Nuno Camarneiro's Blog, page 5
September 6, 2013
Coisa Alheia
Conheci-o num boteco da Lapa. Eu estava lá para almoçar, ele para beber.Tinha pedido um dos pratos do dia e pensava na reunião da manhã. Na mão um livro de poemas que tentava ler, voltando sempre ao primeiro verso do qual não consegui passar: A palavra torna o corpo coisa alheia. Ele reconheceu o sotaque e veio sentar-se a meu lado segurando um copo de cachaça. Lisboa, Porto, Coimbra? Trocámos perguntas e algumas poucas informações. Chamava-se Fernando, como o poeta, dizia, como o poeta, e a cachaça num gole.Comi, pedi um café e fui ficando. Ele falava da vida misturando a língua de dois países, queixava-se dos cariocas com pouca convicção, depois as mulheres, as mulheres… e o tom de voz a baixar, como se estivesse a apanhar fôlego. - Três casamentos, três, acredita, amigo? Sempre à procura sei lá eu de quê. O mal é sempre o mesmo, e o bom também, o pouco bom também…. dois filhos das duas primeiras, à terceira não deu tempo. O amigo tem filhos, uma mulher? Disse-lhe que não tinha mas não fui capaz de explicar porquê. Nunca mo tinham perguntado, por isso não tinha uma razão.- Tenho agora aí uma moça apalavrada… de cada vez eu digo: Não te metas já noutra, Fernando, dá tempo a essa merda, pá, dá tempo, Fernando… mas depois… eu sei lá, depois um gajo esquece-se, um gajo é foda, não é, amigo?Acenei que sim e comecei a procurar um pretexto para sair. O homem ia-se afogando, as palavras fundiam-se em vogais indistintas e o olhar cada vez mais baixo, como se o copo um poço e a cabeça uma pedra. Mas de repente endireitou-se na cadeira e a voz de novo lúcida, o último estertor.- As mulheres esperam meses, anos, antes de se meterem com outro, e a gente não, vamos a correr para a primeira que nos ampare a queda. E sabe porquê? Sabe, amigo? E, mais uma vez, eu não sabia.- A gente tem o filme todo feito, mal um cara começa a ganhar um dinheirito faz logo o filme todo… e se falta a actriz principal é só preciso arranjar outra, e começa o casting… não é assim? É assim é… Mas elas são outra coisa, amigo, elas fazem um filme diferente de cada vez, à medida, olham para a gente, tiram-nos a pinta e escrevem uma história. E por isso demoram tempo, é preciso mudar tudo, entende? Tudo! O argumento, o cenário, a banda sonora… A gente tem só uma vida, e elas têm tantas… Silêncio, e o Fernando já ali não estava.Pedi a conta, desejei-lhe sorte e saí. O livro ficou esquecido na cadeira, apercebi-me à noite, que é quando os poemas fazem falta. Ficou-me apenas o primeiro verso, agora na voz tropeçada de Fernando: A palavra torna o corpo coisa alheia.
(Obrigado ao Wesley Peres pelo verso)
(Obrigado ao Wesley Peres pelo verso)
Published on September 06, 2013 06:47
September 2, 2013
Geográfica
Há lugares feitos para doerpara que o mal tenha chãomorada e um código postalHá ruas onde não durmoruínas que foram casaparedes que já não sãoE o amor se ainda houverhá-de encolher-se tambémsofrido por onde caiba
Published on September 02, 2013 14:36
August 20, 2013
Menina II
cantavas o nome louco das coisascomo bichos rezam e o vento sonhatrazias o tempo metido nos bolsose cheiravas a ontem, e sabias a risoassobiavas o sol pelos dedos ágeisenquanto o chão te dançava os pésroubavas beijos que depois comiase os poemas aconteciam-te
Published on August 20, 2013 14:11
August 12, 2013
Memórias de um ÁtomoDirão alguns que não és ser, que um á...
