Denise Bottmann's Blog, page 66
August 20, 2012
a difusão das antinomias
como comentei aqui, um dos grandes problemas em obras espúrias, sobretudo quando são livros de estudo, de pesquisa, debate e reflexão, dentro e fora do ambiente universitário, é que acabam adquirindo uma difusão, uma propagação quase exponencial. consultadas e citadas em artigos, ensaios, dissertações, teses; indicadas em bibliografias e programas de cursos; presentes em bibliotecas de instituições de ensino públicas e privadas; muitas vezes oferecidas ou adquiridas em licitações e pregões públicos para escolas e bibliotecas, tais obras ganham uma credibilidade que não lhes cabe e uma permanência ao longo das décadas que dificilmente se extirpa com a mera retirada dos exemplares disponíveis no circuito de distribuição. já comentei inúmeras vezes este problema, e na tag
nas escolas
vê-se claramente a dimensão que ele adquire.
sobre o importante texto de perry anderson sobre "as antinomias de gramsci", que comentei aqui, seguem alguns exemplos de sua difusão entre acervos de bibliotecas, programas de curso e artigos de reflexão e estudo:
Gramsci e o Brasil
www.acessa.com/gramsci/?id=454&pa...
de L Ramos - Citado por 6 - Artigos
relacionados
ANDERSON, Perry. As antinomias de Gramsci. In: ______. Afinidades seletivas. São Paulo: Boitempo, 2002.
[DOC] Campanha 2011 Biblioteca da ENFF.doc - Associação dos
Amigos ...
amigosenff.org.br/.../Campanha%202011......
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Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002. ANDERSON , P. “As antinomias de Gramsci ”
.
In: ANDERSON , PERRY . Afinidades Seletivas.
São Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] Download - Unifesp
www.unifesp.br/prograd/portal/index.p... do
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Bibliografia Complementar: ANDERSON , P. “As antinomias de Gramsci ”. In: ANDERSON , PERRY . Afinidades Seletivas.
São. Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] HEGEMONIA E DIREITO
disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile......
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4 ANDERSON , Perry . As antinomias de Gramsci .
Afinidades eletivas. Tradução de. Paulo Castanheira. São Paulo: Boitempo , 2002. p. 26 e ss.
[PDF] Título do Artigo: Joseph Schumpeter e a Democracia
Inglesa www.sumarios.org/sites/default/files/...
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de
RT Souza - Artigos relacionados
Estado de Exceção. São Paulo, Boitempo , 2004. ANDERSON , Perry . As Antinomias de Gramsci . In:
Afinidades Eletivas. São Paulo,. Boitempo , 2002.
9. Referências bibliográficas
www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/6617/6617_10.PDF ANDERSON , Perry . Balanço do neoliberalismo. ... As antinomias de Gramsci . In:
______. Afinidades seletivas. São. Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] Trotsky para Gramscianos: www.unicamp.br/cemarx/.../comunicações/GT1/gt1m4c2.pdf
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de
CZF de Sena Júnior - Artigos relacionados
6 Perry
Anderson . ... Anderson já exercitou uma comparação em “ Antinomias
de Gramsci ”. In: ------------------. Afinidades seletivas. São Paulo: Boitempo , 2002
[PDF] A condição assalariada do jornalista - Rede de Estudos do
Trabalho www.estudosdotrabalho.org/.../Andreia_Souza_Carvalho_A_condica...
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A regra do jogo. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. ANDERSON , Perry . As antinomias
de Gramsci , In: Afinidades Seletivas. São Paulo, boitempo , 2002.
[PDF] Educação Jurídica Social www.uff.br/ppgsd/dissertacoes/marcos_silva2008.pdf
Formato do arquivo: PDF/Adobe Acrobat 3 Deve ser destacada a crítica
ao pensamento de Gramsci feita por Perry
Anderson (ANDERSON, 2002:13 a. 100), sob o título de “As Antinomias de Gramsci ”.
[PDF] “Acá lo que cambió todo fue la privatización…”
Aproximación ... revista-theomai.unq.edu.ar/.../ArtSoul.pdf - Traduzir esta página
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de
J Soul - Artigos relacionados
del concepto de hegemonía y sus implicancias, como Perry Anderson ...... (1976)
: As antinomias
de Gramsci en
Afinidades Seletivas. Ed. Boitempo . Sao
Paulo.
Cuadernos de antropología social - Procesos hegemónicos y ...
www.scielo.org.ar/scielo.php?pid=S1850... - Traduzir esta página de J Soul - 2009 - Artigos relacionados
Anderson , Perry (2002). As antinomias de Gramsci .
Afinidades Seletivas . Sao Paulo: Ed. Boitempo . (edición original de
1976) [ Links ]
[PDF] PROGRAMA DE COMPONENTES CURRICULARES www.facom.ufba.br/.../COM106-COMUNICAÇÃO-E-CULTURA-...
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ANDERSON , Perry . “As antinomias de Gramsci ” in ANDERSON , Perry . Afinidades Seletivas,
São Paulo, Boitempo Editorial, 2002
embora a editora boitempo já tenha dado por encerrado seu processo de apuração de qualquer vestígio de irregularidade em seu catálogo (aqui), espero que ela reconsidere sua decisão e dedique o mesmo empenho em apurar também as possíveis irregularidades de tradução nessa obra tão importante de perry anderson.

