Luis Soares's Blog, page 587
October 18, 2013
Atrapanieblas.
A Margaret Atwood podia ter escrito sobre isto num futuro próximo distópico. Só a palavra é fantástica, 'atrapanieblas', como se a sobrevivência dependesse de agarrar o nevoeiro que se nos escapa entre os dedos. E é nas favelas de Lima, cidade que por motivos que não vêm ao vaso, me anda a interessar.
Reinaldo Ferreira - Medo
Quem dorme à noite comigo
É meu segredo,
Mas se insistirem, lhes digo,
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo.
E cedo porque me embala
Num vai-vem de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.
Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?
Gritar quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim
Gostava até de matar-me,
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.
October 17, 2013
Ghibli Art
Alexandre O'Neill - Adeus Português
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbul...