Memórias de um Átomo
Dirão alguns que não és ser, que um átomo não pensa, não vive e é coisa que não lembra. Que sempre foste e sempre serás uma parte que mexe ao ser mexida, sem alma ou intenção. E, no entanto, esses que falam são eles também grãos de coisa tanta e maior. E o sistema solar, e a galáxia, e o cosmos, e Deus, que não existindo sempre teve imensas opiniões. Que dirão de nós tantos infinitos?Vivemos importados com as nossas infâncias e mortes e somos afinal tão voantes, um segundo de estrelas, uma mancha na superfície de um planeta, que ora está e ora se some. E vamos compondo os nossos livros, e relatando as nossas memórias com a minúcia dos tontos – foi no dia vinte e quatro de Fevereiro de 1866, jamais o poderei esquecer. Mas esquecem todos os outros, e os próprios leitores chegam ao fim da página a bocejar-nos os dias inolvidáveis, espreitando o jantar se já está pronto, olhando para um relógio que mede o que já não nos pertence.
E tu estavas e estás e vais estar ainda muito mais. Tu viste reis e imperadores e os seus avós bárbaros, assististe à nossa queda das árvores, ao mar que nos pariu, à sorte que nos deu nome. E continuas aqui, parte muda do meu aparo, resignado com só ser sem nada perguntar. E se a indiferença ou a sageza te libertam das vaidades, cá estou eu, João da Ega, homem de todos os costados, petulante, vão e airado, pronto a trair-te a anonimidade eterna por uma glória que ninguém há-de recordar.
(Texto publicado no Jornal de Letras de 29 de Julho, a proposta era a de imaginar os primeiros parágrafos do "Memórias de um Átomo", livro que o João da Ega dos "Maias" nunca chegou a escrever)
Dirão alguns que não és ser, que um átomo não pensa, não vive e é coisa que não lembra. Que sempre foste e sempre serás uma parte que mexe ao ser mexida, sem alma ou intenção. E, no entanto, esses que falam são eles também grãos de coisa tanta e maior. E o sistema solar, e a galáxia, e o cosmos, e Deus, que não existindo sempre teve imensas opiniões. Que dirão de nós tantos infinitos?Vivemos importados com as nossas infâncias e mortes e somos afinal tão voantes, um segundo de estrelas, uma mancha na superfície de um planeta, que ora está e ora se some. E vamos compondo os nossos livros, e relatando as nossas memórias com a minúcia dos tontos – foi no dia vinte e quatro de Fevereiro de 1866, jamais o poderei esquecer. Mas esquecem todos os outros, e os próprios leitores chegam ao fim da página a bocejar-nos os dias inolvidáveis, espreitando o jantar se já está pronto, olhando para um relógio que mede o que já não nos pertence.
E tu estavas e estás e vais estar ainda muito mais. Tu viste reis e imperadores e os seus avós bárbaros, assististe à nossa queda das árvores, ao mar que nos pariu, à sorte que nos deu nome. E continuas aqui, parte muda do meu aparo, resignado com só ser sem nada perguntar. E se a indiferença ou a sageza te libertam das vaidades, cá estou eu, João da Ega, homem de todos os costados, petulante, vão e airado, pronto a trair-te a anonimidade eterna por uma glória que ninguém há-de recordar.
(Texto publicado no Jornal de Letras de 29 de Julho, a proposta era a de imaginar os primeiros parágrafos do "Memórias de um Átomo", livro que o João da Ega dos "Maias" nunca chegou a escrever)
Published on August 12, 2013 15:47
July 25, 2013
linho
queria um verão de linho branco, uma coisa pura, uma coisa armas não sei se foi do vento, ou aquele bicho a morrer na praiao sol foi-se pondo mais cedo e tu choravas e eu tambémo mar nunca foi tão frio, pois não? nada tão frio, pois não?e o sal nos beijos, e um mal nas mãos, e um sal nos beijostecemos de estopa uma manta rude arranhando corpose o coração, também de estopa, e o coração
Published on July 25, 2013 15:37
June 6, 2013
Tarde
Sei das horas muito longas como estradas de chegar a tiUma mão aberta em dedosum cigarro a arder caladoo copo de um vinho tristee música às voltas de mim Sei um nome que já não éscomo resto de língua antigaou os beijos que me davasou o gato que já morreuTinhas a boca em forma de dore as noites em letras de versos
Published on June 06, 2013 14:21
June 5, 2013
sei das horas muito longasde uma mão aberta em dedose um ...
sei das horas muito longasde uma mão aberta em dedose um cigarro a arder caladosei de um nome que já não seiversos onde guardava noitese um corpo em forma de dorsei da boca um só beijoe algumas poucas palavras
não sou nada para lembrar
Published on June 05, 2013 18:23
May 28, 2013
A Cidade Condicional
Deixando Atenas por Ocidente e cavalgando por vinte séculos, chegamos a Europa, maravilha quieta dos homens cansados.