sobre o importante texto de perry anderson sobre "as antinomias de gramsci", que comentei aqui, seguem alguns exemplos de sua difusão entre acervos de bibliotecas, programas de curso e artigos de reflexão e estudo:
Gramsci e o Brasil
www.acessa.com/gramsci/?id=454&pa...
de L Ramos - Citado por 6 - Artigos
relacionados
ANDERSON, Perry. As antinomias de Gramsci. In: ______. Afinidades seletivas. São Paulo: Boitempo, 2002.
[DOC] Campanha 2011 Biblioteca da ENFF.doc - Associação dos
Amigos ...
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Rio de Janeiro, DP&A Editora, 2002. ANDERSON , P. “As antinomias de Gramsci ”
.
In: ANDERSON , PERRY . Afinidades Seletivas.
São Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] Download - Unifesp
www.unifesp.br/prograd/portal/index.p... do
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Bibliografia Complementar: ANDERSON , P. “As antinomias de Gramsci ”. In: ANDERSON , PERRY . Afinidades Seletivas.
São. Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] HEGEMONIA E DIREITO
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4 ANDERSON , Perry . As antinomias de Gramsci .
Afinidades eletivas. Tradução de. Paulo Castanheira. São Paulo: Boitempo , 2002. p. 26 e ss.
[PDF] Título do Artigo: Joseph Schumpeter e a Democracia
Inglesa www.sumarios.org/sites/default/files/...
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Estado de Exceção. São Paulo, Boitempo , 2004. ANDERSON , Perry . As Antinomias de Gramsci . In:
Afinidades Eletivas. São Paulo,. Boitempo , 2002.
9. Referências bibliográficas
www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/6617/6617_10.PDF ANDERSON , Perry . Balanço do neoliberalismo. ... As antinomias de Gramsci . In:
______. Afinidades seletivas. São. Paulo: Boitempo , 2002.
[PDF] Trotsky para Gramscianos: www.unicamp.br/cemarx/.../comunicações/GT1/gt1m4c2.pdf
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6 Perry
Anderson . ... Anderson já exercitou uma comparação em “ Antinomias
de Gramsci ”. In: ------------------. Afinidades seletivas. São Paulo: Boitempo , 2002
[PDF] A condição assalariada do jornalista - Rede de Estudos do
Trabalho www.estudosdotrabalho.org/.../Andreia_Souza_Carvalho_A_condica...
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A regra do jogo. São Paulo, Companhia das Letras, 1988. ANDERSON , Perry . As antinomias
de Gramsci , In: Afinidades Seletivas. São Paulo, boitempo , 2002.
[PDF] Educação Jurídica Social www.uff.br/ppgsd/dissertacoes/marcos_silva2008.pdf
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ao pensamento de Gramsci feita por Perry
Anderson (ANDERSON, 2002:13 a. 100), sob o título de “As Antinomias de Gramsci ”.
[PDF] “Acá lo que cambió todo fue la privatización…”
Aproximación ... revista-theomai.unq.edu.ar/.../ArtSoul.pdf - Traduzir esta página
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del concepto de hegemonía y sus implicancias, como Perry Anderson ...... (1976)
: As antinomias
de Gramsci en
Afinidades Seletivas. Ed. Boitempo . Sao
Paulo.
Cuadernos de antropología social - Procesos hegemónicos y ...
www.scielo.org.ar/scielo.php?pid=S1850... - Traduzir esta página de J Soul - 2009 - Artigos relacionados
Anderson , Perry (2002). As antinomias de Gramsci .
Afinidades Seletivas . Sao Paulo: Ed. Boitempo . (edición original de
1976) [ Links ]
[PDF] PROGRAMA DE COMPONENTES CURRICULARES www.facom.ufba.br/.../COM106-COMUNICAÇÃO-E-CULTURA-...
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ANDERSON , Perry . “As antinomias de Gramsci ” in ANDERSON , Perry . Afinidades Seletivas,
São Paulo, Boitempo Editorial, 2002
embora a editora boitempo já tenha dado por encerrado seu processo de apuração de qualquer vestígio de irregularidade em seu catálogo (aqui), espero que ela reconsidere sua decisão e dedique o mesmo empenho em apurar também as possíveis irregularidades de tradução nessa obra tão importante de perry anderson.
Published on August 20, 2012 07:00
August 19, 2012
afinidades tradutivas
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em 2002, a boitempo editorial publicou uma coletânea de ensaios de perry anderson reunidos sob o título de afinidades seletivas. a tradução vem atribuída a paulo césar castanheira, ressalvado apenas um dos ensaios: "agradecemos à fundação editora unesp a cessão do ensaio 'as afinidades de norberto bobbio', traduzido por raul fiker e publicado em zona de compromisso" (p. 11, "nota da edição").
entre os onze autores tratados por anderson nos textos reunidos em afinidades seletivas, cabe a gramsci o mais extenso, intitulado "as antinomias de gramsci" (p. 13-100). este mesmo ensaio saiu pela editora joruês em 1986, em tradução de juarez guimarães e felix sanchez, numa coletânea chamada a estratégia revolucionária na atualidade, da série crítica marxista.

seguem-se alguns trechos extraídos das duas edições, a título comparativo. o texto como um todo, nas duas traduções (ou melhor, naquilo que aparenta ser uma só tradução), segue o mesmo padrão de identidade abaixo ilustrado.
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Nos dias de hoje, nenhum pensador marxista posterior ao período clássico é tão universalmente respeitado no Ocidente como Antonio Gramsci. Nem há algum conceito tão livre ou diversamente invocado entre as forças de esquerda do que [sic] o de hegemonia, que ele tornou de uso corrente. A reputação de Gramsci, localizada e marginal fora de sua Itália de origem no início dos anos sessenta, transformou-o, uma década após, numa celebridade mundial. A homenagem ao seu trabalho realizado na prisão - trinta anos após a primeira publicação de seus Cadernos do Cárcere - está sendo, afinal, intensamente prestada. A ignorância sobre o seu pensamento ou a escassez de estudos sobre ele deixaram de ser obstáculos à sua difusão. (p. 7)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Nos dias de hoje, nenhum pensador marxista posterior ao período clássico é tão universalmente respeitado no Ocidente como Antonio Gramsci. Nem há algum conceito tão livre ou diversamente invocado entre as forças de esquerda do que [sic] o de hegemonia, que ele tornou de uso corrente. A reputação de Gramsci, localizada e marginal fora de sua Itália de origem no início dos anos 1960, transformou-o, uma década após, numa celebridade mundial. A homenagem ao seu trabalho realizado na prisão - trinta anos após a primeira publicação de seus Quaderni del carcere - está sendo, afinal, intensamente prestada. A ignorância sobre o seu pensamento ou a escassez de estudos sobre ele deixaram de ser obstáculos à sua difusão. (p. 15)
mesmo um erro palmar como "conceito tão livre ... do que" (em vez de "tão livre... quanto") foi mantido nas duas edições, além de alguns errinhos em relação ao original, como "a reputação de gramsci ... transformou-o numa celebridade mundial", em vez de "transformou-se em fama mundial", ou o uso de "intensamente" para fully, além de detalhes como o mesmo torneio de frase no final do trecho citado. segue o trechinho correspondente no original:
chamo a atenção para esses detalhes, pois parecem indicar que a tradução de guimarães e sanchez não chegou a passar por uma revisão mais detida, à diferença de outros casos anteriormente apontados.
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
O próprio Gramsci estava, na verdade, bastante consciente da necessidade de uma cuidadosa distinção das formas históricas sucessivas do "consentimento" pelos explorados à sua exploração e de uma diferenciação analítica de seus componentes a cada momento. Ele criticou justamente a Croce por afirmar em sua História da liberdade que todas as ideologias antecedentes ao liberalismo eram da "mesma indistinta e árida cor, isentas de desenvolvimento ou conflito" - e sublinhava a especialidade do refúgio da religião sobre as massas a Nápoles dos Bourbons, o poderoso apelo ao sentimento nacional que a sucedeu na Itália e, ao mesmo tempo, a possibilidade de combinações populares das duas. (p. 30)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
O próprio Gramsci estava, na verdade, bastante consciente da necessidade de uma cuidadosa distinção das formas históricas sucessivas do "consentimento" pelos explorados à sua exploração e de uma diferenciação analítica de seus componentes a cada momento. Ele criticou justamente a Croce por afirmar em sua História da liberdade que todas as ideologias antecedentes ao liberalismo eram da "mesma indistinta e árida cor, isentas de desenvolvimento ou conflito" - e sublinhava a especialidade do refúgio da religião sobre as massas a Nápoles dos Bourbons, o poderoso apelo ao sentimento nacional que a sucedeu na Itália e, ao mesmo tempo, a possibilidade de combinações populares das duas. (p. 44)
neste trecho, além da pura identidade, destaca-se a manutenção de um surpreendente "a especialidade do refúgio da religião sobre as massas" para o original "the specificity of the hold of religion on the masses" ["a especificidade do domínio da religião sobre as massas"].
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Pois o debate no seio da social-democracia alemã teve uma sequela reveladora na social-democracia russa. Poucas semanas depois, Martov escreveu um artigo na Die Neue Zeit sobre O debate prussiano e a experiência russa. Aprovando calorosamente o conjunto das teses de Kautsky, Martov argumentou que a Rússia realmente estava longe de escapar às lições que elas [sic] podiam ser extraídas. Não deveria ser permitida a Rosa Luxemburgo utilizar a revolução de 1905 como um trunfo contra a política oficial do SPD na Alemanha. Sua análise da revolução não deveria ser admitida pelos socialistas ocidentais, em nome do privilegium odiosum que fazia da Rússia um caso excepcional. A experiência russa era agora no fundamental semelhante, em todos os sentidos, à experiência europeia em seu conjunto. Onde ela se desviou do padrão, em 1905, terminou em desastre. A mistura de greves econômicas e políticas exaltadas por Rosa Luxemburgo era mais uma fraqueza do que uma força do proletariado russo. O levantamento [sic] de Moscou foi o resultado calamitoso de um movimento lançado "artificialmente" para um "enfrentamento decisivo" com o Estado. (p. 63)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Pois o debate no seio da socialdemocracia alemã teve uma sequela reveladora na socialdemocracia russa. Poucas semanas depois, Martov escreveu um artigo no Die Neue Zeit sobre "O debate prussiano e a experiência russa". Aprovando calorosamente o conjunto das teses de Kautsky, Martov argumentou que a Rússia realmente estava longe de escapar às lições que elas [sic] podiam ser extraídas. Não deveria ser permitido a Rosa Luxemburgo utilizar a revolução de 1905 como um trunfo contra a política oficial do SPD na Alemanha. Sua análise da revolução não deveria ser admitida pelos socialistas ocidentais, em nome do privilegium odiosum que fazia da Rússia um caso excepcional. A experiência russa era agora no fundamental semelhante, em todos os sentidos, à experiência europeia em seu conjunto. Onde ela se desviou do padrão, em 1905, terminou em desastre. A mistura de greves econômicas e políticas exaltadas por Rosa Luxemburgo era mais uma fraqueza do que uma força do proletariado russo. O levantamento [sic] de Moscou foi o resultado calamitoso de um movimento lançado "artificialmente" para um "enfrentamento decisivo" com o Estado. (p. 85)
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Os debates clássicos, por isso, ainda continuam a ser, em vários aspectos, o mais avançado limite de referência que possuímos hoje. Não é assim um mero arcaísmo relembrar as controvérsias estratégicas que ocorreram quatro ou cinco décadas antes. Reapropriá-las [sic] é, pelo contrário, um passo na direção de uma discussão marxista na esperança - necessariamente modesta - [sic] que ela tome uma "forma inicial" de teoria correta para hoje. Regis Debray falou, em um parágrafo famoso, da dificuldade permanente de ser contemporâneo como [sic] o nosso presente. Na Europa, ao menos, temos ainda de ser contemporâneos com o nosso passado. (p. 74)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Os debates clássicos, por isso, ainda continuam a ser, em vários aspectos, o mais avançado limite de referência que possuímos hoje. Não é assim um mero arcaísmo relembrar as controvérsias estratégicas que ocorreram quatro ou cinco décadas antes. Reapropriá-las [sic] é, pelo contrário, um passo na direção de uma discussão marxista na esperança - necessariamente modesta - [sic] que ela tome uma "forma inicial" de teoria correta para hoje. Regis Debray falou, em um parágrafo famoso, da dificuldade permanente de ser contemporâneo como [sic] o nosso presente. Na Europa, ao menos, temos ainda de ser contemporâneos com o nosso passado. (p. 100)
em nota recente, a editora boitempo comunicou que dava por encerrado o processo de auditoria interna a fim de eliminar qualquer vestígio de irregularidade em seu catálogo (ver aqui). no entanto, o ensaio "as antinomias de gramsci" parece ter escapado a seu crivo, pois não é mencionado na referida nota. em vista do empenho que a editora tem dedicado a apurar alguns problemas apontados em suas publicações, quero crer que se disporá também a avaliar o caso acima exposto.
sobre os outros problemas apontados em seu catálogo, ver aqui.
adendo: paulo césar castanheira, até onde consigo entender, é um tradutor sério e respeitado, com boas referências, por exemplo, na editora revan. aparece como tradutor em diversas publicações da boitempo editorial, e não conheço nada que o desabone como pessoa e como profissional.
se seu nome aparece atribuído a algumas pretensas traduções publicadas pela boitempo editorial, eu jamais suporia nem jamais me permitiria supor que tenha sido ele o responsável por tais irregularidades. ademais, suas relações profissionais com a editora não me dizem respeito e sou da opinião de que elas não vêm ao caso. o que vem ao caso é a fidedignidade dos créditos, a veracidade das informações sobre a autoria dos textos traduzidos, a integridade intelectual da obra ofertada ao público leitor: todos esses quesitos são sempre e inapelavelmente de responsabilidade da casa editorial que a publica. em vista disso, acrescentei nas especificações dos nomes nos trechos exemplificativos a expressão "em nome de", e passarei a adotar este procedimento em todos os cotejos que eventualmente eu vier a apresentar neste blog.
[image error]
em 2002, a boitempo editorial publicou uma coletânea de ensaios de perry anderson reunidos sob o título de afinidades seletivas. a tradução vem atribuída a paulo césar castanheira, ressalvado apenas um dos ensaios: "agradecemos à fundação editora unesp a cessão do ensaio 'as afinidades de norberto bobbio', traduzido por raul fiker e publicado em zona de compromisso" (p. 11, "nota da edição").
entre os onze autores tratados por anderson nos textos reunidos em afinidades seletivas, cabe a gramsci o mais extenso, intitulado "as antinomias de gramsci" (p. 13-100). este mesmo ensaio saiu pela editora joruês em 1986, em tradução de juarez guimarães e felix sanchez, numa coletânea chamada a estratégia revolucionária na atualidade, da série crítica marxista.

