Nuno Camarneiro's Blog, page 9
January 23, 2012
Noite
Não quero poesia mas coisa de mãosUm seio com a forma da palavra seioUm corpo carregado de metáforasE a métrica incerta dos teus beijosQuero rimas feitas com os dentesMorder-te as pernas com as pernasE gemer iambicamente por tiQuero-te do outro lado distoTrocar os dedos pela bocaE as minhas noites por nós
Published on January 23, 2012 23:38
January 16, 2012
Horas
Por aqui como aí ficaram horas à solta.Pelo meio das razões sobrou um tempo que não tem onde dormir, que não tem lugar.Se as casas fossem paredes ninguém lá morava,as casas não são feitas de paredes. Há quadros pendurados em nada e não caem,ninguém dá conta, são tempo e sorrisos.Os dias bons são todos vontade, são querer muito porque não há mais nada, só sonho.Há vidas tortas e nem tudo o que se mete nelasfica onde nos possa servir. Há vidas muito tortas.As minhas melhores horas são tuas, tenho-as espalhadas por todo o lado. Lembro-me por exemplo... mas tu também te lembras,foi um dia feliz que apagou tristezas e fazia muito calor.Queria agora o teu corpo e chamá-lo meu.Trata bem do corpo que foi nosso, como do resto.Se puderes pendura-nos as horas num sítio bonito,elas precisam de sol, foi sempre assim.Desculpa-me mas vou agora dormir contigo,não é maldade, só sonho e um cheiro que ainda sinto.Amanhã ou depois será como tu queres, mas hoje não,hoje tu não te foste embora e eu ainda me sei fazer amar.Assim que te perdi procurei raivas que me cegassem,uma cegueira boa, de olhos que não vêem.Não sou capaz de ódio, fico aqui a brincar com as horase choro e rio como se amanhã fosse outro dia.Vou agora despir-me e chegar-me a ti,não faças caso, sou apenas uma lembrança.
Published on January 16, 2012 22:46
January 15, 2012
Baldio
Há homens para querer e outros que só se lêem.Sentam-se em cafés com caneta e papel e despejam em palavras os amores que ninguém pratica.São homens do lixo da gente, trazem no bolso cadernos-aterro onde se deita o que sobra, o que não cabe já em lugar nenhum."Tenho uma vida para cuidar, seguras-me aí o amor?"E eles seguram, enterrados naquilo até ao pescoço, empestados de dor e lua.
Quando é que tudo se fez tão noite?
Quando é que tudo se fez tão noite?
Published on January 15, 2012 23:13
January 11, 2012
Terreno Baldio
Há homens para querer e outros que só se lêem.Sentam-se em cafés com caneta e papel e despejam em palavras os amores que ninguém pratica. São homens do lixo da gente, trazem no bolso cadernos-aterro onde se deita o que sobra, o que não cabe já em lugar nenhum. "Tenho uma vida para cuidar, seguras-me aí o amor?"E eles seguram, enterrados naquilo até ao pescoço, empestados de dor e lua.Quando é que tudo se fez tão noite?
Hoje vou ler o Freitas até ficar bêbedo.
Hoje vou ler o Freitas até ficar bêbedo.
Published on January 11, 2012 21:07
January 8, 2012
January 3, 2012
Sombra
Amar-te-ei de um amor caladoSecreto como coisas nocturnasSilêncio onde chovam palavrasE nasçam cores fingindo orvalhoUm amor às escondidas de nósComo a sombra de um solComo a dor antes da dorOu a dor depois da dor
Published on January 03, 2012 23:02
December 14, 2011
Ainda
Não creio em deus nem no amornão faço figas, não digo o teu nomemas ando por aí onde não me vêsde mãos nos dedos a contar noitese a sentir muito as horas inteirasFaço versos brancos que não és tunem as ruas vazias de tanta gentenem nada que sirva, nada de bomSonho às vezes, sonho contigoe connosco, alegrias pequenasque não acordam nem lembroNão creio em deus nem no amormas rezo ainda e penso em ti
Published on December 14, 2011 23:22
November 24, 2011
Vintage
São quase oito e tu à minha espera. O trânsito, a chuva… Mas tu já sabes, sempre o trânsito, sempre a chuva, ou um acidente, ou uma reunião, e tu já sabes, sempre eu, sou sempre eu e tu à minha espera.Hoje quis que fosse diferente, lembrei-me mais de ti, abri a carteira e olhei para a tua fotografia, a que tirei quando estávamos a ser felizes longe. Onde era? Maldivas, ou Canárias, ou na República Dominicana, já nem sei, éramos tão novos e tu tão linda, tão minha e tão linda eras. Ainda és, sou eu que me atraso porque embruteci, porque me esqueço, sei lá eu porque é.Dez anos, são só dez anos, já dez anos. Não te sei pesar em tempo. Quantos anos tem um sinal na nossa pele? Ou um dente torto, ou um calo nos dedos que tocamos quando estamos nervosos e nada mais sabemos fazer? Não há idade para o que somos, talvez nos tenhamos tornado um lugar, como um jardim, ou um quarto que tem o