A cidade foi erigida em pedra, depois arrasada e reconstruída em tijolo, depois novamente destruída e refeita em betão e vidro, pensada para durar e espelhar quem a habita, até ao fim dos tempos ou a extinção da espécie.Europa é um lugar por exclusão de partes, nada de seu que não tivesse importado ou imitado dos impérios circundantes, das culturas que herdou ou que subjugou pela força e pelo cansaço.
A sua moeda é ambígua, tem uma face que representa o império e outra dedicada às diversas províncias, como se de povos se pudesse inventar um povo.Os cidadãos desentendem-se em muitas línguas e são-lhes dadas palavras vagas e fracas como uma desistência. Ninguém pensa com as palavras de Europa, porque não servem para o íntimo, e os amantes não as trocam, porque não servem para o amor, e os loucos não as gritam, porque são palavras que não voam.
A cidade trabalha como um prisma do avesso, uma mistura de muitas cores que resulta em cinzento. Os prédios, as vestes, as músicas tocadas em algumas esquinas a certas horas, são pardas de cor e de textura, como algo que permaneceu demasiado tempo no bolso de umas calças e já não se distingue. Morre-se muito nesse cinza-Europa, e pode um homem desaparecer apenas porque deixou de ser visto.
Ali, os verbos futuros duram o tempo de uma queda. O passado engole a gente e os sonhos, o sol que nasce parece gasto de outras cidades mais vivas, é um sol de ontem, que não deixa ver nada de novo.
Assim é Europa, mas não tem de ser assim.
Há homens secretos a rir pelos buracos da cidade. Há rachas nos muros, nas paredes, no asfalto do império. Surgem poemas no tecido coçado dos assentos dos autocarros. Versos brutos de coisas brutas e antigas, de pão e vermelho vivo, de dor e ar e boca.A seriedade, o peso, a história da cidade criaram uma casta de homens que são sombras e anjos, filhos de putas e de deuses distraídos.
Em algum momento hão-de juntar-se os doidos e votar moções de nuvem, eleger pássaros, escolher as leis do acaso, formas governos de um dia e presidentes de um salto.Hão-de os bancos comprar cantos e assobios, as pastas negras transportar berlindes e piões, as gravatas atadas em cordas de saltar e os decretos transformados em aviões de papel.
E Europa há-de ser outra coisa, que rebentemos todos se não for outra coisa.
Já nos cansa a nona de Beethoven. Não se canta uma alegria afinada pela fome.Enfiem as doze estrelas num sítio onde faça muito escuro. Queremos mais cor, e menos bandeiras.
Queremos as coisas primeiras, comer com as mãos e semear o que sobrar nos dedos.
E um dia, isto ainda há-de ser outra coisa. Que rebentemos todos se não for outra coisa.
(Texto lido a 26 de Maio no LeV, em Matosinhos)
Published on May 28, 2013 06:26
May 2, 2013
Nefelibata
Nefelibata: que ou quem vive nas nuvens; diz-se também do escritor que não obedece às regras literárias; alguém demasiado idealista, que foge da realidade.
Do grego nephéle (nuvem) e bata (o que anda), o termo parece ter sido cunhado por Rabelais em “Pantagruel” onde, no quarto livro, é descrita a batalha dos Nefelibatas com os Arismaspos. No final do século XIX, a mesma palavra foi utilizada em Portugal pelos escritores naturalistas para apelidarem as gerações mais novas que por esse período aderiam à corrente simbolista-decandentista que chegava de França.Raul Brandão, um dos escritores que mais viriam a influenciar a literatura portuguesa do século XX, assumiu a designação e subverteu-a, formando com Júlio Brandão e Justino de Montalvão o grupo “Os Nefelibatas” e publicando em 1982 um folheto com esse nome sob o pseudónimo colectivo de Luís Borja. No folheto/manifesto, os autodenominados Nefelibatas proclamam-se “Ateus do Preconceito e da Opinião Pública (…) Anarquistas das Letras, Petroleiros do Ideal”.