seguem-se alguns trechos extraídos das duas edições, a título comparativo. o texto como um todo, nas duas traduções (ou melhor, naquilo que aparenta ser uma só tradução), segue o mesmo padrão de identidade abaixo ilustrado.
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Nos dias de hoje, nenhum pensador marxista posterior ao período clássico é tão universalmente respeitado no Ocidente como Antonio Gramsci. Nem há algum conceito tão livre ou diversamente invocado entre as forças de esquerda do que [sic] o de hegemonia, que ele tornou de uso corrente. A reputação de Gramsci, localizada e marginal fora de sua Itália de origem no início dos anos sessenta, transformou-o, uma década após, numa celebridade mundial. A homenagem ao seu trabalho realizado na prisão - trinta anos após a primeira publicação de seus Cadernos do Cárcere - está sendo, afinal, intensamente prestada. A ignorância sobre o seu pensamento ou a escassez de estudos sobre ele deixaram de ser obstáculos à sua difusão. (p. 7)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Nos dias de hoje, nenhum pensador marxista posterior ao período clássico é tão universalmente respeitado no Ocidente como Antonio Gramsci. Nem há algum conceito tão livre ou diversamente invocado entre as forças de esquerda do que [sic] o de hegemonia, que ele tornou de uso corrente. A reputação de Gramsci, localizada e marginal fora de sua Itália de origem no início dos anos 1960, transformou-o, uma década após, numa celebridade mundial. A homenagem ao seu trabalho realizado na prisão - trinta anos após a primeira publicação de seus Quaderni del carcere - está sendo, afinal, intensamente prestada. A ignorância sobre o seu pensamento ou a escassez de estudos sobre ele deixaram de ser obstáculos à sua difusão. (p. 15)
mesmo um erro palmar como "conceito tão livre ... do que" (em vez de "tão livre... quanto") foi mantido nas duas edições, além de alguns errinhos em relação ao original, como "a reputação de gramsci ... transformou-o numa celebridade mundial", em vez de "transformou-se em fama mundial", ou o uso de "intensamente" para fully, além de detalhes como o mesmo torneio de frase no final do trecho citado. segue o trechinho correspondente no original:
Today, no Marxist thinker after the classical epoch is so universally respected in the West as Antonio Gramsci. Nor is any term so freely or diversely invoked on the Left as that of hegemony, to which he gave currency. Gramsci’s reputation, still local and marginal outside his native Italy in the early sixties, has a decade later become a world-wide fame. The homage due to his enterprise in prison is now— thirty years after the first publication of his notebooks—finally and fully being paid. Lack of knowledge, or paucity of discussion, have ceased to be obstacles to the diffusion of his thought.
chamo a atenção para esses detalhes, pois parecem indicar que a tradução de guimarães e sanchez não chegou a passar por uma revisão mais detida, à diferença de outros casos anteriormente apontados.
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
O próprio Gramsci estava, na verdade, bastante consciente da necessidade de uma cuidadosa distinção das formas históricas sucessivas do "consentimento" pelos explorados à sua exploração e de uma diferenciação analítica de seus componentes a cada momento. Ele criticou justamente a Croce por afirmar em sua História da liberdade que todas as ideologias antecedentes ao liberalismo eram da "mesma indistinta e árida cor, isentas de desenvolvimento ou conflito" - e sublinhava a especialidade do refúgio da religião sobre as massas a Nápoles dos Bourbons, o poderoso apelo ao sentimento nacional que a sucedeu na Itália e, ao mesmo tempo, a possibilidade de combinações populares das duas. (p. 30)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
O próprio Gramsci estava, na verdade, bastante consciente da necessidade de uma cuidadosa distinção das formas históricas sucessivas do "consentimento" pelos explorados à sua exploração e de uma diferenciação analítica de seus componentes a cada momento. Ele criticou justamente a Croce por afirmar em sua História da liberdade que todas as ideologias antecedentes ao liberalismo eram da "mesma indistinta e árida cor, isentas de desenvolvimento ou conflito" - e sublinhava a especialidade do refúgio da religião sobre as massas a Nápoles dos Bourbons, o poderoso apelo ao sentimento nacional que a sucedeu na Itália e, ao mesmo tempo, a possibilidade de combinações populares das duas. (p. 44)
neste trecho, além da pura identidade, destaca-se a manutenção de um surpreendente "a especialidade do refúgio da religião sobre as massas" para o original "the specificity of the hold of religion on the masses" ["a especificidade do domínio da religião sobre as massas"].
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Pois o debate no seio da social-democracia alemã teve uma sequela reveladora na social-democracia russa. Poucas semanas depois, Martov escreveu um artigo na Die Neue Zeit sobre O debate prussiano e a experiência russa. Aprovando calorosamente o conjunto das teses de Kautsky, Martov argumentou que a Rússia realmente estava longe de escapar às lições que elas [sic] podiam ser extraídas. Não deveria ser permitida a Rosa Luxemburgo utilizar a revolução de 1905 como um trunfo contra a política oficial do SPD na Alemanha. Sua análise da revolução não deveria ser admitida pelos socialistas ocidentais, em nome do privilegium odiosum que fazia da Rússia um caso excepcional. A experiência russa era agora no fundamental semelhante, em todos os sentidos, à experiência europeia em seu conjunto. Onde ela se desviou do padrão, em 1905, terminou em desastre. A mistura de greves econômicas e políticas exaltadas por Rosa Luxemburgo era mais uma fraqueza do que uma força do proletariado russo. O levantamento [sic] de Moscou foi o resultado calamitoso de um movimento lançado "artificialmente" para um "enfrentamento decisivo" com o Estado. (p. 63)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Pois o debate no seio da socialdemocracia alemã teve uma sequela reveladora na socialdemocracia russa. Poucas semanas depois, Martov escreveu um artigo no Die Neue Zeit sobre "O debate prussiano e a experiência russa". Aprovando calorosamente o conjunto das teses de Kautsky, Martov argumentou que a Rússia realmente estava longe de escapar às lições que elas [sic] podiam ser extraídas. Não deveria ser permitido a Rosa Luxemburgo utilizar a revolução de 1905 como um trunfo contra a política oficial do SPD na Alemanha. Sua análise da revolução não deveria ser admitida pelos socialistas ocidentais, em nome do privilegium odiosum que fazia da Rússia um caso excepcional. A experiência russa era agora no fundamental semelhante, em todos os sentidos, à experiência europeia em seu conjunto. Onde ela se desviou do padrão, em 1905, terminou em desastre. A mistura de greves econômicas e políticas exaltadas por Rosa Luxemburgo era mais uma fraqueza do que uma força do proletariado russo. O levantamento [sic] de Moscou foi o resultado calamitoso de um movimento lançado "artificialmente" para um "enfrentamento decisivo" com o Estado. (p. 85)
em nome de juarez guimarães e felix sanchez (joruês, 1986)
Os debates clássicos, por isso, ainda continuam a ser, em vários aspectos, o mais avançado limite de referência que possuímos hoje. Não é assim um mero arcaísmo relembrar as controvérsias estratégicas que ocorreram quatro ou cinco décadas antes. Reapropriá-las [sic] é, pelo contrário, um passo na direção de uma discussão marxista na esperança - necessariamente modesta - [sic] que ela tome uma "forma inicial" de teoria correta para hoje. Regis Debray falou, em um parágrafo famoso, da dificuldade permanente de ser contemporâneo como [sic] o nosso presente. Na Europa, ao menos, temos ainda de ser contemporâneos com o nosso passado. (p. 74)
em nome de paulo césar castanheira (boitempo, 2002)
Os debates clássicos, por isso, ainda continuam a ser, em vários aspectos, o mais avançado limite de referência que possuímos hoje. Não é assim um mero arcaísmo relembrar as controvérsias estratégicas que ocorreram quatro ou cinco décadas antes. Reapropriá-las [sic] é, pelo contrário, um passo na direção de uma discussão marxista na esperança - necessariamente modesta - [sic] que ela tome uma "forma inicial" de teoria correta para hoje. Regis Debray falou, em um parágrafo famoso, da dificuldade permanente de ser contemporâneo como [sic] o nosso presente. Na Europa, ao menos, temos ainda de ser contemporâneos com o nosso passado. (p. 100)
em nota recente, a editora boitempo comunicou que dava por encerrado o processo de auditoria interna a fim de eliminar qualquer vestígio de irregularidade em seu catálogo (ver aqui). no entanto, o ensaio "as antinomias de gramsci" parece ter escapado a seu crivo, pois não é mencionado na referida nota. em vista do empenho que a editora tem dedicado a apurar alguns problemas apontados em suas publicações, quero crer que se disporá também a avaliar o caso acima exposto.
sobre os outros problemas apontados em seu catálogo, ver aqui.
adendo: paulo césar castanheira, até onde consigo entender, é um tradutor sério e respeitado, com boas referências, por exemplo, na editora revan. aparece como tradutor em diversas publicações da boitempo editorial, e não conheço nada que o desabone como pessoa e como profissional.
se seu nome aparece atribuído a algumas pretensas traduções publicadas pela boitempo editorial, eu jamais suporia nem jamais me permitiria supor que tenha sido ele o responsável por tais irregularidades. ademais, suas relações profissionais com a editora não me dizem respeito e sou da opinião de que elas não vêm ao caso. o que vem ao caso é a fidedignidade dos créditos, a veracidade das informações sobre a autoria dos textos traduzidos, a integridade intelectual da obra ofertada ao público leitor: todos esses quesitos são sempre e inapelavelmente de responsabilidade da casa editorial que a publica. em vista disso, acrescentei nas especificações dos nomes nos trechos exemplificativos a expressão "em nome de", e passarei a adotar este procedimento em todos os cotejos que eventualmente eu vier a apresentar neste blog.
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Published on August 19, 2012 08:39
matéria do jornal opção sobre a editora boitempo
reproduzo abaixo a matéria publicada hoje pelo jornal opção de goiânia, disponível aqui.
Euler de França Belém
Editora Boitempo plagia e culpa a direita

