Igor Marcondes's Blog, page 5
December 26, 2019
Letargia
Começou com a cobrança
um sentimento social
invicto e que não descansa
se tornou vício
com cara de vontade própria
agindo por instinto
pensando estar sóbria
aos poucos, mudou a sensação
e o que era amor
se tornou instituição
não houve avisos
pelo contrário
apenas incentivos
finalmente, se concluiu
se sentiu vazio
e o que ele era
se esvaiu
December 25, 2019
Nascente
Achei cicatrizes perdidas
no meu corpo tranquilo
escondidas
como nascente de rio
expondo o que vem de dentro
elas iniciaram o caminho
queriam desbravar
e concretizar o destino
daquilo que nasce em terra
mas é líquido
o sangue que quer ser mar
mas não pode existir
se não sangrar
December 24, 2019
Terra revirada
Quem sabe o que teria acontecido
se o tempo não tivesse passado
se o tempo fosse presente
e quisesse ser repassado
de novo e de novo
esperando ser renovado
como se fosse possível reviver
aquilo que já está enterrado
Deixemos ao passado
o que é dele por direito
está tudo acabado
quando tudo precisa ser refeito.
E na nova construção
estrutura velha não suporta o peso
sem a novidade, vem ao chão.
December 23, 2019
Post-mortem
No céu não tem poeta
pois ele não se santifica
ele não vê o futuro, não é profeta
na ponta de seu destino, é onde fica
a dor que usa para criar beleza
o medo que guarda para se proteger
fazendo do amor sua tristeza
criando da solidão o que viver
O poeta não vai para o submundo
pois seus erros não são mortais
ele não sai do passado, mais que profundo
enterrado em sua angústia, é onde esconde
a alegria que quer expor
o abraço que tenta dar
fazendo da pena seu rancor
criando das palavras o que acreditar
December 20, 2019
O que espero?
Espero que,
quando eu morrer,
fique livre,
possa passear no parque,
sem medo e livre,
que não precise pagar contas
nem prestar contas,
livre de me explicar,
que não precise chorar
seja por dor ou por amor,
que fique livre do amor
pra não ter que voltar
e possa ir embora
se eu quiser,
porque estarei livre,
e espero que todo lugar
seja lugar livre
que a vida não signifique
nada além do nada
espero que a morte
seja o fim de tudo
e que tudo seja livre
December 18, 2019
O outro
Fechou a porta, mas ele conseguiu entrar. Construiu muros, colocou grades nas janelas e, ainda assim, lá estava ele, presente. Então, resolveu fechar os olhos, entrar debaixo da coberta e tapar os ouvidos, porém mesmo dessa forma, lá estava ele, mais vivo do que nunca. Cada tentativa de impedi-lo de entrar era como um convite para que o fizesse. Ele não via aquilo com um desafio, apenas como algo natural. Finalmente, perguntou: como você consegue entrar sempre? E ele respondeu: eu nunca estive fora.
December 15, 2019
Resenha: Paisagens da memória (Ruth Klüger)
Pensei muito antes de resenhar esse livro, pois o assunto do qual ele trata é muito delicado e, penso, exige grande bagagem literária para que não se cometam erros promíscuos. Porém, a quantidade de questionamentos que “Paisagens da memória – Autobiografia de uma sobrevivente do Holocausto” gerou em mim é muito significativa para não tentar convencer vocês a lê-lo.
No livro, Ruth Klüger se autobiografa. Tarefa complexa e de grande coragem, feita com muitos questionamentos e sensibilidade. Logo nos primeiros capítulos, somos indagados: afinal, é correto, de certa forma, celebrar o que se produziu em cima do assassinato de milhões de pessoas? Nesse sentido, a autora se choca com muitos estudiosos, incluindo sobreviventes que, assim como ela, se expuseram e deram origem à já mencionada “literatura de testemunho”.
São imutáveis os sentimentos alimentados pela memória.
Ainda, Ruth questiona a validade da transformação de alguns campos de concentração em museus, o que sequer tinha passado pela minha cabeça, mas fez muito sentido. Ao mesmo tempo, ela expõe o patriarcado presente nos relatos, na sociedade e na história de forma inteligente e sagaz.
Além disso, imerso na poesia da autora, o livro é, por vezes, muito doloroso. Nele, acredito que Ruth se expôs mais do que eu esperava, inclusive entregando poemas para elucidar passagens e esclarecer sentimentos. Sendo assim, não há outra forma de finalizar essa resenha, senão agradecendo a autora por ter permitido nossa entrada ao seu museu particular, no qual ela guardou memórias que fazem chorar, questionar e aprender.
Não saí dessa leitura com uma opinião formada, mas modificado pelas perguntas que surgiram, agora mais específicas e coerentes, sobre um acontecimento que mexeu e mexe com as estruturas da nossa sociedade.
[Biografia]
Primeira mulher chefe do Departamento de Filologia Germânica da Universidade de Princepton, Ruth Klüger é conhecida por sua contribuição acadêmica, tendo publicado livros sobre história e crítica literária.
Com “Paisagens da memória”, Ruth se torna, também, referência na literatura de testemunho, recebendo, dentre várias homenagens, o Prix Mémorie de la Shoah, da Fondation du Judaïsm Français. Atualmente, é professora emérita na Universidade da Califórnia, Irvine.
Foto: UC San Diego Library.Quando a Áustria foi anexada pela Alemanha nazista, Ruth tinha apenas seis anos. De família judia, ela logo viu seu mundo desmoronar com as proibições, fugas e mortes que o Terceiro Reich impôs sobre sua comunidade.
Dentre os campos de concentração pelos quais passou, Ruth conseguiu se salvar no último segundo de Auschwitz-Birkenau.
Após o fim da guerra, refugiou-se nos Estados Unidos com a mãe, retornando anos depois à Alemanha, onde começou a escrever sua autobiografia.
December 14, 2019
Mortos-vivos
O que é uma morte natural
quando a morte já nos é natural
o que é escolher a vida
se a morte está no meu quintal
estendida, seca, presa no varal
exposta, desejada
um programa dominical
relaxamento, aliviador
da angústia mortal
de se viver morrendo
por prazer estrutural
aquele que tira de nós
impede o ser sentimental
porque precisa do vazio
que é a sociedade sepulcral
December 13, 2019
Convivência
Sentia que ainda estava sonhando, porém era a realidade que tinha ressoado naquela noite que durou os últimos segundos mais importantes do pesadelo, aqueles nos quais tudo foi revivido. Ela continuaria o dia conforme encontrasse forças pra se esquecer do trauma, até que ele aparecesse novamente. Era um monstro particular. Não o alimentava, mas sabia que ele moraria nela pra sempre, por isso, ela se nutria para combatê-lo: religião, amigos, família, amor. Ainda assim, era frustrante saber que algum poder ele sempre teria sobre ela. Naquele dia, então, antes de continuar a resistência, sentou-se na cama e chorou, porque parte do processo de tentar enfraquecer o monstro, era mostrar a ele que ela tinha sentimentos.
December 12, 2019
Origem
O outro em mim
aquele que não sou
mas incorporei pra ser
o que o amor não mudou
o outro que serei
porque o outro rejeitou
a experiência viva
do que me criou
por ser o que sou
no outro que é
em mim se formou
sem ter qualquer fé
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