Quando eu era criança diziam-me muitas vezes, ao esbarrar num poste de iluminação ou quando tropeçava nos degraus de uma escada: Vives nas nuvens, tens a cabeça na Lua. Não sei se eu era apenas distraído, se estava a praticar para ser um “petroleiro do Ideal”, mas entretanto cresci e, enquanto muitos dos meus amigos foram descendo à Terra (alguns poisando, outros caindo), eu temo que ainda por lá ande, nas nuvens, na Lua, um anarquista do passeio público.Diziam-me isso e eu não entendia, porque achava que todos queríamos por lá viver, longe da escola e da rotina, da vida tão pequena e ordinária. Nas nuvens não haveria trabalhos de casa ou sapatos enlameados, colegas maiores e mais fortes, gente doente, ou avós que morrem um dia. Os galos na cabeça e os pés torcidos eram um pequeno preço a pagar, culpas de um corpo que insistia em não voar.O nosso mundo nunca foi um lugar recomendável, e por isso fomos aprimorando a arte da fuga: pelas ideias, por Deus, pelo amor que vamos conseguindo ou imaginando, pelo álcool, pelas drogas, pela arte. Parece haver um consenso generalizado entre homens quanto à superioridade da vida em relação à morte, e, contudo, são poucos os que não tentam escapar à vida que têm. Os artistas foram sempre os Houdinis da vida, capazes de desaparecer mesmo de onde nunca estiveram. Qualquer paixão lhes serve de porta, e lá vai o artista por um caminho que só ele conhece. De entre estes há alguns particularmente perigosos, chamam-se malditos ou loucos, estão sempre adiantados ou atrasados em relação ao tempo dos outros e alguns nem cumprem as “regras literárias”. É gente que se permite rir por entre o caos ou chorar enquanto outros dançam. Somem à vista de todos e deixam buracos invisíveis na calçada, armadilhas terríveis disfarçadas de chão.
Mas onde deve viver um escritor?Quando me converti em leitor, todos os meus escritores viviam em mansardas em Paris. Eu não os deixava sair, porque só ali me serviam. Não queria escritores do meu país nem da minha rua, ou que andassem pelo bairro e comprassem pão e pagassem as contas. Queria os meus escritores miseráveis, acordando ao Sol-posto, mordendo cebolas cruas, bebendo o vinho mais ruim e tendo por amor os favores fortuitos de mulheres pouco recomendáveis. As mansardas eram para mim próximas das estrelas. Aí viviam Balzac e Baudelaire, mas também Kafka, Dostoievski, Borges e até o meu Fernando Pessoa de Lisboa, que afinal era de Paris. Para mim as estrelas e as mansardas eram ao mesmo tempo castigo e prémio de poetas, um lugar fora do mundo, sem as leis do mundo.Aprendi mais tarde que também se podia viver nos subúrbios de uma cidade americana ou num bairro sofisticado de Tóquio. Que alguns escritores (e até bons escritores) casavam-se e tinham filhos, e acordavam de manhã para cumprirem um horário, tinham as estantes arrumadas por ordem alfabética e pagavam as contas com uma antecedência suspeita. Devem ter as mansardas na cabeça, concluí. Depois aprendi mais, e descobri que há escritores à paisana, disfarçados de gente e camuflados de cinzento. Descobri que há agentes secretos infiltrados na vida, prontos a recolher qualquer conversa banal e a torcer-lhes os sentidos até serem outra coisa qualquer, nos piores casos até poesia. São homens e mulheres de dedos hábeis, capazes de eliminar mesmo as lógicas mais subtis, mesmo as regras mais antigas.
Que regras deve um escritor desrespeitar?O que são as regras literárias e como fugir-lhes? Uma frase sem verbos ou predicados, é da literatura? Uma oração sem Deus nem prece, é literatura? Um crime sem vítimas nem culpados, uma história sem sujeitos ou um sujeito sem história, são literatura? Quanta realidade deve ter um livro? É necessária? Desejável? É possível fugir-lhe?As regras nascem do acordo e do compromisso, “é isto que nos convém”. Servem para que nos entendamos e evitemos os conflitos desnecessários. Mas, ao contrário das leis civis, que têm parlamentos eleitos para as propor e aprovar em dias certos, as regras literárias só podem surgir da infracção. Através de obras isoladas ou de manifestos colectivos, apenas a transgressão permite estabelecer uma nova forma ou um novo cânone. São muitas as obras que romperam com o passado e abriram novos caminhos, poucas as “obras-primas” que se conformaram com o que já existia. “A Divina Comédia”, “Dom Quixote”, a obra de Shakespeare, “As Flores do Mal”, o “Ulisses” de Joyce, o “Livro do Desassossego”, “A Metamorfose”, obras que souberam desobedecer às regras literárias do modo mais escrupuloso. Afinal, a realidade estava de fora das regras.