No Brasil é assim: mesmo quando não tem culpa, a direita leva a fama. É o periquito da circunstância. A denúncia de que a Boitempo Editorial “plagiou” obras de outras editoras foi apresentada cuidadosamente, sem nenhum comentário político-ideológico, por uma das mais qualificadas tradutoras brasileiras, Denise Bottmann. A editora do indispensável blog Não Gosto de Plágio em nenhum momento fez análises políticas sobre a (falta de) qualidade ou sobre a ideologia dos livros publicados no Brasil pela casa gerida por Ivana Jinkings. Direita e esquerda não foram citadas. Depois, a “Folha de S. Paulo” fez uma reportagem sobre o assunto, evidenciando os “plágios”, ou “coincidências”. O jornal paulistano também não fez qualquer restrição ideológica às publicações da Boitempo — muitas de elevado padrão intelectual e com traduções competentes.
Portanto, a direita não deve ser responsabilizada pela descoberta e repercussão dos plágios na internet e em jornais impressos. Mesmo assim, a Boitempo, para “esconder” o “plágio” — o que não é mais possível e, se o caso for para a Justiça, vai ficar pior para a editora e para a suposta “tradutora” Isa Tavares —, convocou intelectuais brasileiros e estrangeiros para defendê-la de um suposto e insidioso ataque em bloco da direita patropi (tão invisível quanto o Curupira). Os intelectuais, sobretudo os de outros países, como Slavoj Žižek, certamente nem sabem direito o que está acontecendo e, mais tarde, certamente admitirão, como fez Roberto Romano, há vários anos, o equívoco. Eles não têm como avaliar o mérito da discussão. Primeiro, porque não leem em português. Segundo, porque a Boitempo não lhes deve ter passado informações adequadas para um julgamento justo. Por exemplo: a editora não deve ter enviado o seguinte esclarecimento divulgado para a imprensa brasileira: “Constatamos coincidências significativas entre as traduções dos livros ‘Considerações sobre o Marxismo Ocidental/Nas Trilhas do Materialismo Histórico’, de Perry Anderson, ‘A Teoria da Alienação em Marx’, de István Mészáros, e de capítulos de ‘Lacrimae Rerum: Ensaios Sobre Cinema Moderno’, de Slavoj Žižek, publicados pela Boitempo, e traduções de outras editoras”. Alguns dos defensores da Boitempo, como Mészaros e Žižek, possivelmente não sabem que são “vítimas” da editora. Certamente não sabem que a Boitempo está recolhendo os exemplares cujas traduções são apontadas como “plágios”.
Faça-se justiça: a Boitempo, excelente casa editorial, tem publicado livros importantes, como os de Mészáros e “O Romance Histórico”, do filósofo György Lukács, com tradução precisa de Rubens Enderle. O livro de Lukács é um clássico importante. Publicado há mais de 70 anos, e, mesmo contendo as idiossincrasias às vezes mais políticas do que literárias do autor, permanece uma obra viva. Uma boa editora não precisa ser necessariamente eclética, aberta a ideologias diferentes. O fato de uma casa ser de esquerda não diminui seu valor.
Na década de 1980, o crítico José Guilherme Merquior denunciou, num artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, que a filósofa Marilena Chauí havia copiado um trecho de um livro do filósofo francês Claude Lefort. O plágio era evidente, mas Chauí, no lugar de admitir a crítica, partiu para o ataque, sugerindo que Merquior era um homem da ditadura, por ser diplomata — quando deveria tratá-lo como homem de Estado, como ela própria, uma funcionária pública da Universidade de São Paulo. Hábil, a filósofa conseguiu que Lefort, o prejudicado, inventasse uma “filiação de pensamento”, que, no Brasil, se tornou sinônimo de plágio. Depois, arregimentou intelectuais de “esquerda”, entre eles o filósofo Roberto Romano. Maria Sylvia de Carvalho Franco e Romano bombardearam Merquior, acusando-o de ideólogo da ditadura. Romano arrependeu-se, tempos depois, mas não sei se pediu desculpas ao próprio Merquior, que morreu cedo, aos 49 anos, quando era o mais importante intelectual liberal do país, em diálogo constante com a esquerda menos ortodoxa, como o filósofo Leandro Konder.
Como a discussão virou coisa de criança, resta dizer a Ivana Jinkings que está certa: a direita é mesmo o “Ruivo Herring” (espero que seja a grafia correta) do Brasil. Com o apoio do Scooby-Doo.
sobre o caso boitempo, veja-se aqui
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Euler de França Belém
Editora Boitempo plagia e culpa a direita

