Igor Marcondes's Blog, page 18
May 5, 2019
Arquitetura
Depois da destruição
sobram materiais
para nova construção
Mágoas no coração
serão reutilizadas:
pedras para estruturação
Mentiras contra razão,
sustentam paredes
e completam a fundação
Mas novamente cairão,
não se usa o passado:
pois é erro de projeção
May 4, 2019
Cura
Quanta coisa coube no abraço
O medo
A agonia
E o cansaço
Todas as coisas ele abraçou
A dor
A perda
E não chorou
E então abriu os braços
Pra viver
Pra amar
E não desatar os laços
April 17, 2019
Esperança
Meu coração se encheu
E meus olhos derramaram
As lágrimas que um dia
Minha alma se esqueceu
Minha boca tinha convencido
Meus ouvidos tão sensíveis
De que eu era causa perdida
E que todo sonho nasce destruído
E eu tinha lavado minhas mãos
Mas as molhei novamente
Com os sonhos que saíram
E deixaram de ser vãos
A hora chegou e tenho que ir
Somente porque assim se faz
Assim me faço e me deixo
E me tomo de volta para seguir
April 13, 2019
Recomeço
Começar exige
que sejamos
o próprio ato
e nele sigamos
para torná-lo fato
Recomeçar já é
outra história
uma de início
conturbado
por falta de glória
da que teve um
fim indesejado
Nesta história
há começos
como quando
se nasce
e recomeço
no lugar
de desenlace
Litoral
A água do mar
o mar agitado
a falta de ar
o corpo gelado
O sal da água
a água nos pulmões
se afogou na mágoa
de suas razões
A areia da praia
a praia deserta
antes que o sol saia
da vida se liberta
March 27, 2019
A vontade de chorar
Chorou porque havia uma necessidade absurda de ser, mas como não sabia quem ser, precisou expurgar a vontade. As lágrimas relutaram, pois não estavam acostumadas a sair. Arderam nos olhos. O sal dele saindo dissolvido na água dele. Ele sendo lágrima. Ele sendo o que podia ser naquele momento: uma reação. A vontade de ser aquilo que nem ele entendia vinha de uma realidade sólida, cinza, aquém do que ele era. O estranhamento e a impossibilidade eram resultados dessa realidade que o aprisionava na vontade de ser, era disso que ela precisava para se sustentar. Ele chorou. Isso não era suficiente, porém. E assim que as escassas lágrimas secaram nas bochechas, ele sentiu a vontade coçar no corpo inteiro. Uma espécie de reação física à curta abstinência de realidade. Que triste, ele tinha que voltar para ela… Passou as pontas dos dedos embaixo dos olhos, certificando-se de que estava seco, mas esqueceu-se de que dentro dele existia uma nascente infinita.
March 25, 2019
A busca do destino
Bom dia, eu quero uma passagem. Sim, senhora. Para onde? Importa? Ahm, sim… temos estes destinos que estão na placa. Verdade, vi agora, mas não sei se o meu está em algum deles. Sinto muito, então não posso ajudar, melhor ver nas outras empresas, a gente só atende cidades do litoral. Entendi, que pena, pensei que encontraria meu destino aqui. Acho que a senhora tá procurando outra coisa… Pode até ser, mas não sei onde encontrar isso, então resolvi vir no óbvio. Faz sentido, senhora, mas como pode ver, o óbvio nem sempre tem a resposta, costuma ser o óbvio mesmo, o normal, o que todo mundo procura. Entendi, acho que preciso pensar mais sobre o meu destino. Melhor, mas também não tem problema em comprar uma passagem pro litoral enquanto resolve pra onde ir definitivamente. Definitivamente? Acho que não quero nada definitivo. Então, pronto. Dá pra ir procurando, experimentando e pensando, né? Talvez. Quero uma de ida pra essa cidade aqui pro dia 17 e volta pro dia 19. R$ 45,50. Obrigada. Boa viagem, volte sempre.
O vazio dos encontros
O que acha de a gente se conhecer esta semana? Ai, não sei se quero… Por quê? Falei algo errado? Não sei se quero me conhecer nesta semana. E se eu não gostar? E se não tiver volta? Uma coisa assim, uma vez conhecida, não tem como desconhecer. Mas eu não falei nesse sentido, falei eu e você, conhecermos um ao outro. Que conversa mais filosófica… Você não prefere apenas tomar uma cerveja num barzinho qualquer? É disso que tô falando, viado… Ah! Pensei que era algo mais profundo. Também pode ser, uma hora tem que acontecer. Sim, afinal, a gente anda tão vazio o tempo todo, né? Sim, é tão vazio que um barzinho qualquer fica cheio. Será que as pessoas estão se conhecendo assim? Quem sabe? Pode ser que sim. Tudo é possível, certo? Não sei, parece impossível pra mim. E quem tá todo filosófico agora? Hahahaha! Sim, uma pena que a gente precise dessa intervenção tecnológica pra ir encher um barzinho com nosso vazio. Uma pena, mas melhor do que nada. Nada é pouco. Com certeza. E queremos muito. É triste. Eu aceito. Terça, às 20h? Fechado.
March 1, 2019
Resenha: Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço (Adriana Negreiros)
December 16, 2018
Gula
Enquanto eu estive sentado à mesa, o jantar não foi servido. Até que eu desisti de comer naquele dia e me vi sendo cortado em fatias finas para satisfazer a gula de alguém. Quem? Ele não revelava a face, mascarado a cada mordida barulhenta, batendo os dentes no metal do garfo, numa clara provocação aos meus ouvidos que ainda estavam intactos. Mastigava sem pressa e ruidosamente, misturando bem a saliva com cada sentimento que estava mal passado. Quase cru. Ele comentou que assim era melhor para sentir as reações físicas. Pulsações. Engraçado, ele começou pela minha boca. Agora me lembro, começou pela boca. Eu já não podia falar, ainda que quisesse; e eu não queria. Meu papel ali era de observador, ainda que estivesse sendo servido. Não tinha ninguém comendo com ele… Como era guloso! Eu, ainda que pequeno, sou muito sentimento para uma pessoa só comer. Fiquei esperando ele se fartar antes mesmo de chegar ao meu coração, achei que nem do cérebro passaria. Porém, me enganei. Ele devorou parte por parte, sem deixar nada. Arrotava forte e parecia se sentir cada vez mais faminto. Em momento algum tirou o sorriso do rosto. Ele deixou meus olhos intactos, pois no fim, fez questão de vomitar tudo na minha frente. Vomitou tudo o que sou. Pôs o dedo na goela, induziu o vômito e me devolveu, porém todo despedaçado. Os sentimentos todos mesclados, sujos e semi-digeridos. Eu poderia jurar que não era eu quem ele tinha devorado. Não me reconheci. Ele percebeu e aquele sorriso maldoso se ampliou. Na verdade, ele nunca quis me digerir, só queria atrapalhar minha composição, me impedir de continuar sendo os sentimentos que eu era. Ele conseguiu e percebeu isso. Levantou-se da mesa, mas levou consigo os talheres, na verdade não levou, eles eram parte integral dele, vi como o garfo e a faca se transformaram em dedos enquanto ele se afastava, me dando as costas e me deixando ali, pronto para ser jogado no lixo. Ele se foi sem olhar para trás. E eu só puder ficar olhando para frente, decomposto como estava. E pensar que me sentei à mesa com ele…
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