Onde está a realidade do escritor?No meu romance “No Meu Peito Não Cabem Pássaros” imaginei um Borges que olhava para as nuvens e nelas descobria os tigres e os dragões que lhe habitavam os sonhos. As nuvens são próximas da imaginação, matéria estranha entre o sólido, o líquido e o gasoso, ideias que voam e vão tomando as formas que lhes soubermos encontrar. A realidade é um lugar onde tudo é apenas o que pode ser. A literatura e a ciência aumentam a realidade, transformam o ridículo e o inverosímil em hipóteses, memórias e experiências. Mas essa realidade deixa de interessar a quem a inventa, está feita, e parte-se para outra, distante ainda, para lá do que se vê.Escrever é ser Deus por cima e por baixo, mexer no íntimo dos homens e escolher do minério o metal, o que deve brilhar ao dia. Os homens são cheios de nuvens e não sabem. Por entre o almoço e o trabalho, e não sabem, no trânsito e no escritório, na cama, e não sabem. Mas há quem more do outro lado do sonho e saia à rua disfarçado num pijama, com os sapatos trocados e os dentes a cair, voando e caindo com as mesmas asas. Há quem respire por palavras e músicas secretas, quem se passeie no céu porque só o azul lhe aguenta o peso.Em todos os tempos há quem critique os sonhadores, os intelectuais e os poetas. Que a vida anda por outros lugares, que os tempos são difíceis e nada propensos a sonhar. Mas em todos os tempos há momentos cruciais, em que o sonho derrota a vigília e nos apercebemos de que tudo é como não sabíamos que fosse. Como no capítulo XVI de “Guerra e Paz”, em que o príncipe Andrei Bolkonsky é derrubado pelo exército francês na batalha de Austerlitz e, deitado no chão, pensa para si mesmo: “Que tranquilo e sereno céu, tudo é vazio, tudo engano e decepção, excepto o céu infinito”. Tudo é vaidade e correr atrás do vento, diz o Eclesiastes, mas o céu é verdadeiro, o céu espelha os homens sem lhes perguntar razões.
Hoje a Europa é uma má realidade. Os noticiários, as palavras e as nossas cabeças foram sequestrados por economistas e políticos, uma gente sinistra que traz a cabeça presa pela gravata e não consegue olhar o céu. Os dias estão demasiado iguais, sempre piores e sempre mais iguais. Andamos há muito tempo a cumprir as más regras, precisamos de malditos que nos tirem daqui à força de poesia. Estamos atolados numa realidade que já não serve.
Talvez seja chegado o momento de fabricarmos asas que nos levem para junto das nuvens, de sermos um continente de nefelibatas, partindo para o céu como a Península Ibérica partiu um dia para o meio do Oceano na “Jangada de Pedra” de Saramago. Uma Europa lançada ao vento, que voe para não cair, que se rapte a si mesma e fuja ao peso de ter peso.
(Texto publicado na rubrica "Un Mot d'Ailleurs" do número 603 da revista Nouvelle Revue Française)
Published on May 02, 2013 01:42
March 14, 2013
anda aqui um homem
anda aqui um homem a fazer uma vida toda a vida e a vida que um homem faz é outra coisa sempre outra coisa e às vezes nem vida nem nada só um andar por cá a por pés à frente de outros pés e palavras à frente disto e disto e disto ainda um homem é fraca e constante coisa um homem é o que se vai arranjando um homem é daqui para o chão e olhos virados ao céu ou ao amor que é um céu de quem é triste quem me apanha o que trago pesado quem me acha no meio disto agora a noite e um silêncio grande de nem pensar nem a dor agora nem dedos à procura de mãos soltas as mãos vão por elas putas de só sentir como nervo descarnado entrando por um abrigo e com isto perdi-me e já não sei e o amor sei lá eu não me fodam com isso o amor é salvar quem não precisa de salvaçãopontofinal
Published on March 14, 2013 18:27