No Brasil é assim: mesmo quando não tem culpa, a direita leva a fama. É o periquito da circunstância. A denúncia de que a Boitempo Editorial “plagiou” obras de outras editoras foi apresentada cuidadosamente, sem nenhum comentário político-ideológico, por uma das mais qualificadas tradutoras brasileiras, Denise Bottmann. A editora do indispensável blog Não Gosto de Plágio em nenhum momento fez análises políticas sobre a (falta de) qualidade ou sobre a ideologia dos livros publicados no Brasil pela casa gerida por Ivana Jinkings. Direita e esquerda não foram citadas. Depois, a “Folha de S. Paulo” fez uma reportagem sobre o assunto, evidenciando os “plágios”, ou “coincidências”. O jornal paulistano também não fez qualquer restrição ideológica às publicações da Boitempo — muitas de elevado padrão intelectual e com traduções competentes.
Portanto, a direita não deve ser responsabilizada pela descoberta e repercussão dos plágios na internet e em jornais impressos. Mesmo assim, a Boitempo, para “esconder” o “plágio” — o que não é mais possível e, se o caso for para a Justiça, vai ficar pior para a editora e para a suposta “tradutora” Isa Tavares —, convocou intelectuais brasileiros e estrangeiros para defendê-la de um suposto e insidioso ataque em bloco da direita patropi (tão invisível quanto o Curupira). Os intelectuais, sobretudo os de outros países, como Slavoj Žižek, certamente nem sabem direito o que está acontecendo e, mais tarde, certamente admitirão, como fez Roberto Romano, há vários anos, o equívoco. Eles não têm como avaliar o mérito da discussão. Primeiro, porque não leem em português. Segundo, porque a Boitempo não lhes deve ter passado informações adequadas para um julgamento justo. Por exemplo: a editora não deve ter enviado o seguinte esclarecimento divulgado para a imprensa brasileira: “Constatamos coincidências significativas entre as traduções dos livros ‘Considerações sobre o Marxismo Ocidental/Nas Trilhas do Materialismo Histórico’, de Perry Anderson, ‘A Teoria da Alienação em Marx’, de István Mészáros, e de capítulos de ‘Lacrimae Rerum: Ensaios Sobre Cinema Moderno’, de Slavoj Žižek, publicados pela Boitempo, e traduções de outras editoras”. Alguns dos defensores da Boitempo, como Mészaros e Žižek, possivelmente não sabem que são “vítimas” da editora. Certamente não sabem que a Boitempo está recolhendo os exemplares cujas traduções são apontadas como “plágios”.
Faça-se justiça: a Boitempo, excelente casa editorial, tem publicado livros importantes, como os de Mészáros e “O Romance Histórico”, do filósofo György Lukács, com tradução precisa de Rubens Enderle. O livro de Lukács é um clássico importante. Publicado há mais de 70 anos, e, mesmo contendo as idiossincrasias às vezes mais políticas do que literárias do autor, permanece uma obra viva. Uma boa editora não precisa ser necessariamente eclética, aberta a ideologias diferentes. O fato de uma casa ser de esquerda não diminui seu valor.
Na década de 1980, o crítico José Guilherme Merquior denunciou, num artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, que a filósofa Marilena Chauí havia copiado um trecho de um livro do filósofo francês Claude Lefort. O plágio era evidente, mas Chauí, no lugar de admitir a crítica, partiu para o ataque, sugerindo que Merquior era um homem da ditadura, por ser diplomata — quando deveria tratá-lo como homem de Estado, como ela própria, uma funcionária pública da Universidade de São Paulo. Hábil, a filósofa conseguiu que Lefort, o prejudicado, inventasse uma “filiação de pensamento”, que, no Brasil, se tornou sinônimo de plágio. Depois, arregimentou intelectuais de “esquerda”, entre eles o filósofo Roberto Romano. Maria Sylvia de Carvalho Franco e Romano bombardearam Merquior, acusando-o de ideólogo da ditadura. Romano arrependeu-se, tempos depois, mas não sei se pediu desculpas ao próprio Merquior, que morreu cedo, aos 49 anos, quando era o mais importante intelectual liberal do país, em diálogo constante com a esquerda menos ortodoxa, como o filósofo Leandro Konder.
Como a discussão virou coisa de criança, resta dizer a Ivana Jinkings que está certa: a direita é mesmo o “Ruivo Herring” (espero que seja a grafia correta) do Brasil. Com o apoio do Scooby-Doo.
sobre o caso boitempo, veja-se aqui
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Published on August 19, 2012 05:55
August 18, 2012
Lutar com palavras
Published on August 18, 2012 09:30
August 15, 2012
lúcio cardoso tradutor
ontem foi o centenário de nascimento de lúcio cardoso. considero crônica da casa assassinada um dos grandes romances que temos no brasil, e de envergadura que transpõe fronteiras.
além de escritor, poeta, artista plástico, teatrólogo, lúcio cardoso era tradutor. foi por suas mãos que chegou a primeira jane austen no brasil, em 1940, ou os poemas de emily brontë, além da tradução e adaptação teatral de "the tell-tale heart" de poe, como "o coração delator", em 1947.
as traduções de lúcio cardoso que localizei são as seguintes:
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AUSTEN, J. Orgulho e Preconceito. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
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BARING, M. A Princesa Branca. Rio de Janeiro: José Olympio, 1946.