nosso cheiro, ou o berço onde dorme o que inventámos ou a cama onde nós dormimos e às vezes nem dormimos. Mudo a estação e troco as notícias por músicas de amor. Dez anos e ainda me fazes isto, mesmo atrasado, mesmo careca e bruto do tempo. Chove muito e o carro parado numa fila. Talvez abra a janela e vá a nadar até ti, talvez me chames tonto e digas que nem as penso, nadar na chuva numa noite assim… Depois rio-me e dou-te beijos para que me perdoes e te esqueças do atraso, para que te esqueças de muitas coisas.Tenho uma garrafa guardada para nós, de um ano único, um ano que guardei para nós. É um vinho doce e delicado, de tempo poisado. Conheço todos os teus sabores, a menina que foste, a rapariga louca e destemida que tu eras como eu não era, a mulher mãe de agora. Não te devia guardar para noites assim, mas sou tonto, tenho medo que vás e não entendo que quanto mais te beba mais há para beber.Perdoa o atraso, perdoa-me a chuva, a noite, o tempo.Faltam-me palavras, sobram-me coisas dentro mas faltam-me palavras. O cantor da rádio di-las por mim, fala de amor, de arrependimento, de erros. Queria cantar para ti assim, que me ouvisses sem me olhares, para entenderes melhor, como eu entendo as canções porque não as vejo e só a chuva, os faróis vermelhos e a hora no relógio.Vou abrir o vinho e vais dizer que é bom. Tu que nem ligas, que nem bebes, vais sorrir. E eu devia abrir-me a mim, dizer que envelheci por ti para que me abrisses e te pudesse falar com as palavras mais finas, as mais maduras, as que faltam.Agora avanço um pouco, vou chegando a passo de homem. Em que pensas tu? Que nomes me chamas? Que paciência a tua quando eu não estou e tu conversas com a menina? O papá atrasou-se outra vez, o papá esqueceu-se da gente, bebé, porque tem muitas coisas na cabeça, e um dia vai atrasar-se tanto que já ninguém espera por ele, não é, bebé?Que cabeça a minha, não nadar na chuva numa noite assim.És chão em que assento, penso e não te digo. Se um dia me faltas caio logo ali, sem lugar para pôr os pés ou a mim. Morreu por falta de chão, dirão os amigos, um homem a cair por todo o lado. Hoje vou beijar-te mais e melhor, dizer-te estas coisas, contar os trezentos e sessenta e cinco dias multiplicados por dez e por nós. Às horas bissextas escondo-as numa caixinha, para quando formos velhos e nos faltar o tempo. Ato-lhes um laço vermelho e dou-tas de presente. Toma as minhas horas, trata delas porque eu não sei.Diz à menina que eu estou a chegar. Diz à menina que tens nas mãos e no peito que eu estou mesmo a chegar.Já não chove, uma música sem palavras agora, apetece-me cantar mas não sei como. Que ouvisses a mesma rádio e a mesma música com as minhas palavras por cima. Não te esqueças de mim, por favor, não te esqueças de mim.
(Texto escrito para a folha de sala do concerto de comemoração do 10º aniversário do Quarteto Vintage)
(Texto escrito para a folha de sala do concerto de comemoração do 10º aniversário do Quarteto Vintage)
Published on November 24, 2011 10:31
November 13, 2011
At Thirty
At thirty one becomes oneself, a friend saidOne lives more, he said, better, he shoutedI had my doubts, still have; I am of thoseWe see from where we stand, hill, valley,forest or here, we see what we can whatwe must. That's what I thought from thereBut life came, and love and sorrow cameAnd days as mornings, or grass or greyForgetting time through counting hoursI learned my arts and crafted my handsI dreamed to bread, myself to wordsAnd now I'm now and all the restThe friend who says, the one who shoutsThat thirty's the day before you fly
(My birthday present to Naomi Berrill, who just turned thirty)
Published on November 13, 2011 17:36
October 9, 2011
Black Market
Eram três raparigas que riam, pareceu-me assim. Chegavam da rua e despiam os casacos à volta de uma mesa. Diziam coisas e olhavam em volta, eu estava perto com os dedos suspensos em cima do caderno, olhava para elas. A música era alegre e havia fumo a subir de muitas bocas, pessoas com pessoas e elas e eu. Duas que se sentam e a rapariga loira num vestido vermelho pergunta a um casal que está à espera de outro, depois olha para mim e de novo para as amigas. Elas acenam-lhe para que avance, a rapariga aproxima-se.Diz-me boa noite e sorri, aponta para a cadeira como se pedisse desculpa, posso? Digo-lhe que sim e vejo-a afastar-se. Fecho o caderno, apago o cigarro e bebo o que resta da cerveja. Há noites em que estar sozinho é só estar sem ninguém.
Published on October 09, 2011 13:15


