rpc.twingly.com/October 21, 2023
Corporativismo (53): Pior a emenda...
1. Considero perfeitamente absurda esta proposta de admitir mais do que uma ordem profissional por profissão, estabelecendo a concorrência entre elas, incluindo em matéria de regulação e disciplina profisssional.
As ordens profissionais são, antes de mais, entidades reguladoras públicas das respetivas profissões, em vez do Estado, com poderes oficiais de regulamentação, supervisão e disciplina profissional, em defesa dos interesses dos utentes (dada a "assimetria de informação" e de poderes entre as partes). Ora, de acordo com os cânones do Estado de direito, não pode haver concorrência na prossecução do mesmo interesse público, pelo que, neste aspeto, as ordens só podem ser unicitárias, uma por cada profissão "ordenada".
2. O problema das ordens não é a unicidade regulatória, mas sim a concomitante unicidade corporativa na representação e defesa do respetivo interesse profissional, que cancela a natural pluralidade e concorrência associativa que existe ou pode existir nas demais profissões.
Além de restringir a liberdade de associação profissional, constitucionalmente protegida, conferindo um inadmissível privilégio às profissões "ordenadas" (obrigatoriedade de inscrição e de quotização, além da visibilidade pública), a representação e defesa profissional oficial das ordens pode gerar óbvios conflitos de interesse com a sua missão básica, intrinsecamente pública, de regulação e disciplina profissional, em prol dos utentes, prejudicando esta, como frequentemente ocorre na sua prática.
3. Por isso, tenho vindo a defender a incompatibilidade dessa dualidade das ordens profisionais com os princípios do Estado de direito e da democracia liberal e a propor a sua redução à atividade reguladora, privando-as da missão de representação e defesa de interesses profissionais - um traço inequivocamente corporativista que indevidamente não foi questionado depois de 1976 -, a qual deve ser devolvida à liberdade e à pluralidade associativa, tal como noutras profissões.
Infelizmente, a recente revisão do quadro legal das ordens profissionais ficou bem aquém dessa necessária reforma, pelo que elas vão continuar a ser um abcesso institucional e um problema político na ordem constitucional liberal-democrática.
http://rpc.twingly.com/Razões para inquietação (4): O império do automóvel
1. Suscita a maior preocupação esta notícia do Expresso de que a «circulação automóvel bate recorde de uma década [e que o] consumo de combustível no 1º semestre deste ano é o mais alto desde 2010» (como mostra o gráfico junto, que acompanha a notícia), com as consequências inerentes: aumento da emissão de CO2, congestionamento das cidades e das estradas, degradação da qualidade de vida urbana, aumento da importação de combustíveis fósseis.
Como se não bastasse a subida do poder de compra geral para aumentar o parque automóvel, o Governo ajuda com o subsídio fiscal aos combustíveis, a pretexto de combate à inflação, e com a redução das portagens em várias autoestradas; e a oposição ajuda, ao opor-se demagogicamente à subida do IUC dos automóveis mais antigos e mais poluentes.
Mantemo-nos em estado de de negação: a transição climática não é compativel com a continuação do império do automóvel.
2. É evidente que não é assim que o País cumpre as suas abrigações em matéria de luta contra as alterações climáticas, que exige uma ação determimada de redução dos combutíveis fósseis e de descarbonização da economia. O automóvel elétrico pode reduzir a emissão de CO2, mas não resolve os demais problemas do excesso de automóveis nas cidades.
Enquanto vai avançando noutras geografias - mercê das restrições à entrada e ao trânsito automóvel nas cidades, da universalização do estacionamento pago, etc. -, entre nós o ideal de cidades sem carros torna-se cada vez mais utópico.
http://rpc.twingly.com/October 20, 2023
Aplauso (26): Sensatez política
Apesar do título confuso, esta notícia parece querer dizer que, ao contrário do que fez erradamente em 2022, o Governo desistiu de travar a aplicação da fórmula legal de atualização das rendas no próximo ano - o que beneficiaria todos os inquilinos, mesmo os que não precisam, e prejudicaria todos os senhorios, mesmo os de menores recursos -, optando antes pelo subsídio público aos inquilinos que provem ter maiores dificuldades em suportar o aumento, como defendi AQUI a seu tempo.
A ser assim, é de aplaudir a resistência do Governo à pressão do PCP e do BE e do comentariado político com eles alinhado para derrogar mais uma vez a lei e dar mais um machadada na confiança dos investidores no mercado para arrendamento, o que seria um tiro no pé na política de habitação.
http://rpc.twingly.com/October 17, 2023
Não vale tudo (13): Desvergonha ocidental
[Fonte: AQUI]
A afirmação do Presidente norte-americano sobre o apoio à solução dos dois Estados para o conflito israelo-palestino, no momento em que Israel se prepara para esmagar manu militari Gaza e a sua população, constitui uma despudorada manifestação de hipocrisia e de má-fé política, sabendo-se que os Estados Unidos têm emprestado sempre o seu apoio político e militar à sistemática ação de Israel, desde a sua criação, em 1948, para inviabilizar tal solução, primeiro pela ocupação e confisco militar do território palestino (1949, 1967), depois pela anexação progressiva de Jerusalém oriental e da Cisjordânia, confinando os palestinianos a pequenos fragmentos descontínuos das suas antigas terras (como os mapas acima mostram), numa deliberada campanha de limpeza étnica, sendo essa a verdadeira causa das desesperadas e ocasionais tentativas de reação armada por parte dos movimentos radicais palestinos contra a humilhação e a espoliação israelita .Ao recuperar cinicamente a ideia dos dois Estados que os próprios Estados Unidos ajudaram friamente a liquidar, Washington junta a desvergonha ao vitupério.
AdendaO inequívoco apoio dos Estados Unidos ao massacre de Gaza em curso - um intolerável exercício de punição coletiva -, lança às urtigas o discurso de Washington sobre a "ordem mundial baseada em regras" e a condenação dos "crimes de guerra", em que vinha investindo, a propósito da invasão da Ucrânia, para expor a Rússia ao isolamento internacional. Depois deste aplauso mal disfarçado à vingativa destruição de Gaza por Israel - terrorismo de Estado contra terrorismo sectário -, todo esse discurso se desfaz em supina hipocrisia. Moscovo agradece...Adenda 2Um leitor considera que a punição coletiva de toda a população de Gaza por causa do atentado do Hamas só vai aumentar o ódio palestiniano contra Israel e reforçar o apoio popular ao grupo radical, «pela coragem em enfrentar o opressivo colonialismo israelita». Concordo: a coabitação entre israelitas e palestinos torna-se ainda mais problemática. Resta saber se esse não é justamente o objetivo da extrema-direita nacionalista que governa Israel, para justificar a repressão e o estado de guerra permanente...http://rpc.twingly.com/
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