BÍBLIA SAGRADA. O Livro de Job. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943 (ilustrações de Alix de Fautereau).

BRONTË, E. O Vento da Noite. Rio de Janeiro, José Olympio, 1944 (com ilustrações de Santa Rosa).

DEFOË, D. As Confissões de Moll Flanders. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.
DEFOE, D. Os segredos de Lady Roxana. Rio de Janeiro: Pongetti, 1945.
GOETHE, J. W. Memórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948.*

KÃLIDÃSA. A Ronda das Estações. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.
LEROUX, G. O fantasma da ópera. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1944.*
POE, Edgar A. O coração delator. Adaptação teatral. Rio de Janeiro: 1947.

SINCLAIR, Up. O Fim do Mundo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1941.
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STOKER, B. Drácula: O Homem da Noite. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1943.

TOLSTOI, L. Ana Karenina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. (Aqui imagem de sua edição limitada, com apenas 200 exemplares)
VANCE, Et. Fuga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1945. (Não consegui imagem de capa)

ZAMIÁTIN, E. "A caverna", in Os russos: antigos e modernos. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. (Aqui em capa da Ediouro)
* Não consegui confirmar estas informações.
Fontes: DITRA (aqui) e Ésio Macedo Ribeiro (aqui).
(imagem de capa de jane austen em biblioteca jane austen; as demais, google images)

além de escritor, poeta, artista plástico, teatrólogo, lúcio cardoso era tradutor. foi por suas mãos que chegou a primeira jane austen no brasil, em 1940, ou os poemas de emily brontë, além da tradução e adaptação teatral de "the tell-tale heart" de poe, como "o coração delator", em 1947.
as traduções de lúcio cardoso que localizei são as seguintes:
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AUSTEN, J. Orgulho e Preconceito. Rio de Janeiro: José Olympio, 1940.
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BARING, M. A Princesa Branca. Rio de Janeiro: José Olympio, 1946.

BÍBLIA SAGRADA. O Livro de Job. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943 (ilustrações de Alix de Fautereau).

BRONTË, E. O Vento da Noite. Rio de Janeiro, José Olympio, 1944 (com ilustrações de Santa Rosa).

DEFOË, D. As Confissões de Moll Flanders. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947.
DEFOE, D. Os segredos de Lady Roxana. Rio de Janeiro: Pongetti, 1945.
GOETHE, J. W. Memórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948.*

KÃLIDÃSA. A Ronda das Estações. Rio de Janeiro: José Olympio, 1944.
LEROUX, G. O fantasma da ópera. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1944.*
POE, Edgar A. O coração delator. Adaptação teatral. Rio de Janeiro: 1947.

SINCLAIR, Up. O Fim do Mundo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1941.
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STOKER, B. Drácula: O Homem da Noite. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1943.

TOLSTOI, L. Ana Karenina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943. (Aqui imagem de sua edição limitada, com apenas 200 exemplares)
VANCE, Et. Fuga. Rio de Janeiro: José Olympio, 1945. (Não consegui imagem de capa)

ZAMIÁTIN, E. "A caverna", in Os russos: antigos e modernos. Rio de Janeiro: Leitura, 1944. (Aqui em capa da Ediouro)
* Não consegui confirmar estas informações.
Fontes: DITRA (aqui) e Ésio Macedo Ribeiro (aqui).
(imagem de capa de jane austen em biblioteca jane austen; as demais, google images)
Published on August 15, 2012 17:53
August 14, 2012
martin claret e o programa do livro popular
muito boas as ponderações de felipe lindoso, um dos nomes mais sérios, bem informados, sóbrios e combativos na luta pela democratização do livro no brasil:
a íntegra de seu artigo, publicado na publishnews de hoje, está aqui.
sobre o tumulto e a devastação que a martin claret cria no cenário do programa de abastecimento das bibliotecas públicas brasileiras, ver aqui.

A imprensa assinalou que a Martin Claret foi uma das editoras que mais vendeu exemplares no programa, apesar do levantamento feito pela Denise Bottman mostrando que várias de suas traduções eram, na verdade, plágio de outras anteriormente publicadas.
Na ocasião eu me manifestei a favor da retirada desses títulos do programa, pela incorreção das informações proporcionadas pela editora. A Biblioteca Nacional – através de seus procuradores – se manifestou contra isso. Os procuradores afirmavam que só se poderia “tirar do mercado” livros a partir de uma decisão judicial transitada em julgado.
Ora, não se tratava de tirar livros “do mercado”, mas simplesmente do Programa. Tal como o FNDE eventualmente atua quando os livros não estão dentro do padrão desejado.
Além do mais, a editora declarou, na época, que iria retirar os livros “com problemas” do cadastro. Não o fez.
Assim, livros problemáticos permaneceram no programa.
A Martin Claret anunciou recentemente, segundo a jornalista Raquel Cozer, da Folha de S. Paulo, que estava relançando dezoito títulos com novas traduções. Melhor para ela, mas o estrago já foi feito.
Felizmente, segundo informações do desempenho do programa, os títulos que puxaram as vendas da Martin Claret foram, principalmente, de literatura brasileira e portuguesa. Mas, evidentemente, foram vendidos também exemplares dos títulos plagiados.
Esse é um dos pontos que, pessoalmente, considero que deve ser melhorado no programa.
a íntegra de seu artigo, publicado na publishnews de hoje, está aqui.
sobre o tumulto e a devastação que a martin claret cria no cenário do programa de abastecimento das bibliotecas públicas brasileiras, ver aqui.
Published on August 14, 2012 15:56
que coisa...
reproduzo uma mensagem anônima enviada nesta madrugada ao blog. creio que dispensa comentários.
Anônimo
01:21 (8 horas atrás)



para dbottmann

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "nota da boitempo editorial":
Interessante a persona off-Denise que você mesma assume vez ou outra, não é? Sei bem que tem por hábito se passar por "anônima" só para salientar um ponto de vista politicamente incorreto, que logo será rebatido, ou afagado, pelo modo on-Denise, nos ajustes da cordialidade. Mas o importante é lançar a merda no ventilador e, se possível, resguardar o nome, não é? Estamos de olho, mascarada.

Publicar
Excluir
Marcar como spam
Moderar comentários para este blog.
Postado por Anônimo no blog não gosto de plágio em 14.8.12

Anônimo
01:21 (8 horas atrás)



para dbottmann

Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "nota da boitempo editorial":
Interessante a persona off-Denise que você mesma assume vez ou outra, não é? Sei bem que tem por hábito se passar por "anônima" só para salientar um ponto de vista politicamente incorreto, que logo será rebatido, ou afagado, pelo modo on-Denise, nos ajustes da cordialidade. Mas o importante é lançar a merda no ventilador e, se possível, resguardar o nome, não é? Estamos de olho, mascarada.

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Postado por Anônimo no blog não gosto de plágio em 14.8.12
Published on August 14, 2012 05:47
August 13, 2012
nota da boitempo editorial
hoje a boitempo editorial emitiu uma terceira nota, dando por encerrado seu processo de auditoria interna sobre problemas referentes à tradução de algumas obras de seu catálogo, levantados aqui neste blog. segue o comunicado da editora.
fico contente que meus apontamentos tenham trazido consequências frutíferas para a editora e saúdo sua disposição em enfrentar os problemas com clareza e boa vontade.

Nota pública de esclarecimento
A Boitempo iniciou no último mês uma auditoria interna que visou eliminar qualquer vestígio de irregularidade em nosso catálogo e tranquilizar nossos leitores e profissionais eventualmente lesados. Essa investigação interna, que consistiu na comparação de algumas traduções por nós publicadas com os respectivos originais e edições brasileiras anteriores, foi também frutífera para repensarmos nossos procedimentos editoriais, de maneira a deixá-los mais seguros e rigorosos. Hoje, após darmos por encerrado esse processo, vimos esclarecer que:
1. Constatamos coincidências significativas entre as traduções dos livros Considerações sobre o marxismo ocidental/Nas trilhas do materialismo histórico, de Perry Anderson, A teoria da alienação em Marx, de István Mészáros, e de capítulos de Lacrimae rerum: ensaios sobre cinema moderno, de Slavoj Žižek, publicados pela Boitempo, e traduções de outras editoras. Vale ressaltar que encontramos também partes e estruturas gramaticais bastante diferentes nas referidas publicações. O resultado da nossa conferência será publicado em breve no Blog da Boitempo.
2. Em respeito aos profissionais envolvidos e às pessoas que se relacionam com a editora – autores, colaboradores, leitores, jornalistas, livreiros –, tomamos a decisão de regularizar a situação desses títulos, mesmo que a conferência não tenha sido concluída (o cotejo página a página de cada livro levaria semanas). Já estamos em contato com a editora portuguesa que publicou Lacrimae rerum, encomendamos nova tradução de A teoria da alienação em Marx e contatamos os tradutores das referidas edições anteriores de Considerações sobre o marxismo ocidental/Nas trilhas do materialismo histórico. Reiteramos que interrompemos a distribuição dos títulos em que foram constatados problemas e aceitaremos sua devolução, conforme instruções dadas em nota anterior.
3. Quanto aos dois outros livros cuja autoria da tradução foi a mesma das obras citadas acima, ressaltamos que não se identificou nenhuma irregularidade em A educação para além do capital, de István Mészáros, cujo primeiro esboço de tradução – feito para a revista Margem Esquerda e não publicado à época – foi enviado pelo autor para o site portuguêsresistir.info, com autorização da Boitempo (que detém o copyright mundial desse e de outros textos do filósofo húngaro). As diferenças entre ambas as versões poderão igualmente ser conferidas em breve no Blog da Boitempo. Uma quinta tradução, do livro Histórias de Natal, não foi conferida pelo fato de a obra em questão – que teve uma única tiragem de mil exemplares – estar esgotada há mais de dez anos.
4. A tradução de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Friedrich Engels, foi feita a partir do original em alemão Die Lage der arbeitenden Klasse in England (Leipzig, Otto Wigand, 1845) e cotejada com edições italiana, francesa, inglesa e mexicana. Em comum com o volume publicado em 1986 pela editora Global há apenas o autor do prefácio daquela edição, que em nossa obra foi responsável também pela supervisão editorial e notas; a independência entre ambas as traduções foi reconhecida pelos próprios tradutores da versão de 1986.
5. No livro Às portas da revolução: escritos de Lenin de 1917, de Slavoj Žižek, por engano da editora foi mencionado apenas o processo de tradução do espanhol dos textos de Lenin, quando deveria ter sido discriminado o que foi traduzido e o que foi revisado a partir da tradução portuguesa publicada pelas edições Avante!, de quem temos autorização expressa para uso dos textos. Os créditos serão corrigidos na próxima edição.
Ao assumir total responsabilidade pelas obras colocadas em dúvida e esclarecer nossa posição diante das acusações feitas, reafirmamos o compromisso da editora com seus leitores. Ao longo de sua trajetória de dezessete anos, a Boitempo construiu um catálogo forte e coerente composto de cerca de 350 títulos, os quais contemplam alguns dos intelectuais mais importantes do Brasil e do mundo. Constatamos problemas na tradução de três de nossos livros, mas seguimos confiantes de que esse incidente será superado com honestidade e clareza.
Apesar dos esforços direcionados à auditoria interna, durante esse período não deixamos de fazer o que mais esperam de nós: lançamos livros, divulgamos textos exclusivos de nossos autores no blog, publicamos vídeos de eventos passados e organizamos novos, entre eles o III Curso Livre Marx-Engels – que atingiu o limite máximo de inscritos em poucos minutos, será gravado e posteriormente publicado em nosso canal no YouTube. Agradecemos as mensagens de apoio recebidas por parte de autores, leitores, colaboradores, colegas editores, além de vários intelectuais, do Brasil e do exterior, as quais reconhecem a seriedade de nosso trabalho e a confiança em nosso futuro.
fico contente que meus apontamentos tenham trazido consequências frutíferas para a editora e saúdo sua disposição em enfrentar os problemas com clareza e boa vontade.
Published on August 13, 2012 13:44
August 12, 2012
pesadelo de uma noite de natal
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na sequência do post uma duradoura árvore natalina, aqui, passo agora ao conto de máximo gorki, sonho de uma noite de natal, publicado em 1947 pela livraria martins editora, em tradução de luiz macedo, e em 1995 pela boitempo editorial, com tradução atribuída a isa tavares.
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apresento sucintamente o trecho inicial e o trecho final do texto, com as duas edições em paralelo. todo o miolo do conto guarda o mesmo padrão de identidade.
luiz macedo (martins, 1947)
Eu havia terminado um conto sombrio como os breves e tristes dias de inverno, que então pesava sobre meu país. Deixei cair a pena e comecei a passear pela casa.
Era noite. Lá fora prenunciava-se uma tormenta. A neve caía em flocos espessos. A rua estava deserta e, encostando-me à vidraça, eu via apenas uma lanterna pendurada a uma porta, do outro lado da rua, e agitada pelo vento. Aquele espetáculo era tão profundamente desolador que, afastando-me da janela, apaguei a lâmpada e fui deitar-me.
Então, na escuridão que invadia todo o meu quarto, os sons da noite se fizeram mais nítidos. O relógio contava os segundos, mas por vezes o zumbir da neve, lá fora, afogava seu rumor. Em vão. O tic-tac apressado, incansável, voltava a dominar os murmúrios do inverno: e aquele tic-tac seco, monótono e teimoso, em sua marcha para a eternidade, impunha-se a meu cérebro, ressoava dentro dele.
Não podendo dormir, pensava nas páginas que acabara de escrever. Era uma narração muito simples: a história de dois velhos tímidos e meigos, dois abandonados pelo destino. Ele - cego; ela, sua esposa, humilde e fiel.
Uma madrugada, na véspera de Natal, saíram de seu sórdido abrigo e foram mendigar pela casaria da vizinhança, para ver se obtinham com que comprar um pouco de alegria e conforto para o dia, entre todos, santo.
Movidos por essa esperança, percorreram os arredores, crentes de que poderiam voltar, à hora da Missa do Galo, com os bolsos cheios de dádivas feitas em nome do Senhor. Mas foram tão escassas as esmolas que nem sequer compensaram a caminhada, e era já muito tarde quando o triste casal compreendeu que tinha de voltar a seu casebre sem fogo para se aquecer e apenas com o indispensável para não passar fome. (p. 253-4)
isa tavares (boitempo, 1995)
Eu havia terminado um conto sombrio como os breves e tristes dias de inverno, que então pesava sobre meu país. Deixei cair a pena e comecei a passear pela casa.
Era noite. Lá fora prenunciava-se uma tormenta. A neve caía em flocos espessos. A rua estava deserta e, encostando-me à vidraça, via apenas uma lanterna pendurada a uma porta, do outro lado da rua, e agitada pelo vento. Aquele espetáculo era tão profundamente desolador que, afastando-me da janela, apaguei a lâmpada e fui dormir.
Então, na escuridão que invadia todo o meu quarto, os sons da noite se fizeram mais nítidos. O relógio contava os segundos, mas por vezes o zumbir da neve, lá fora, afogava seu rumor. Em vão. O tic-tac apressado, incansável, voltava a dominar os murmúrios do inverno: e aquele tic-tac seco, monótono e teimoso, em sua marcha para a eternidade, entrava em meu cérebro, ressoava dentro dele.
Não conseguia dormir, pensava nas páginas que acabara de escrever. Era uma narração muito simples: a história de dois velhos tímidos e meigos, dois abandonados pelo destino.
Ele - cego; ela, sua esposa, humilde e fiel.
Uma madrugada, na véspera de Natal, saíram de seu sórdido abrigo e foram mendigar pelas casas da vizinhança, para ver se obtinham alguma coisa para comprar um pouco de alegria e conforto para o dia, entre todos, santo.
Movidos por essa esperança, percorreram os arredores, crentes de que poderiam voltar à hora da Missa do Galo, com os bolsos cheios de dádivas feitas em nome do Senhor. Mas foram tão escassas as esmolas que nem sequer compensaram a caminhada, e era já muito tarde quando o triste casal compreendeu que tinha de voltar a seu casebre sem fogo para se aquecer e apenas com o indispensável para não passar fome. (p. 21-2)
luiz macedo (martins, 1947)
- É mentira! - bradou a velha. - Mentira ingênua e ridícula. Então pretendes, com dores e misérias, despertar bons sentimentos nos corações acostumados a desgraças reais? Idiota! Pensas enternecer com tuas pobres fantasias os homens, que não se comovem ante a realidade miserável de todos os dias?
O resto do sonho foi uma confusão, que não consigo recompor. Mas, pela manhã, quando despertei, meu primeiro movimento foi correr à mesa onde deixara as tiras de papel escritas na véspera.
Rasguei-as sem tornar a lê-las; atirei os pedaços pela janela e eles esvoaçaram no ar claro como mariposas. (p. 256)
isa tavares (boitempo, 1995)
- É mentira! - bradou a velha. - Mentira ingênua e ridícula. Então pretende[], com dores e misérias, despertar bons sentimentos nos corações acostumados a desgraças reais? Idiota! Pensa[] enternecer com suas pobres fantasias os homens, que não se comovem ante a realidade miserável de todos os dias?
O resto do sonho foi uma confusão, que não consigo recompor. Mas, pela manhã, quando despertei, meu primeiro movimento foi correr à mesa onde deixara as tiras de papel escritas na véspera.
Rasguei-as sem tornar a lê-las; atirei os pedaços pela janela e eles esvoaçaram, no ar claro, como mariposas. (p. 29-30)
considerando a boa vontade da boitempo editorial em apurar possíveis irregularidades de outras obras com tradução atribuída a isa tavares, quero crer que a editora já esteja procedendo ou venha a proceder também à apuração das coincidências acima apontadas, em relação ao conto de máximo gorki.
sobre outras traduções atribuídas a isa tavares, veja-se aqui. sobre o compromisso da boitempo editorial em apurar as irregularidades, veja-se aqui.
Published on August 12, 2012 19:04
August 11, 2012
por que NÃO me ufano de meu país
que pouca vergonha!
a jornalista raquel cozer deu hoje em sua coluna na folha de s.paulo:
SUSPEITA DE PLÁGIO É A 3a. EM VENDAS PARA BIBLIOTECAS PÚBLICAS
A Martin Claret, que inscreveu traduções suspeitas de plágio para compras por bibliotecas públicas, foi a terceira editora com mais títulos pedidos pelas instituições dentro do programa de aquisição acervos lançado neste ano pela Fundação Biblioteca Nacional. As primeiras, conforme balanço recente da FBN, são a Ciranda Cultural e a Todolivro. No começo do ano, a tradutora Denise Bottmann listou dezenas de casos suspeitos em denúncia ao Ministério Público Federal. Vários desses títulos estão na lista de encomendas feitas à Claret, que no total vendeu 93 mil cópias e teria faturado cerca de R$ 550 mil. Segundo Galeno Amorim, presidente da FBN, o caso está sendo investigado pelo MPF e a editora pode ser processada caso fraudes sejam comprovadas. Os livros já estão sendo distribuídos às bibliotecas.
*
Novas traduções A Martin Claret há meses refaz traduções --18 títulos saem agora na Bienal do Livro. Embora em janeiro tenha prometido descadastrar obras com traduções em andamento, isso não ocorreu. Elisângela Alves, ex-Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, acaba de assumir a edição da casa e coordena o novo trabalho.
Novas aquisições O balanço da FBN sobre o programa de aquisição de livros a até R$ 10 foi feito por ocasião do anúncio da segunda fase. Aprimorado, o novo edital corrige falhas. Entre as mudanças, agora as bibliotecas listam títulos e só depois a FBN aciona as editoras. Antes, as editoras cadastravam obras e então as bibliotecas escolhiam.
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a jornalista raquel cozer deu hoje em sua coluna na folha de s.paulo:
SUSPEITA DE PLÁGIO É A 3a. EM VENDAS PARA BIBLIOTECAS PÚBLICAS
A Martin Claret, que inscreveu traduções suspeitas de plágio para compras por bibliotecas públicas, foi a terceira editora com mais títulos pedidos pelas instituições dentro do programa de aquisição acervos lançado neste ano pela Fundação Biblioteca Nacional. As primeiras, conforme balanço recente da FBN, são a Ciranda Cultural e a Todolivro. No começo do ano, a tradutora Denise Bottmann listou dezenas de casos suspeitos em denúncia ao Ministério Público Federal. Vários desses títulos estão na lista de encomendas feitas à Claret, que no total vendeu 93 mil cópias e teria faturado cerca de R$ 550 mil. Segundo Galeno Amorim, presidente da FBN, o caso está sendo investigado pelo MPF e a editora pode ser processada caso fraudes sejam comprovadas. Os livros já estão sendo distribuídos às bibliotecas.
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Novas traduções A Martin Claret há meses refaz traduções --18 títulos saem agora na Bienal do Livro. Embora em janeiro tenha prometido descadastrar obras com traduções em andamento, isso não ocorreu. Elisângela Alves, ex-Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio, acaba de assumir a edição da casa e coordena o novo trabalho.
Novas aquisições O balanço da FBN sobre o programa de aquisição de livros a até R$ 10 foi feito por ocasião do anúncio da segunda fase. Aprimorado, o novo edital corrige falhas. Entre as mudanças, agora as bibliotecas listam títulos e só depois a FBN aciona as editoras. Antes, as editoras cadastravam obras e então as bibliotecas escolhiam.
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Published on August 11, 2012 10:59
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